Nos fósseis, foram encontradas microesferas de pigmento que serviram de base para a reconstituição colorida do Sinosauropteryx
A descoberta de que as penas dos dinossauros eram coloridas mudará para sempre a imagem que tínhamos dos grandes répteis do passado
O grifo era uma animal fabuloso, metade águia, metade leão. A fera rugia com uma enorme bocarra leonina, enquanto sacudia a juba negra e alçava voo com seu corpo de águia, estendendo suas asas imensas e exibindo garras afiadíssimas. O grifo fazia parte da mitologia dos antigos persas, há 2.500 anos. Em 2010, a realidade superou a ficção. Imagine um ser bípede, meio réptil meio ave. Suas mandíbulas ainda possuem presas, mas começam a assumir a forma de um longo bico afilado. O bicho tem o tamanho de um dálmata, só que desprovido da adorável pelagem branca pontilhada de manchas negras. Pelos são exclusividade dos mamíferos, o que não é o caso desse bicho. Apesar de tecnicamente tratar-se de um réptil, o animal não tem as escamas de uma cobra nem a couraça de um crocodilo, muito menos a carapaça de uma tartaruga. O animal (ainda) não é uma ave e, portanto, não é dotado de asas, mas possui pés de uma descomunal galinha, e é todo emplumado, da cor do gengibre. No topo do cocuruto exibe uma crista majestosa que causaria inveja ao último dos moicanos. E a cauda, comprida como a dos cangurus, é coberta por uma espessa penugem colorida, formando um padrão anelado que alterna tons de gengibre e creme – remetendo imediatamente aos apêndices peludos dos lêmures de Madagascar. Só que o bicho não é sul-americano nem africano. Ele é um dinossauro chinês. Seu nome é Sinosauropteryx prima, o “primeiro lagarto chinês emplumado”.
Antes do Sinosauropteryx, os dinossauros não tinham cor. Seus fósseis podiam ser descomunais como o crânio de um tiranossauro ou delgados e delicados como os ossos petrificados dos primos alados dos dinossauros, os pterossauros. Mas um fóssil é uma pedra. O fóssil é a representação na rocha de um organismo que um dia existiu, morreu e teve as células do seu esqueleto (mas também, em circunstâncias muito raras e especialíssimas, dos órgãos internos, do couro e das penas) substituídas por minerais. Por isso, os fósseis não têm cor. Sua tonalidade vai do branco-gesso ao negro-carvão. Qualquer coloração do espectro que adornava os animais extintos e fugia da monotonia monocromática da ausência ou do excesso de negro se perdeu ao longo do processo de fossilização. Este era um dogma da paleontologia. Este dogma vingou por 200 anos. Caiu em desuso semana passada, com a descoberta dos pigmentos cor de creme e de gengibre do Sinosauropteryx. “Eu sempre disse aos meus alunos que existia um monte de coisas que nós podíamos aprender com os dinossauros,” conta o inglês Mike Benton, um dos líderes da pesquisa e paleontólogo da Universidade de Bristol. “Duas coisas que nunca poderíamos saber eram os sons que produziam e quais as suas cores. Eu estava errado.”
Os restos do Sinosauropteryx foram descobertos em 1996, na província chinesa de Liaoning. O animal viveu no período Cretáceo, há 125 milhões de anos. Os paleontólogos do Instituto de Paleontologia e Paleoantropologia de vertebrados, em Pequim, ficaram boquiabertos com o estado de preservação do bicho. Podiam-se ver as impressões das magníficas penas que cobriam seu corpo. Foi o primeiro dinossauro com penas preservadas. O achado deu impulso aos defensores da hipótese de que os dinossauros não se extinguiram há 65 milhões de anos. Um ramo deles, os terópodes, bípedes e carnívoros cuja maior estrela é o tiranossauro rex, sobreviveram até nossos dias como aves. A teoria surgiu nos anos 1970, quando ficou evidente que os ossos da bacia de dinos e aves eram parecidos. Desde o Sinosauropteryx, vieram à luz outros fósseis para reforçar a hipótese, como aves com dentes e dinos com asas. Em 2007, americanos extraíram DNA do fêmur de um T-rex. Parecia DNA de galinha.
