Era meio-dia da última sexta-feira quando o estudante Bruno Ricardo Dias passou assoviando por entre as mesas da praça de alimentação do Shopping Estação, em Curitiba. Em princípio, seu almoço seria uma fatia de pizza de lombo, outra de mussarela e um copo de refrigerante, cheio até a boca. Mas a refeição teve como acompanhamento-surpresa o choro “Guaracy”, de Altamiro Carrilho. Onze flautistas alunos da 28.ª Oficina de Música de Curitiba foram responsáveis pelo feito, que fez parar dezenas de curiosos, atrasou pedidos de pratos e deu nova cara ao espaço por cerca de meia hora.
As “invasões” proporcionadas pelo evento, que começou há 20 dias e se encerra às 20h30 deste domingo com o show do violinista Antônio Nóbrega, no Teatro Guaíra, ocorreram por diversos espaços da cidade e foram o diferencial desta edição.
Onze flautistas tocam o “Guaracy”, de Altamiro Carrilho, no Shopping Estação
Quem também parou para ver os jovens músicos comandados pelo professor Antônio Rocha foi Cléia Araújo, que cuidava de seu filho no carrinho de bebê enquanto o marido Gilmar se equilibrava na ponta dos pés para fotografar. “Foi uma ótima surpresa”, disse a curitibana.
Durante a apresentação, era possível observar clientes virando as cadeiras e bandejas na direção dos músicos para acompanhar melhor o que viam e ouviam; e crianças dançando à sua maneira ao redor do grupo de flautistas, já à vontade.
“O clima fica ótimo. Isso atraiu a atenção das pessoas”, comenta a analista de marketing do shopping, Ellen Winiarski, também com sua máquina fotográfica em punho.
E, além dos chorinhos da hora do almoço – obras de Pedro Gaudino e Pixinguinha também foram “servidas” no Estação –, houve despachos ao som de Mozart no saguão da prefeitura municipal, no último dia 20. Comandados pelo trompetista francês Pierre Dutot, cerca de 15 músicos tocaram obras eruditas por 40 minutos. Funcionários largaram carimbos e notas para aplaudir. E até o prefeito Beto Richa apareceu.
E, quem diria, cerca de 120 idosos da comunidade nipônica se depararam com músicas brasileiras no último dia 24, tocadas ao som de cavaquinho e violão. O concerto de Julião Boêmio e Vinícius Chamorro ocorreu no Clube Nikkei, no bairro Uberaba.
“Contamos as histórias das músicas, o que foi engraçado. Os japoneses aplaudiram de pé, se divertiram e depois nos convidaram para almoçar comidas típicas”, disse Julião, também professor da oficina. Os idosos da casa de repouso Valdemiro Darem também se encontraram com a música. Desta vez a erudita, que saiu das flautas de alunos do evento no último dia 20.
Música na lanchonete
Até quando não acontece em sua forma tradicional, seja em concertos ou em salas de aula, o evento é celebrado. Tome o caso de Vanessa Silva, há quatro meses funcionária da lanchonete da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) – o “quartel-general” da oficina. Vanessa comemora as reuniões improvisadas de músicos no local, que deixam mais agradável seu lavar diário de copos e pratos. “Agora há pouco, tinha um pessoal com sanfonas aqui!”, vibra a curitibana, usando luvas amarelas. Sem medo, ela revela o contraste entre os alunos de Ciências Exatas que comumente frequentam o espaço e estes de agora, que circulam com instrumentos às costas e músicas na cabeça. “Os de sempre têm cara fechada e não conversam. Agora, o clima é outro.”
Clima propício também encontrou o artista plástico Marco de Curitiba. O curitibano aproveitou a oficina para divulgar seu material de trabalho: camisetas com motivos musicais. “Essa minha ligação com a música foi o que me estimulou a criar mais”, diz o artista, que há 20 anos acompanha os passos da oficina. E até chegou a fazer aulas de coral, certa vez. “Não sou leigo, não”, avisa. Parece mesmo que ninguém é leigo em música em Curitiba no mês de janeiro.
Números
Confira alguns números da 28ª Oficina de Música de Curitiba
- Alunos participantes da fase de música antiga e erudita: 476
- Alunos participantes da fase de MPB: 886
Total: 1.362
- Professores de música antiga e erudita: 50
- Professores de MPB: 34
Total: 84
Cursos e oficinas: 89
Locais de eventos oficiais: 5 (Paço da Liberdade, UTFPR, Capela Santa Maria, Sesc da Esquina e Canal da Música)
Público
Evento atrai 150 estrangeiros
Cento e cinquenta é o número de estrangeiros que participaram da 28ª Oficina de Música. Grande parte – cerca de 130 – é formada por argentinos, como o violinista Demian Pais, que participou do evento pela primeira vez.
“É ótimo, porque há grandes concertos a preços acessíveis”, diz o portenho, que saiu de sua roda de tango – havia mais um violoncelista e um violonista – para conversar com a reportagem.
E na oficina é assim: se vai do tango ao choro em alguns passos. Sentado com seu violino ao chão estava Sebastian Luna, também argentino. Completamente cego desde 2001, devido a uma doença congênita, o músico ressalta a cidade e a troca de experiências proporcionada pelo evento.
“Estou tendo aulas de choro, adoro a música brasileira típica e lá fora é muito difícil conseguir informações sobre ela”, conta, antes de ser interrompido por uma amiga que fez há dois anos, quando veio para a oficina pela primeira vez.
“É você, Sebastian?”
Assim como seu conterrâneo, Luna está hospedado na Celu – Casa do Estudante Universitário de Curitiba.
E o choro parece que foi a grande atração para os estrangeiros neste ano. Os uruguaios Federico Costa e Fernando Luzardo, estreantes na oficina, estão em um dos quatro grupos que promovem o gênero em Montevidéu, capital uruguaia. “Ainda não posso processar tudo o que acontece aqui”, diz Luzardo. “Gosto da melodia, da complexidade melódica, da riqueza do estilo e, o melhor, é que se pode dançar”, complementa Costa. Ambos estão hospedados em casa de amigos, em Curitiba. A cidade, para eles, é “mui hermosa”, apesar da quantidade de chuva “incrível” que impede que mais programas sejam feitos durante o tempo em que não estão às voltas com partituras e instrumentos.
Cristiano Castilho
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