quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Juíza: lei é pouco para combater preconceito contra mulher


A Lei Maria da Penha é uma versão tímida das convenções e acordos internacionais que tratam dos direitos humanos. A declaração dos direitos humanos de 1948 defende o trato igualitário em uma condição mais ampla e combate o crime de gênero mesmo não tendo ocorrido em ambiente doméstico. Essa é a avaliação que a juíza Amini Haddad Campos, levou para as deputadas, no final do ano, no último evento realizado pela bancada feminina.
“Não é um resumo da violência de gênero, que tem ambiência maior que precisa ser tratada pela lei. Há necessidade de procedimentos para crimes contra a mulher que não seja no ambiente doméstico”, afirma a juíza que comanda a 5ª Vara Especializada de Família e Sucessões e é coordenadora de Direitos Humanos da Associação Mato-grossense de Magistrados.
Para ela, a cultura de exclusão da mulher, que se materializa em violência doméstica, salários menores e pequena participação na esfera política, entre outros casos, não vai ser resolvida apenas com legislação. “Por que depois de tanto tempo ainda estamos excluídas do poder? indaga, ela que vive a realidade da situação de desigualdade no Poder Judiciário, onde um maior número de mulheres é aprovado nos concursos da magistratura, mas não consegue promoção.
Para vencer o preconceito e criar uma situação de igualdade, o trabalho legislativo tem que permear o aspecto cultural. “Se não o fizermos, não vai adiantar lei, porque o preconceito está fundamentado na cultura de exclusão”, avalia a juíza.
Ela diz que dados das pesquisas sobre a questão de gênero revelam que entre 40 mulheres, uma consegue cargo de chefia, enquanto entre os homens, um em cada oito consegue cargo de chefia, embora as mulheres estejam mais bem preparadas intelectualmente. “Tem mulheres com pós-graduação que são secretárias de chefes que não tem sequer graduação”, afirma Amini Haddad.
A situação se repete no campo político, diz ela, destacando que apenas 10% do Parlamento é composto por mulheres e um número ainda menor exerce funções de poder no Executivo.
Segundo ela, poucos conhecem a razão dessa divisão. Teóricos como Platão e Aristóteles, citando apenas dois dos mais conhecidos, desenvolveram as maiores atrocidades para fundamentar a discriminação de gênero que ocorre até hoje.

Apoio religioso

Essas teorias, que são compartilhadas pelas diversas religiões, estão na Bíblia, no Alcorão, no Livro do Torá (dos judeus) etc. Ela mostrou fotos recentes, de novembro deste ano, de crianças de cinco anos casando com homens de 30 anos, no Oriente Médio. “O Alcorão legitima a pedofilia, o homem tem direito de manter relações sexuais com crianças de cinco anos, porque a base cultural é de total submissão das mulheres e apropriação da esfera feminina”, afirma a juíza.
Segundo ela, a teoria cultural vigente no mundo é de que a mulher é a origem de todo a maldade do mundo. O filósofo alemão Nietzsche achava que as mulheres são propriedades dos homens e até hoje persiste em nossa sociedade essa ideia, que se repete com o tráfico de mulheres, a virgindade de crianças que são leiloadas, diz Amini, citando alguns dos casos de violência contra as mulheres que não são tratados com a Lei Maria da Penha.

Educação errada

“É uma questão cultural que tem que estar nas escolas e nos livros logo na primeira etapa de vida das crianças”, sugere, lembrando que a educação coloca como exemplo de harmonia familiar ilustrações de homens vendo TV e as mulheres lavando louça. O caso citado ela tirou dos livros da escola dos filhos. Ela diz que alertou a filha pequena para o caso como a reprodução da violência de gênero.
Lavar louça, cuidar de filhos, cozinhar não são tarefas da mulher, é para qualquer um. É necessário compartilhar tarefas domésticas e o cuidado dos filhos, o que não representa humilhação para a esfera masculina. Disse a juíza à filha pequena e repetiu para as deputadas a lição.

Contribuição da mídia

A mídia também dá sua contribuição na reprodução da violência de gênero, diz ela, citando o caso das propagandas de material de limpeza, que são sempre interpretadas pelas mulheres, o que garante uma “naturalização” da ambiência. “Quando uma mulher sai candidata, a pessoa comum, que vê a ambientação da mulher lavando chão e cuidando dos filhos, não vai conseguir votar na mulher”, diz Amini, explicando que “sem perceber, ela cria estruturas mentais de exclusão da mulher.”
Ela atribui aos grandes teóricos os fundamentos de que o poder deve ser exercido no mundo masculino e da exclusão da mulher. Até chegar aos absurdos do filósofo alemão Theodor von Bischoff ter dito, para fundamentar a exclusão da mulher do domínio público, que o homem era mais inteligente por que o cérebro masculino pesa 1.350 gramas, enquanto o da mulher 1.250 gramas.
Durante toda a sua vida, baseou-se neste fato para apresentar a mulher como um ser com menores capacidades intelectuais. O desmentido da tese estava nele mesmo. Quando morreu, Bischoff doou o seu cérebro para pesquisa e quando foi pesado, pesou 1.245 gramas, menos que o cérebro de uma mulher.
Segundo a juíza, no mapeamento dos dois cérebros, foi detectado que o peso maior do cérebro masculino é devido ao maior número de músculos, que exige quantidade maior de comandos cerebrais para movê-los. Em compensação, existe uma superação de neurônios no cérebro feminino em 30%.
Ela fez questão de dizer que isso não significa superioridade de sexo, mas deve servir para vencer as atrocidades ridículas construídas secularmente. “Somos diferentes, mas isso não pode legitimar uma desigualdade”, alerta, do mesmo jeito que defende que a manutenção de uma cultura não deve ser justificativa para a prática do preconceito de gênero.


Portal Vermelho
Da sucursal de Brasília
Márcia Xavier

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