O impulso final para fazer da teoria um fato foi a descoberta das cores do Sinosauropteryx. Tudo começou em 2006, com o estudo de uma lula fóssil feito por Jakob Vinther, na Universidade Yale. À luz do microscópio, Vinther identificou no saco de tinta da lula a existência de microesferas. Eram idênticas aos melanossomas, estruturas de pigmento das lulas vivas. Mas melanossomas são responsáveis pela cor de muitos animais, incluindo aves. Ao investigar uma pena fóssil de 47 milhões de anos, Vinther viu melanossomas iguais aos dos estorninhos, passarinhos de um escuro iridescente.
“Ops, olhem só pra isso”, disse Benton ao ler aquele estudo. Paleontólogo que dedicou 30 anos de carreira ao estudo dos dinossauros, Benton foi procurar melanossomas em seus melhores fósseis. “Imediatamente, nós as encontramos”. A mesma ideia ocorreu em Pequim, com o paleontólogo Fucheng Zhang. Zhang e Benton se debruçaram sobre a lâmina pétrea do Sinosauropteryx e detectaram dois tipos de melanossomas semelhantes aos que, nos tentilhões, tingem suas penas com as cores creme e gengibre. A mesma paleta foi aplicada ao Sinosauropteryx, no estudo publicado dia 26 na revista Nature. “A descoberta acaba definitivamente com o debate sobre a ancestralidade das aves,” afirma Zhang.
Benton afirma que as microesferas de pigmento estão sendo achadas em praticamente todos os fósseis. Podemos esperar para os próximos anos uma avalanche de filmes e brinquedos onde os famigerados tiranossauro e velociraptores de O parque dos dinossauros (1993) serão emplumados, com padronagens sóbrias como as de um pardal ou carnavalescas como os pavões. A exceção será Rex, o tiranossauro verde de Toy Story. Esse nunca mudará.
O grifo era uma animal fabuloso, metade águia, metade leão. A fera rugia com uma enorme bocarra leonina, enquanto sacudia a juba negra e alçava voo com seu corpo de águia, estendendo suas asas imensas e exibindo garras afiadíssimas. O grifo fazia parte da mitologia dos antigos persas, há 2.500 anos. Em 2010, a realidade superou a ficção. Imagine um ser bípede, meio réptil meio ave. Suas mandíbulas ainda possuem presas, mas começam a assumir a forma de um longo bico afilado. O bicho tem o tamanho de um dálmata, só que desprovido da adorável pelagem branca pontilhada de manchas negras. Pelos são exclusividade dos mamíferos, o que não é o caso desse bicho. Apesar de tecnicamente tratar-se de um réptil, o animal não tem as escamas de uma cobra nem a couraça de um crocodilo, muito menos a carapaça de uma tartaruga. O animal (ainda) não é uma ave e, portanto, não é dotado de asas, mas possui pés de uma descomunal galinha, e é todo emplumado, da cor do gengibre. No topo do cocuruto exibe uma crista majestosa que causaria inveja ao último dos moicanos. E a cauda, comprida como a dos cangurus, é coberta por uma espessa penugem colorida, formando um padrão anelado que alterna tons de gengibre e creme – remetendo imediatamente aos apêndices peludos dos lêmures de Madagascar. Só que o bicho não é sul-americano nem africano. Ele é um dinossauro chinês. Seu nome é Sinosauropteryx prima, o “primeiro lagarto chinês emplumado”.
