sábado, 22 de agosto de 2009

Rufianismo, favorecimento à prostituição de vulnerável e artigo 244 – a do ECA: os dilemas criados pela Lei 12.015/09



Por Eduardo Luiz Santos Cabette*

1- INTRODUÇÃO

Com o advento da Lei 12.015/09 renova-se toda uma celeuma referente a conflitos entre os crimes de rufianismo e favorecimento à prostituição. E essas dificuldades tornam-se cada vez maiores para o intérprete e aplicador do Direito, em face das inovações legais criadas pelos chamados “crimes sexuais contra vulnerável” e também seu conflito com o artigo 244 – A, ECA (Lei 8069/90). Neste trabalho se pretende analisar com a brevidade e a clareza possíveis esses novos problemas, apresentando algumas propostas iniciais de solução para uma melhor interpretação e aplicação da novel legislação.

2- UMA PRIMEIRA QUESTÃO: QUEM É “VULNERÁVEL”?

A Lei 12.015/09 cria uma figura jurídica que denomina de “vulnerável”, sem em qualquer momento definir em que consista tal designação. O intérprete, para compreender a que se refere a lei quando utiliza a palavra “vulnerável”, precisa perambular pelos diversos dispositivos à cata de elementos que possam orientá-lo no deslinde desse fabuloso mistério. Finalmente, após venturosa exploração, pode-se chegar à conclusão de que o legislador se refere àquelas pessoas que outrora ensejavam a chamada “presunção de violência”, nos termos do revogado artigo 224, “a” a “c”, CP. Seriam, portanto, os menores de 14 anos, os portadores de enfermidade ou deficiência mental que lhes retire o discernimento e a pessoa que, por qualquer outra causa, não possa ofertar resistência. A pista para tal conclusão encontra-se no artigo 217 – A, CP, que passa a tipificar o chamado “Estupro de vulnerável”, figura que abrange os antigos e agora revogados estupros e atentados violentos ao pudor com presunção de violência.
No entanto, no artigo 218-B, CP, a Lei 12.015/09 cria o crime de “favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável”. Nesse tipo penal incrimina o favorecimento à prostituição daqueles portadores de enfermidade ou deficiência mental que lhes retire o discernimento, ou seja, uma das espécies de pessoas vulneráveis de acordo com a legislação. Porém, quando vai tratar da vulnerabilidade etária, o artigo 218 – B incrimina não somente o favorecimento à prostituição dos menores de 14 anos, mas de todos os menores de 18 anos. Além disso, não prevê no dispositivo a figura da pessoa que, por qualquer outra causa, não pode ofertar resistência.
Percebe-se, portanto, que o legislador ao não dar uma definição segura do que seja “vulnerável” e tratar da matéria de forma dispersa não optou pela melhor técnica, ensejando uma grande confusão conceitual. Afinal, sob o aspecto etário, quem é o “vulnerável”, os menores de 14 anos ou todos os menores de 18 anos (artigo 217 – A X artigo 218 – B, CP)? As pessoas que não podem, por outras causas, que não a tenra idade ou enfermidade ou deficiência mental incapacitantes, ofertar resistência, são ou não “vulneráveis” (artigo 217 – A X artigo 218 – B, CP)? Teria havido um erro material na redação do artigo 218 – B quanto o legislador se refere aos menores de 18 anos, pretendendo, na verdade referir-se aos menores de 14 anos, de acordo com uma sistemática mais coerente?
Parece que a única certeza é mesmo a falta de técnica legislativa que mais uma vez caracteriza a redação dos dispositivos. Cabe novamente ao infeliz intérprete e aplicador do Direito realizar uma ginástica intelectual e jurídica para conseguir, de alguma forma, imprimir ordem ao caos.
Um caminho razoável pode ser o seguinte: entenda-se que o legislador quis realmente conferir o “status” de “vulnerável” aos antigos beneficiários da “presunção de violência”, nos termos do revogado artigo 224, “a” a “c”, CP, de acordo com o disposto no artigo 217 – A, CP. Esta seria uma definição mais genérica de “vulnerável” que se poderia extrair da lei. No entanto, no decorrer do diploma e de acordo com as peculiaridades de cada tipo penal, o legislador teria se utilizado de critérios diferenciados para a consideração de certos sujeitos passivos como “vulneráveis”, a exemplo do que ocorre no artigo 218 – B, CP, em que a vulnerabilidade etária é ampliada e excluída a vulnerabilidade pela incapacidade de resistência por outros motivos que não a idade ou a doença ou debilidade mental incapacitantes. Assim sendo, confere-se uma plasticidade à definição de “vulnerável”, a qual possibilita de alguma forma uma orientação para a interpretação da matéria. Frise-se, porém, que tal plasticidade certamente não é a melhor técnica, especialmente tratando-se de matéria penal, a qual exige extrema clareza semântica na terminologia empregada e deve ser avessa ao emprego de palavras ou expressões equívocas.
Aliás, conforme se verá mais adiante, principalmente no que tange ao confronto entre os artigos 228, § 1º., CP e 218 – B, CP, mesmo esse esforço de conciliação não parecerá suficiente para solucionar o intrincado conflito produzido pela falta de técnica e coerência legislativa.
Dessa maneira, talvez a melhor solução seja mesmo crer que o artigo 218 – B, CP, ao mencionar os menores de 18 anos tenha se referido, na verdade, aos menores de 18 anos que sejam também menores de 14 anos. Isso porque o tipo penal encontra-se incrustado no Capítulo que trata dos “crimes sexuais contra vulnerável”, sendo estes, no aspecto etário, apenas os menores de 14 anos. A dicção legal fazendo referência aos menores de 18 anos configuraria “erro material” do legislador.

*Eduardo Luiz Santos Cabette
Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós – graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia e Professor de Direito Penal, Processo Penal e Legislação Penal e Processual Penal na graduação e na pós – graduação da Unisal.
Fonte: Revista Jus Vigilantibus


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Leia também: Considerações sobre a Lei nº 12.015/09 que Altera o Código Penal

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