sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

A Vida do Meu Filho


Henrique chegou....Sean foi
Para seu quarto período de férias no Brasil desde que foi levado para a Austrália, Henrique chegou na noite do dia 22 e me foi entregue na manhã seguinte. Como de hábito, a vinda não ocorreu sem sustos. Desta vez, o casal partiu para a chantagem explícita.
No início de dezembro, o juiz da 4ª Vara de Família, o mesmo que deu sentenças favoráveis a mim ao longo do processo por entender claramente quem estava pensando no Henrique e quem estava pensando em vantagens pessoais, determinou a realização de uma nova perícia. A primeira, concluída em abril de 2006, foi acachapante no sentido de preservar os vínculos entre pai e filho, e deixou clara a impossibilidade de eles saírem do Brasil com Henrique por meios legítimos. Daí mudaram de advogado (trocaram o já barra-pesada escritório de Paulo Lins e Silva pelo inclassificável de Lauro Schuch) e encomendaram uma rota de fuga com direito àquela liminar criminosa.
Como quem deve teme, Roberta comunicou, através de um telefonema do seu advogado para o meu, que não viria se eu não assinasse um acordo definitivo. Explicando: com um acordo definitivo, estaria encerrado o provisório e, por tabela, todo o processo da 4ª Vara, incluindo a perícia. Ou seja, ela não ia correr o risco de submeter o Henrique a uma perícia sabendo que muitas das suas mentiras e omissões poderiam ser postas em xeque.
Pensei seriamente em bancar o durão, mantendo a perícia e o processo. No entanto, refletindo um pouco melhor, vi que deixaria de ver meu filho não só agora, mas talvez por muito tempo. Mãe e padrasto não têm relações afetivas aqui, não precisam vir ao Brasil, pois a prioridade dele é a profissão no exterior, e ela é só uma pochete vazia a ser carregada por aí enquanto o dono mantiver o interesse, sem ter profissão, fonte de renda (salvos os eventuais depósitos do pai) e ninguém que a queira por perto.
Decidi ceder (mais uma vez!), apenas não aceitando uma novidade que eles queriam enfiar no acordo e que deve florescer em 2010: a mudança de país. Não chega a ser uma baita surpresa. Além do que escrevi no parágrafo acima, o padrasto não consegue fincar raiz em lugar nenhum. Já morou no Rio, em São Paulo, Florianópolis, Washington, está na sua segunda passagem pela Austrália... Depois de mais de três anos, é hora de se mexer de novo.
A estratégia foi exatamente a mesma de 2005, quando ainda pensavam em mudar para os EUA: queriam que eu assinasse uma autorização de mudança de país sem me informarem onde Henrique viverá e com que projeto educacional e terapêutico. O padrasto, por causa de sua patologia e do consequente autoritarismo assinalado até por um juiz e um desembargador, não concebe que precise pedir licença a alguém para fazer algo. A mãe já não concebe mais nada, porque perdeu a capacidade de pensar e decidir, que nunca foi forte.
Não aceitei, mas sei que isto não deverá impedir a mudança. Roberta tem a guarda, e possivelmente me comunicará quando já estiver fora da Austrália. Disse a ela que não me oponho a priori, pois pode ser boa uma mudança para os Estados Unidos, por exemplo. Mas se o cara for tentar achar petróleo na Rússia ou estudar tsunami na Indonésia, não creio que seja legal para o Henrique. Como a prioridade não é mesmo meu filho, é possível que em breve já esteja ele tendo que lidar com uma terceira língua, uma nova cultura, novos terapeutas e professores, tudo diferente.
No primeiro dia em que esteve comigo, dia 23, Henrique chorou um pouco dentro do táxi. Era um choro de angústia provocado nitidamente (para mim, que o conheço) pelo cansaço de mais uma viagem absurda, por essa mudança de rotina a que ele é submetido com frequência. Chegando aqui em casa, relaxou. O fato de eu ter me mudado para um apartamento maior, com um quarto só para ele e um quintal onde foi montada uma pequena piscina, ajudou muito. E Gabriela, minha mulher, dá um suporte emocional e estrutural decisivo para que tudo dê certo. Ele tem se sentido bem.
Roberta me entregou os remédios que ele toma na Austrália e um que eu nunca soube que tomasse. Em janeiro passado, numa conversa entre mim, ela e uma das terapeutas brasileiras do Henrique, Roberta estranhou quando eu disse que tinha dado um remédio para que ele dormisse na viagem de avião (duram 20 horas as duas somadas: Perth-Joanesburgo e Joanesburgo-São Paulo; depois ainda tem a ponte aérea). Insistiu por mensagem durante o ano que eu revelasse o nome do remédio, o que eu fiz. Pois qual não foi a minha surpresa ao receber dela uma substância para “ajustar o fuso”! É a melatonina. Basta pesquisar no Google para ver que serve como indutor ao sono, especialmente para crianças. Não vejo nenhum problema em dar, mas por que tanta mentira, tanto eufemismo? São as patologias dessa gente. Felizmente, não precisei dar nenhuma vez. Ele começou dormindo por volta de 21h e acordando por volta de 6h. Agora está dormindo por volta de 22h e acordando por volta de 7h.
