“O Governo trata a questão das crianças desaparecidas com descaso total. É uma vergonha”. A denúncia vem de Ivanise Esperidião da Silva, presidente da Associação Brasileira de Busca e Defesa a Crianças Desaparecidas (ABCD), popularmente conhecida como Mães da Sé.
Com sede em São Paulo, capital, a entidade fundada em 1996 é a maior do País na busca de pessoas desaparecidas. A ABCD conta com um cadastro de mais de 7,3 mil casos, tendo auxiliado no encontro de 2.022 pessoas (aproximadamente 25% do total de ocorrências).
Para Ivanise, que foi ouvida ontem pela reportagem de O Diário, o maior problema é a falta de um cadastro nacional de pessoas desaparecidas. A Secretaria dos Direitos Humanos, ligada à Presidência da República, dispõe de um site listando ocorrências, mas a presidente da ABCD diz que a página, além de não estar completa, é desatualizada.
Ivanise destaca a alteração de valores. “Se uma pessoa tem um carro roubado, ele vai parar num cadastro nacional. Por que com uma criança não é assim?”.
Os dados sobre crianças desaparecidas no Brasil são imprecisos. O único estudo numérico vem de pesquisa realizada há 10 anos, conduzida pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos, com apoio do Ministério da Justiça.
De acordo com esse levantamento, aproximadamente 200 mil pessoas desaparecem por ano no Brasil, e 20% desse contingente é formado por crianças. De lá para cá, nenhum estudo abrangendo todo o País foi realizado.
“Cada Estado tem seus próprios dados, que muitas vezes são desorganizados”, diz Ivanise. “Uma organização centralizada é uma coisa básica, que facilitaria muito na resolução de casos”.
Lentidão
A lentidão das investigações policiais também é um problema na visão da presidente da ABCD. Segundo ela, muitas vezes a investigação oficial de um caso está atrás da efetuada por entidades civis, que contam com muito menos recursos.
Perguntada pela reportagem se a busca das crianças desaparecidas feita pelo governo é deficiente, Ivanise responde com ironia amarga: “Se é que alguma busca é feita”.
E dá seu próprio caso como exemplo. Ela conta que só recentemente, quando recebeu um telefonema informando do suposto paradeiro da sua filha Fabiana, desaparecida desde 1996, e comunicou a informação à polícia, é que descobriu que o caso já havia sido arquivado, à sua revelia. “É um completo desprezo”. Posteriormente, descobriu que a ligação era um trote.
Essas chamadas mal-intencionadas são outro fator problemático e constante enfrentado por quem busca desaparecidos. Ivanise informa que, nos 13 anos em que procura por sua filha, já sofreu com isso diversas vezes.
“Há duas semanas mesmo me ligaram dizendo que ela estava em Florianópolis”. A presidente da ABCD não consegue compreender a diversão de pessoas em explorar a dor alheia. “Espero que essas pessoas não sofram um dia o que eu sofro nos últimos 13 anos”.
Ivanise conta que seu relativo alívio vem de cada caso que sua entidade ajuda a solucionar. “É uma vitória. Ontem mesmo, por meio da divulgação de foto em um programa de TV, encontramos um garoto que estava desaparecido há 18 dias em Guarulhos”.
Enquanto auxilia outras famílias, Ivanise não perde a esperança de ter seu caso solucionado. “Casos como esse vão me fortalecendo e me dão a esperança de que um dia vai chegar a minha vez”.
A ABCD oferece, além do auxílio na resolução de casos, ajuda psicológica e jurídica para as famílias que buscam desaparecidos.
Paraná é exceção positiva
“Quisera todos os Estados do Brasil tivessem um serviço de busca de crianças desaparecidas como o Paraná”. A eficiência destacada por Ivanise Esperidião da Silva, presidente da Associação Brasileira de Busca e Defesa a Crianças Desaparecidas (ABCD) não vem de nenhuma técnica especial.
Ivanise lembra que as leis existem para ser cumpridas. Aprovada em 2 de janeiro de 2006, a Lei 11.259/06 prevê que toda delegacia, ao registrar uma ocorrência de criança ou adolescente desaparecido, deve começar uma busca imediata, além de acionar aeroportos, portos e terminais rodoviários.
Segundo Ivanise, além do Paraná, só Minas Gerais cumpre efetivamente a lei. “Os outros Estados ficam na base do ‘Ok, quando tivermos informações faremos contato’”.
A presidente da ABCD ressalta que a ação imediata é importante porque as primeiras horas são essenciais para o sucesso da busca da criança desaparecida, evitando, principalmente, a ocorrência de estupro seguido de morte. “Nesse sentido, o Paraná é modelo”, diz.
O governo paranaense dispõe de órgão especial para a busca de crianças desaparecidas, o Sicride (Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas).
Mesmo com a atuação destacada pela ABCD, ainda são 25 crianças desaparecidas no Estado, algumas há mais de 20 anos. O Sicride contabiliza as crianças que contavam com menos de 12 anos quando de seu desaparecimento.
O último caso registrado é o de Ariele Botelho, que desapareceu no dia 15 de maio na área rural de Lidianópolis. As buscas continuam. Informações sobre crianças desaparecidas no Paraná devem ser comunicadas às polícias Civil e/ou Militar e também podem ser passadas diretamente ao Sicride.
Internet ajuda (e atrapalha)
Mesmo servindo como agilizadora na comunicação, a internet também pode obstruir a busca de crianças desaparecidas. “Ajuda e também atrapalha”, resume Ivanise.
A presidente da ABCD, mesmo admitindo que crianças já foram encontradas por meio de informações difundidas pelo site da entidade, tem uma visão conservadora em relação aos benefícios da rede mundial de computadores em sua causa. Segundo ela, muitos apelos mal-intencionados ou com informações erradas e ultrapassadas são transmitidas pela internet.
O usuário da internet sabe que Ivanise tem razão. Ontem mesmo chegou às caixas de correspondência eletrônica da redação de O Diário um e-mail com apelo de suposta mãe (sem identificação nominal) de uma criança desaparecida no Rio de Janeiro.
A mensagem trazia foto de uma menina e um telefone para informações sobre seu paradeiro. A reportagem tentou contato, mas o número fornecido era inexistente.
A presidente da ABCD também destaca a existência de descompassos de informação no Orkut. “Lá o que mais tem é comunidade de crianças desaparecidas, mas muitas vezes ela já foram encontradas”.
Para Ivanise, o esforço mal-direcionado é muito contraproducente e pode ser prejudicial às famílias. “Deveriam processar quem divulga fotos sem autorização, mas geralmente as vítimas são famílias muito humildes”.
A responsabilidade é destacada como um fator necessário. A ABCD só divulga fotos de desaparecidos depois de efetuado um termo de parceria com asfamílias. “Entendo que muita gente só quer ajudar, mas é preciso muito cuidado para o resultado não ser contrário. Não dá para fazer de qualquer jeito”, diz a presidente da entidade paulistana.
O Diário
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