terça-feira, 24 de novembro de 2009

Mamografia: ninguém me convence a esperar até os 50


A partir de que idade as mulheres devem começar a fazer mamografia? Aos 40 ou aos 50? Essa é uma das grandes controvérsias recentes da medicina. Na última década, foram divulgados vários estudos e recomendações conflitantes. Nos últimos dias, a discussão recomeçou. Os especialistas debateram. E, como sempre, as mulheres ficaram sem saber em quem acreditar.
A confusão começou quando um painel de especialistas em prevenção que faz recomendações ao governo americano divulgou uma nova diretriz. Segundo o grupo, mulheres que não pertencem ao grupo de risco (sem histórico familiar de câncer de mama, exposição repetida à radiação ou mutação genética específica) devem começar a fazer mamografia a partir dos 50 anos e repeti-la a cada dois anos. A recomendação atual é fazer o exame anualmente a partir dos 40.
O painel concluiu que nos Estados Unidos há excesso de exames. Isso significa desperdício de dinheiro e pouco benefício. Os especialistas reconhecem que a mamografia salva vidas de mulheres na faixa dos 40 anos. Mas, nesse grupo etário, o custo-benefício é pouco favorável. Nos Estados Unidos, uma morte é evitada a cada 1.904 mulheres que fazem mamografia dos 40 aos 49 anos. O resultado é um pouco melhor no grupo de 50 a 59 anos: uma morte é evitada a cada 1.339 pacientes. O benefício se torna inequívoco na faixa de 60 a 69 anos: uma morte é evitada a cada 377 pacientes submetidas ao exame.
A mudança proposta nos Estados Unidos visa combater o excesso de exames, biópsias e tratamento desnecessários. A justificativa: quando o exame aponta algum sinal suspeito de tumor maligno, o médico pede uma biópsia. Muitas mulheres sofrem o desconforto e o stress de se submeter ao procedimento quando na verdade não têm câncer.
Em outros casos, o câncer é confirmado. A mulher enfrenta um tratamento agressivo (quimioterapia e radioterapia) para conter a doença. Acontece que alguns tumores crescem tão lentamente que – mesmo sem serem combatidos – não matam. Ou seja: a mulher morre de outra causa antes que o tumor tenha tempo de causar danos.
Tudo isso pode realmente ocorrer. Mas o que você prefere? Fazer mamografia a partir dos 40 anos e correr o risco de enfrentar uma biópsia desnecessária ou deixar para fazer o exame apenas depois dos 50 e perder a chance de descobrir o câncer numa fase inicial?
Não tenho dúvidas de que prefiro estar no primeiro grupo. Ninguém me convence a esperar até os 50. Fiz minha primeira mamografia neste ano, aos 39. Sabia que seria um exame desagradável. Descobri que é bem pior do que imaginava. O exame dói. Muito. Muito mesmo. A máquina deixou uma marca no meu peito. Meus seios ficaram doloridos durante dois dias.
O mamógrafo lembra um rolo compressor. Enquanto eu estava presa ali, com o seio esmagado pela máquina, pensei que aquilo só poderia ser uma invenção masculina. Estava certa. Foi ideia de um médico alemão. Tentava imaginar como esse homem se sentiria se tivesse que passar por um exame baseado no esmagamento de seus testículos. Foi um pensamento imbecil, mas justificável.
Aguentei firme e calada porque acredito no benefício da mamografia. Esse primeiro exame, feito antes dos 40 anos, é um registro do tecido normal das minhas mamas. É uma espécie de fotografia que vai nortear todas as avaliações futuras. O radiologista e o ginecologista já sabem qual é o padrão do meu tecido mamário. Ao comparar esse padrão com as imagens reveladas pelas próximas mamografias, poderão identificar qualquer anormalidade.
A partir de 2010, quando completo 40 anos, vou fazer mamografia anualmente. Essa continua sendo a recomendação da Sociedade Brasileira de Mastologia. A polêmica americana não alterou em nada a orientação dos especialistas no país. Conversei sobre isso com a mastologista Fabiana Baroni Makdissi, do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo.
