terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Pelo menos seis dos 33 'órfãos' haitianos que seriam 'resgatados' por americanos têm pais


RIO - No último sábado, 10 americanos que integram a organização chamada "New Life Children's Shelter" foram interceptados pela polícia haitiana, na fronteira com a República Dominicana, quando tentavam deixar o país com 33 crianças, supostamente órfãos haitianos. A polícia deteve os 10 sob a acusação de participar de uma rede de adoção ilegal e levou as crianças para a casa da organização S.O.S. Childrens na cidade de Santo, cerca de 30 quilômetros de Porto Príncipe. Mas o fim da história ainda está longe. E não está claro se será feliz, como mostra reportagem publicada nesta terça-feira pelo 'El País'.
- As crianças chegaram aqui exaustas. Algumas doentes. Um bebê de dois meses apresentava quase 40 graus de febre. Outras choravam copiosamente chamando por seus pais - contou Edgar Orantes, Coordenador de Emergência da organização.
Uma dessas crianças era uma menina de oito anos que não parava de chorar e pedir para falar com a mãe. Como ela sabia o telefone de casa, os assistentes sociais entraram em contato. E descobriram que a mesma acreditava ter mandado a filha "em férias" para a República Dominicana, a fim de salvá-la da miséria decorrente do terremoto. A mãe da menina apresentou à polícia e aos funcionários da ONG uma carta da organização, que prometia uma nova vida para a sua filha:
"Nós temos um belo lugar para viver com um campo de futebol, piscina, muito perto do mar. Temos a autorização do governo para levar crianças e bebês de até 10 anos, para estes orfanatos na República Dominicana. Parentes e amigos podem visitar e ver o funcionamento no nosso site...".
- A polícia nos disse extra-oficialmente que esta organização pretendia cobrar até US$ 10 mil por adoção. Um de nossos colaboradores haitianos, de 25 anos, começou a chorar quando viu as crianças chegando. Depois, ficamos sabendo que ele teve um irmão sequestrado nas mesmas circunstâncias há alguns anos.
No site, que já foi bloqueado, a organização alegava que estava "em processo" de compra de terrenos para construir um orfanato, uma escola e uma igreja na cidade dominicana de Magante. Enquanto o processo era concluído, eles alegavam ter alugado 45 quartos em um hotel na cidade dominicana de Cabarete, a fim de torná-lo um orfanato. Qualquer pessoa familiarizada com o campo de adoções no Haiti sabe que o processo envolve normalmente um ano e meio. Mas os americanos, ligado a uma igreja batista do estado de Idaho, conseguiram encurtar o prazo de forma sem precedentes. Com a colaboração de alguns pais.
Desde sábado, outras cinco crianças foram procuradas por supostos pais zelosos; Mas, por enquanto, o reencontro com as famílias está descartado. Elas permanecerão sob a tutela do governo e amparadas pela ONG, divididos em casas onde são cuidados por mulheres que cumprem a função de mãe. Essa mulher descansa um dia na semana, quando uma 'tia' a substitui.
- Temos que descobrir porque os supostos pais biológicos dessas crianças as deixaram ir. Esta investigação está a cargo do Instituto de Bem-Estar Infantil haitiano - disse Orantes. - Pode ser que eles cheguem a conclusão de que algumas destas crianças não estão seguras nas mãos de seus pais biológicos. Alguns que não inspiram nenhuma confiança.
As autoridades haitianas interrogaram nesta segunda-feira os missionários americanos detidos tentando cruzar a fronteira com a República Dominicana em um ônibus com 33 crianças sem documentação. O grupo detido nega as acusações de tráfico infantil e diz que estava tentando ajudar órfãos vulneráveis a fugir das terríveis condições deixadas pelo terremoto de 12 de janeiro.
- Nós tivemos a permissão do Governo da República Dominicana para levar as crianças para um orfanato que temos lá (... ). Um ministro batista haitiano cujo orfanato ruiu nos pediu para levar essas crianças para a República Dominicana. Eu estava voltando para tratar da papelada. Nós somos acusados de tráfico de crianças. É algo que eu nunca faria.
O governo haitiano não acredita na boa intenção do grupo.
- Isto é roubo, não uma adoção. Nenhuma criança pode deixar o Haiti sem a devida autorização e essas pessoas não tinham autorização - disse o ministro haitiano do Trabalho e Assuntos Sociais, Yves Christalin.
Antes que a situação seja esclarecida e resolvida, as 33 crianças vão conviver por semanas ou mesmo meses com as que já viviam na ONG e as que chegaram após o terremoto de 12 de janeiro.
- Para os próximos dias, esperamos cerca de 300 pessoas. Vamos levantar a ficha delas e tentar entrar em contato com suas famílias. O ideal é que retornem a suas famílias, se tiverem. O que não se pode fazer é tirar proveito de sua pobreza para arrancá-los de seu ambiente, sob o pretexto de lhes oferecer uma vida melhor - disse Orantes


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