terça-feira, 18 de agosto de 2009

Escola pode identificar abusos



Os professores têm um importante papel no combate à violência sexual contra crianças e adolescentes. Eles podem perceber sinais de que há algo errado e oferecer ajuda

Aos 13 anos, Pâmela (*) vive uma adolescência complicada. Além das limitações impostas por uma deficiência, a menina foi vítima de abuso sexual dentro de casa. A situação só foi descoberta na escola.
Desde o começo do ano, Pâmela apresentava resistência em ir para casa, depois das aulas. A professora achou o comportamento estranho e, conversando com a aluna, descobriu que ela era molestada pelo padrasto.

A docente acionou a direção da escola, que, por sua vez, chamou o Conselho Tutelar. O caso está sob investigação, mas Pâmela já está sendo assistida. Ela, provavelmente, permaneceria sendo vítima de abusos, porém, se não fosse a sensibilidade da professora.
De acordo com o monitoramento do Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia), o Paraná recebe ao ano, em média, 1,5 mil denúncias de abuso sexual infantil. Segundo o último levantamento do órgão, de 2005 até metade de 2007, foram registrados 4.697 casos de abuso sexual contra crianças, sendo que 1.555 deles foram praticados por pessoas que fazem parte do convívio familiar.
Parte, fatalmente, têm impacto na escola. Em seis anos de trabalho no ensino fundamental, a professora de Pâmela, de 26 anos, já perdeu as contas de quantos casos de abuso sexual identificou entre seus alunos. De acordo com ela, uma criança vítima de abuso muda de comportamento e pode apresentar sinais físicos de violência. “No caso de Pâmela, ela apareceu várias vezes com hematomas nas pernas”, diz.
O projeto O Mundo de Dina, que está sendo lançado em Curitiba, aposta justamente na figura do professor e da escola como agentes da erradicação do abuso sexual infantil. De acordo com uma das idealizadoras do projeto Fabiana Silvestrini, pesquisas revelam que os professores são pessoas próximas, em quem as crianças depositam confiança. “Na maioria das vezes, a vítima fica quieta porque não encontra segurança e credibilidade”, diz.
Foi o que ocorreu com Juliana (*), 10 anos. Nem com a tentativa de aproximação da professora Carla (*), 46 anos, o silêncio foi rompido. A professora já vinha percebendo mudanças no comportamento da menina, mas foi durante uma festa junina do colégio que suas suspeitas aumentaram. “A forma como o pai da menina a segurou não era comum. Não era do jeito que um pai segura numa filha. Mas como um homem que toca numa mulher”, diz. A professora tentou levar o caso adiante, mas a família acabou retirando a menina da escola.
A psicóloga e doutora em educação especial Rachel de Faria Brino, autora do livro A escola como agente de prevenção ao abuso sexual infantil, explica que o educador não precisa ter a confirmação do abuso para acionar os órgãos de proteção, conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Quem faz a averiguação é o Conselho Tutelar que vai tomar medidas inclusive para afastar essa criança da pessoa agressora”, diz.
A psicóloga concluiu neste ano uma tese de doutorado na Universidade de São Carlos, onde pesquisou sobre a capacitação de professores no combate ao abuso sexual infantil. A pesquisa foi feita nas escolas municipais de São Carlos, interior do estado de São Paulo, e mostra que após a atualização sobre o assunto, a notificação de casos de abuso sexual em crianças dobrou no período de um ano. “Ainda falta muita informação sobre esse tema. E a escola também pode atuar multiplicando essas informações aos familiares”, diz.
O projeto também irá distribuir gratuitamente 3 mil exemplares do livro O mundo de Dina, impresso em tinta e braile (crianças com necessidades especiais são as mais suscetíveis a abusos), em escolas públicas e particulares. Em linguagem infanto-juvenil, o livro incentiva o diálogo entre a criança vítima de abuso sexual e um adulto de sua confiança.
(*) O nome dos entrevistados foi trocado para preservar suas identidades.



Gazeta do Povo

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