O hospital recomenda que as mulheres façam a primeira mamografia entre os 35 e os 40 anos, apenas para servir de comparação no futuro. Depois dos 40, o exame deve ser anual. Graças à detecção precoce e ao tratamento adequado, o hospital consegue curar 78% das pacientes.
Fabiana lembra que o acesso das brasileiras à mamografia é muito pior do que nos Estados Unidos. “O Brasil ainda não consegue oferecer o exame a todas as mulheres que precisam dele”, diz Fabiana. “Quando isso acontecer, poderemos discutir qual é o intervalo ideal entre um exame e outro”, afirma.
O acesso é muito irregular no país. A cobertura de mamografia (índice de mulheres que conseguem fazer o exame em relação ao universo que deveria ser atendido) nos Estados brasileiros varia de 23% a 60%, segundo a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama).
Desde 2003, o Instituto Nacional do Câncer recomenda que o exame seja feito a partir dos 50 anos. Mas uma lei sancionada pelo presidente Lula no ano passado garante que toda mulher a partir de 40 anos possa fazer uma mamografia a cada ano pelo SUS.
A verdade é que o Brasil não consegue oferecer o exame a todas as mulheres a partir dos 40 anos. E sequer a todas as mulheres a partir de 50 anos. Não faz sentido, neste momento, importar as restrições americanas ao exame. Até porque a questão está longe de atingir um consenso nos Estados Unidos. A Sociedade Americana de Câncer, por exemplo, informa que vai continuar recomendando que o exame seja feito anualmente a partir dos 40 anos.
Os críticos do painel de especialistas americanos dizem que a decisão pode ter sido influenciada por razões econômicas no momento em que o governo Obama discute a reforma da saúde nos Estados Unidos e gastos precisam ser cortados. Em alguns momentos da história recente, o debate sobre mamografia misturou ciência e política, como lembra o jornal The Washington Post.
A polêmica americana tem pouco a ver com o Brasil. Se você tem acesso a mamografia, faça o exame anualmente a partir dos 40 anos. Encare esse fato como um privilégio porque, infelizmente, muitas brasileiras não têm essa oportunidade. Quando o tumor é descoberto já está tão grande que a mamografia se torna desnecessária. Das cerca de 50 mil brasileiras que receberão o dignóstico de câncer de mama neste ano, 25% não sobreviverão. Qual a razão de tantas mortes? Há várias. Uma delas é que o Brasil tem falta de mamografia – não excesso.

CRISTIANE SEGATTO


Época

Um comentário:

  1. Nem a mim, Cristiane!
    Essa nova onda americana, não é sequer a primeira vez que acontece e não será a última. Já na década de 1940, aprontavam coisas desse tipo ao sabor das políticas do momento, Nessa época, dizia-se que a participação feminina era fundamental para o desenvolvimento da economia e etc, que as crianças poderiam muito bem ser educadas nas creches, era o apogeu de um cientista de nome John Bolby, psicólogo a serviço do governo. Assim que a guerra acabou e os homens retornaram dos campos de combate, encontraram seus empregos tomados pelas mulheres, que haviam comprado a idéia de Bolby. Não deu outra: o cientista voltou atrás e desdisse toda sua teoria, com a desculpa de que nessa década a violência urbana tinha aumentado significativamente em função da ausência das mães (e pais), na educação doméstica. Lugar de mulher agora, era dentro de casa, pois os maridos precisavem dos postos nas fábricas.
    A mesma coisa acontece agora, depois da reforma na Saúde americana, mamografia, só depois dos cinquenta, Papa Nicolau pelo menos uma vez ao ano? Nem pensar, não precisa tanto.
    Contrariando Camões, mudance os tempos, as vontades permanecem as mesmas.

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