Antes do Sinosauropteryx, os dinossauros não tinham cor. Seus fósseis podiam ser descomunais como o crânio de um tiranossauro ou delgados e delicados como os ossos petrificados dos primos alados dos dinossauros, os pterossauros. Mas um fóssil é uma pedra. O fóssil é a representação na rocha de um organismo que um dia existiu, morreu e teve as células do seu esqueleto (mas também, em circunstâncias muito raras e especialíssimas, dos órgãos internos, do couro e das penas) substituídas por minerais. Por isso, os fósseis não têm cor. Sua tonalidade vai do branco-gesso ao negro-carvão. Qualquer coloração do espectro que adornava os animais extintos e fugia da monotonia monocromática da ausência ou do excesso de negro se perdeu ao longo do processo de fossilização. Este era um dogma da paleontologia. Este dogma vingou por 200 anos. Caiu em desuso semana passada, com a descoberta dos pigmentos cor de creme e de gengibre do Sinosauropteryx. “Eu sempre disse aos meus alunos que existia um monte de coisas que nós podíamos aprender com os dinossauros,” conta o inglês Mike Benton, um dos líderes da pesquisa e paleontólogo da Universidade de Bristol. “Duas coisas que nunca poderíamos saber eram os sons que produziam e quais as suas cores. Eu estava errado.”
Os restos do Sinosauropteryx foram descobertos em 1996, na província chinesa de Liaoning. O animal viveu no período Cretáceo, há 125 milhões de anos. Os paleontólogos do Instituto de Paleontologia e Paleoantropologia de vertebrados, em Pequim, ficaram boquiabertos com o estado de preservação do bicho. Podiam-se ver as impressões das magníficas penas que cobriam seu corpo. Foi o primeiro dinossauro com penas preservadas. O achado deu impulso aos defensores da hipótese de que os dinossauros não se extinguiram há 65 milhões de anos. Um ramo deles, os terópodes, bípedes e carnívoros cuja maior estrela é o tiranossauro rex, sobreviveram até nossos dias como aves. A teoria surgiu nos anos 1970, quando ficou evidente que os ossos da bacia de dinos e aves eram parecidos. Desde o Sinosauropteryx, vieram à luz outros fósseis para reforçar a hipótese, como aves com dentes e dinos com asas. Em 2007, americanos extraíram DNA do fêmur de um T-rex. Parecia DNA de galinha.
O impulso final para fazer da teoria um fato foi a descoberta das cores do Sinosauropteryx. Tudo começou em 2006, com o estudo de uma lula fóssil feito por Jakob Vinther, na Universidade Yale. À luz do microscópio, Vinther identificou no saco de tinta da lula a existência de microesferas. Eram idênticas aos melanossomas, estruturas de pigmento das lulas vivas. Mas melanossomas são responsáveis pela cor de muitos animais, incluindo aves. Ao investigar uma pena fóssil de 47 milhões de anos, Vinther viu melanossomas iguais aos dos estorninhos, passarinhos de um escuro iridescente.
“Ops, olhem só pra isso”, disse Benton ao ler aquele estudo. Paleontólogo que dedicou 30 anos de carreira ao estudo dos dinossauros, Benton foi procurar melanossomas em seus melhores fósseis. “Imediatamente, nós as encontramos”. A mesma ideia ocorreu em Pequim, com o paleontólogo Fucheng Zhang. Zhang e Benton se debruçaram sobre a lâmina pétrea do Sinosauropteryx e detectaram dois tipos de melanossomas semelhantes aos que, nos tentilhões, tingem suas penas com as cores creme e gengibre. A mesma paleta foi aplicada ao Sinosauropteryx, no estudo publicado dia 26 na revista Nature. “A descoberta acaba definitivamente com o debate sobre a ancestralidade das aves,” afirma Zhang.
Benton afirma que as microesferas de pigmento estão sendo achadas em praticamente todos os fósseis. Podemos esperar para os próximos anos uma avalanche de filmes e brinquedos onde os famigerados tiranossauro e velociraptores de O parque dos dinossauros (1993) serão emplumados, com padronagens sóbrias como as de um pardal ou carnavalescas como os pavões. A exceção será Rex, o tiranossauro verde de Toy Story. Esse nunca mudará.
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