É cada vez mais comum ouvir histórias de assaltos presenciados por crianças. O trauma do susto pode virar paranóia para filhos e pais. Como aprender a administrar o medo?
De pronto, Júlia não sabe dizer quantas vezes foi assaltada, mas responde na hora quais foram as piores. A tentativa de roubo que terminou com seis tiros disparados contra o carro onde estava com a filha e a mãe e o sequestro relâmpago que viveu ao lado do filho e da babá. “Os dois tinham três anos quando aconteceu e tiveram a mesma reação. Ficaram calados. O choro veio em casa. Eu dirigia gritando, minha mãe me acalmando e ela calada.”Quatro anos depois, a filha faz terapia ocupacional e conversa com uma psicóloga duas vezes por mês. O tiroteio aconteceu em frente à casa da costureira de Júlia. Ela continua a frequentá-la, mas hoje liga antes de chegar e entra na garagem já aberta. Mesmo com a nova estratégia, a filha se recusa a ir até lá e fica com raiva da mãe quando sabe que ela vai. Três anos depois desse episódio, Júlia sofreu um seqüestro-relâmpago com o filho. Eram três assaltantes agressivos, cada um apontando uma arma para as vítimas, inclusive para o menino de três anos. “Ele fez ameaças o tempo todo. Gritava todos os nomes feios que você imaginar”, lembra Júlia. Ela mesma não consegue sublimar totalmente o terror de um novo assalto. No dia seguinte ao sequestro-relâmpago, foi novamente abordada num semáforo. Achou melhor procurar ajuda profissional para ela e as crianças. O filho também faz terapia ocupacional e tem acompanhamento de uma psicóloga. “Não quero amedrontá-los mais, só que às vezes não consigo disfarçar meu medo. Tento pensar positivo, mas sinto que eles ainda não se recuperaram”, diz Júlia. A aflição dela, em maior ou menor grau, é a de todos os pais. É cada vez mais comum ouvir relatos de situações violentas vivenciadas por crianças. As marcas que isso deixa em cada uma dependem, entre outras coisas, da reação do adulto, do comportamento do assaltante e da personalidade da criança. “Mas depois de uma situação traumática, a criança deve ser ouvida e observada”, diz Teresinha Elias, psicóloga especialista em educação infantil. Imediatamente após o trauma, a criança pode ter pesadelos e desenvolver pânico de situações que antes eram banais para ela. “Isso é absolutamente normal. Aos poucos ela volta a ter o mesmo espírito de sempre. Agora se isso se prolonga, os pais devem procurar ajuda.” Helena está pensando em levar o filho ao psicólogo. Há dois anos, o menino estava no banco de trás do carro quando o irmão e a namorada foram assaltados. “Ele viu tudo. Quando acabou, estava aos prantos, apavorado. Desde então, o trauma ficou”, conta Helena. O garoto continua assustado. Não vai sozinho até a mercearia ao lado do prédio. Na rua, segura a mãe toda vez que alguém lhe parece suspeito. Qualquer pedinte ou flanelinha é um potencial ladrão. “Tento fazê-lo entender que não é assim, que nem todo mundo é ladrão e que temos que aprender a conviver com o medo da violência. Queria que ele se acostumasse. Aos 10 anos, ele está chegando perto da adolescência, tem que se preparar para andar na rua e pegar um ônibus”, preocupa-se Helena. DICAS > Tente manter a calma para tranquilizar a criança. A reação dela é um reflexo da sua. > A atitude dos assaltantes também vai determinar o peso do trauma para a criança. Quanto mais agressivos, mais difícil é o depois. > Não se deve insistir se a criança resiste a andar de carro ou a passar no local do assalto. Dê tempo ao tempo. Por outro lado, os pais devem incentivar a criança a superar o trauma. > A princípio os pais têm toda condição de dar suporte ao filho. Se o medo começar a atrapalhar atividades diárias, aí sim é preciso buscar orientação de um especialista. > Conversar sobre o que aconteceu é a melhor saída para pais e filhos. Deixe que ela fale sobre o que sentiu, não minimize o medo ou a curiosidade dela, mas também não superestime. > É importante ressaltar que o que aconteceu não é a regra, é a exceção. Estar na rua ou passar por determinado local não significa ser assaltado. > É importante aproveitar as oportunidades para discutir a notícia que saiu no jornal ou o assalto que o coleguinha sofreu. As informações devem ser filtradas, mas refletidas para não serem mal interpretadas. >Ao mesmo tempo que se preocupam com o trauma dos filhos, os pais precisam lidar com as próprias fragilidades e medos. Os pais podem, dentro do limite das crianças, expor seus receios. RELATOS “Quando os dois entraram ele, ficou desesperado. Fiquei perto dele, acalmando. Ele dizia que queria ir para casa. Graças a Deus os assaltantes não eram agressivos. Hoje faz oito dias. Ele não tem tido pesadelos nem dificuldade de sair de casa, mas não esqueceu o que houve. Um dia desse, estava vendo um filme, se virou e disse: ‘ainda bem que não atiraram na gente, né mãe!?’” Numa quarta-feira, às 19 horas, mãe e filho sofreram um sequestro-relâmpago na rua Ildefonso Albano. Rodaram com os bandidos por uma hora. O menino tem seis anos. “Fiquei com medo que ela associasse à imagem de alguém pobre a um assaltante. Assim que passou tentei dar uma explicação mais social. Conversamos muito. Ela sempre se expressou em relação ao que sentiu na hora. Dizia que ela tinha razão de ter medo, mas que não podia achar que ia ser assaltada a toda hora. Acabava servindo para diminuir a minha tensão também”. Num sábado, às 11 horas, mãe e filha foram assaltadas num semáforo da avenida Leste Oeste. Na época, a criança tinha sete anos. “Coincidentemente, os dois tinham três anos quando passaram por isso. Minha filha hoje tem oito e se recusa a ir na costureira, onde fomos abordadas. Meu filho hoje tem quatro e relata o que aconteceu. Todo dia passamos em frente ao posto onde o assaltante entrou no nosso carro. Um dia desse ele disse: ‘Tomara que o Ronda mate aquele ladrão’. Todos nós fazemos terapia”. Fungindo de uma tentativa de assalto, mãe e filha viraram alvo de tiros. Três anos depois, a mãe sofreu um sequestro-relâmpago com o filho.
Fonte: O Povo Online
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