Sem medo que digam que estou me aproveitando do saber de outrem ou que eu estou plagiando, vou colocar hoje, aqui, um conto da escritora Heloisa Seixas. Esse conto foi publicado no Jornal do Brasil de 10 de setembro de 2000, no caderno Contos Mínimos. Era um caderno antigo do JB que eu costumava ler e cuja folha mantive nos meus "guardados" (Nossa! Que antigo!). Seu título, “Os Filhos do sim”. Acho muito pertinente levar Você, interessado em assuntos sobre crianças e adolescentes, a uma reflexão.
Está se falando demais em compulsão. São dadas outras nomenclaturas, mas na verdade, todas essas histórias de patologias em torno de alimentação, dependência das drogas ilícitas e alcoolismo e o uso excessivo da WEB têm sua base na estrutura compulsiva da personalidade de algumas pessoas.
A influência do meio é constituinte do modo de ser (humano) e aí entra especialmente a influência da família. Claro que essa influência não é determinante, mas o constitui. As neurociências muitas vezes discordam disso, mas o fato é que a subjetividade humana tem essa complexidade. A minha pergunta para os neurocientistas é sempre: é o corpo físico que gera problemas psíquicos ou o contrário? São as disfunções nos neurotransmissores que levam a alterações comportamentais ou é o inverso? “O que veio primeiro o ovo ou a galinha?”
Esse conto da Heloisa Seixas vai levar você a uma reflexão sobre a questão da mudança de comportamento na relação pais e filhos nos últimos tempos contemporâneos; nos tempos pós-repressão.
“Os Filhos do sim"
A mulher estava sentada lendo um livro, na sala, quando ouviu o grito da filha. Depois, um estrondo de porta batendo. Murmúrios, passos. E a mocinha apareceu na sala, com uma expressão terrível no rosto. Tinha acabado de se pesar na balança do banheiro. Engordara um quilo. “Um quilo!”, dizia, aos gritos, a ponto de a mãe pedir que baixasse a voz, por causa dos vizinhos.
E a menina saiu da sala, com o rosto amarrado. Pouco depois, entrou o filho. Suando, chegava da academia. Tinha, também, um ar atormentado. Entrou, cumprimentou a mãe e desapareceu a caminho do chuveiro, parecendo imensamente cansado. E a mulher ficou outra vez sozinha na sala, pensando. Fechou o livro e levantou-se, caminhando até a janela. Pensava no sofrimento dos jovens de hoje.
Filhos e filhas daqueles que fizeram a revolução da contracultura – dos hippies, loucos, guerrilheiros – esses jovens poucas vezes ouvem um NÃO na vida. É uma geração para a qual quase nada é proibido. Os pais de agora, que foram jovens nos anos loucos, têm enorme dificuldade em impor disciplina. Deixam os filhos fazer tudo. Chegar tarde, sair durante a semana, trancar-se no quarto e dormir com a namorada ou o namorado – tudo.
Talvez isso tenha criado um vazio na vida desses rapazes e moças, refletiu a mulher, olhando as luzes da rua. Os jovens de hoje formam uma geração que pode tudo. Com acesso livre a todas as informações, têm, diante de si, enorme variedade de ofertas de consumo.... Biscoitos, por exemplo, pensou a mulher. No tempo dela, só havia dois ou três tipos de biscoito doce. Hoje, em qualquer lojinha de posto de gasolina, há prateleiras inteiras de biscoitos de todos os tipos, recheados ou não, com chocolate amargo ou de leite, com nozes ou passas, tudo. Biscoitos demais. Mas, para quê? Inútil paisagem. Não se pode comer! E quem proíbe? São eles mesmos, os jovens.
Eles mesmos inventam aquilo que não se pode fazer. Precisaram criar suas próprias impossibilidades – talvez pelo excesso de vezes em que ouviram um SIM dos pais. Porque o ser humano precisa do proibido. Então agora é proibido comer, é proibido não ter músculos, é proibido ser feio, é proibido envelhecer. O padrão de beleza vigente é irreal. Parece ter sido criado apenas para fazer sofrer – pois é inalcançável. Qualquer mocinha que não viva à base de alface e água – a não ser as que, por natureza, tenham a sorte de ser excessivamente magra – vai se olhar no espelho e chorar porque não tem aquele aspecto de campo de concentração que se vê nos anúncios de moda (incluindo os olhares, tão tristes).
É essa a vida dos jovens, hoje – concluiu a mulher, dando de ombros. Coitados. São os filhos do sim.”
Está se falando demais em compulsão. São dadas outras nomenclaturas, mas na verdade, todas essas histórias de patologias em torno de alimentação, dependência das drogas ilícitas e alcoolismo e o uso excessivo da WEB têm sua base na estrutura compulsiva da personalidade de algumas pessoas.
A influência do meio é constituinte do modo de ser (humano) e aí entra especialmente a influência da família. Claro que essa influência não é determinante, mas o constitui. As neurociências muitas vezes discordam disso, mas o fato é que a subjetividade humana tem essa complexidade. A minha pergunta para os neurocientistas é sempre: é o corpo físico que gera problemas psíquicos ou o contrário? São as disfunções nos neurotransmissores que levam a alterações comportamentais ou é o inverso? “O que veio primeiro o ovo ou a galinha?”
Esse conto da Heloisa Seixas vai levar você a uma reflexão sobre a questão da mudança de comportamento na relação pais e filhos nos últimos tempos contemporâneos; nos tempos pós-repressão.
“Os Filhos do sim"
A mulher estava sentada lendo um livro, na sala, quando ouviu o grito da filha. Depois, um estrondo de porta batendo. Murmúrios, passos. E a mocinha apareceu na sala, com uma expressão terrível no rosto. Tinha acabado de se pesar na balança do banheiro. Engordara um quilo. “Um quilo!”, dizia, aos gritos, a ponto de a mãe pedir que baixasse a voz, por causa dos vizinhos.
E a menina saiu da sala, com o rosto amarrado. Pouco depois, entrou o filho. Suando, chegava da academia. Tinha, também, um ar atormentado. Entrou, cumprimentou a mãe e desapareceu a caminho do chuveiro, parecendo imensamente cansado. E a mulher ficou outra vez sozinha na sala, pensando. Fechou o livro e levantou-se, caminhando até a janela. Pensava no sofrimento dos jovens de hoje.
Filhos e filhas daqueles que fizeram a revolução da contracultura – dos hippies, loucos, guerrilheiros – esses jovens poucas vezes ouvem um NÃO na vida. É uma geração para a qual quase nada é proibido. Os pais de agora, que foram jovens nos anos loucos, têm enorme dificuldade em impor disciplina. Deixam os filhos fazer tudo. Chegar tarde, sair durante a semana, trancar-se no quarto e dormir com a namorada ou o namorado – tudo.
Talvez isso tenha criado um vazio na vida desses rapazes e moças, refletiu a mulher, olhando as luzes da rua. Os jovens de hoje formam uma geração que pode tudo. Com acesso livre a todas as informações, têm, diante de si, enorme variedade de ofertas de consumo.... Biscoitos, por exemplo, pensou a mulher. No tempo dela, só havia dois ou três tipos de biscoito doce. Hoje, em qualquer lojinha de posto de gasolina, há prateleiras inteiras de biscoitos de todos os tipos, recheados ou não, com chocolate amargo ou de leite, com nozes ou passas, tudo. Biscoitos demais. Mas, para quê? Inútil paisagem. Não se pode comer! E quem proíbe? São eles mesmos, os jovens.
Eles mesmos inventam aquilo que não se pode fazer. Precisaram criar suas próprias impossibilidades – talvez pelo excesso de vezes em que ouviram um SIM dos pais. Porque o ser humano precisa do proibido. Então agora é proibido comer, é proibido não ter músculos, é proibido ser feio, é proibido envelhecer. O padrão de beleza vigente é irreal. Parece ter sido criado apenas para fazer sofrer – pois é inalcançável. Qualquer mocinha que não viva à base de alface e água – a não ser as que, por natureza, tenham a sorte de ser excessivamente magra – vai se olhar no espelho e chorar porque não tem aquele aspecto de campo de concentração que se vê nos anúncios de moda (incluindo os olhares, tão tristes).
É essa a vida dos jovens, hoje – concluiu a mulher, dando de ombros. Coitados. São os filhos do sim.”
Tania Melo
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