Como a doença de Roberta se manifesta na criação de um mundo de fantasias, é necessário que alguém diga umas verdades. Henrique tem fortes estereotipias, sim! Faz um “iiiiiiiiiiiii” com freqüência enquanto bate de leve com algum objeto no dorso da mão. Pode ficar horas sem fazer, mas também pode fazer por horas. O jeito é atrai-lo para outras atividades, embora haja momentos em que ele se recuse: diz “não!”, “para!”, “sai!”, e se nega a interagir.
Violento não tem sido, ao contrário do ano passado, quando teve reações agressivas. Mas nos primeiros dois dias chegou a se morder de leve no braço. Agora, já esqueceu disso. E quando está com muito sono e é contrariado, pode partir para cima do adulto com os punhos fechados para bater. Conversando com cuidado, ele para.
No geral, dá para dizer que Henrique está um pouco melhor. Um pouco mais concentrado, falando algumas palavras a mais, entendendo quase tudo o que é dito em português, e até cantarolando uma musiquinha em inglês (onomatopaicamente). Como é uma criança inteligente, está absorvendo coisas boas das aulas e das terapias. Tem dificuldade de discernir outras. Por exemplo: ensinaram que é obrigatório usar meias. Aí ele chega, no calor do verão carioca e vai de meias para praia. É o condicionamento passando do ponto.
Se acontecer de Henrique ficar na Austrália até a adolescência, é possível que avance mais. Infelizmente, não será verbal. Teria mais chances de ser (ainda que com vocabulário e prosódia precários) no Brasil, com uma língua só e mais afeto em volta. Mas nessa esfera do condicionamento, da obediência aos comandos e da comunicação prática, poderá melhorar. Se for para outro país, não dá para prever.
Essa melatonina que surgiu agora deixa uma dúvida: ela não será dada durante todo o ano sempre que Henrique está nervoso? Não sei nem nunca vão me dizer. Torço para que não, pois vejo a agressividade dele como controlável. Como é muito forte e está cada vez maior, poderá causar alguns problemas se tiver crises nervosas no futuro. Até lá, é possível que o padrasto já tenha decidido sedá-lo com mais frequência ou interná-lo. Aí será outra briga.
Encerrar o processo da 4ª Vara não significa que não haja mais o que fazer na Justiça. Novos capítulos poderão surgir. Mas é preciso deixar claro que optei desde o final de 2006 por priorizar o contato com o Henrique em detrimento da luta por uma improvável vitória. E aí chegamos ao caso Sean.
O filho de David Goldman foi, sem dúvida, sequestrado, segundo a classificação da Convenção de Haia. David poderia assinar um acordo de visitação, recuar, mas também poderia continuar, porque tinha como acreditar que um dia ganharia. Nós, brasileiros, tendemos mais aos acordos, aos jeitinhos. Americanos costumam achar que as leis devem ser cumpridas. David levou cinco anos para derrotar a influência nociva de Paulo Lins e Silva nas instâncias menores da Justiça brasileira e conseguir, só no Supremo Tribunal Federal, a guarda do filho.
Eu não poderia querer tanto. É claro que Henrique foi raptado também. Mas Lauro Schuch é um advogado de bandido, só que atuando nas Varas de Família. Montou com uma desembargadora um esquema que tornou lícita a fuga, graças a uma liminar. Na segunda instância, o meu recurso ficou convenientemente parado um ano, para que a situação fosse encarada depois como “fato consumado”. Não tive meios para trazer Henrique de volta, não pude acionar a Convenção de Haia. Não teria como recorrer a políticos, ministros e diplomatas, como fez David.
Poderia, sim, recorrer à imprensa, e tive ofertas neste sentido. Mas seria expor Henrique demais com uma possibilidade incerta de êxito. Talvez funcionasse como um alerta, para que outros pais tomassem cuidado, para que a desembargadora também ficasse exposta, para que a Justiça se sentisse pressionada, mas preferi não comprar essa briga. Também perderia o Henrique, pois o casal ficaria ainda mais acuado e, sendo vistos em rede nacional como bandidos, não voltaria mais. Preferi manter algum contato com meu filho.
Para bancar sua luta, David precisou fazer dinheiro, muito dinheiro. Não conheço todos os meios de que ele se valeu. Vender a volta com o filho para uma emissora de TV certamente não foi o mais bonito. A verdade é que Sean foi manipulado pelas duas partes, e precisará de tempo e paz (esperamos que o show midiático de David se encerre logo) para encontrar um caminho. Quando fizer 18 anos, poderá decidir o que quer fazer da vida adulta.
Quanto à ameaça de David de cobrar da família materna os custos judiciais, parece absurdo para nós, “homens cordiais”, que achamos que tudo se resolve no afeto e que, se ele conseguiu o filho de volta, tem que passar uma borracha no que houve e pensar no amanhã. Mas, voltando ao já dito, americano tem mania de ser legalista, preto-no-branco. E quem perde essas causas costuma arcar com, pelo menos, uma parte das despesas. Afinal, se a Convenção de Haia tivesse sido respeitada lá atrás, há cinco anos, David não precisaria ter gasto US$ 500 mil
.
Voltando ao Henrique, ele passou com a mãe o dia 25, está passando hoje e deverá ficar com ela apenas mais uma data até a volta, no dia 22. Normalmente ela fica mais dias, mas chegamos a um acordo que, no futuro, ainda poderá trazer alguns aborrecimentos. Em vez de eu levá-lo para a Austrália no dia 29, como estava previsto e já havia passagem comprada para tanto, ele vai com a mãe no dia 22. Em troca, eu ficarei quase o período de férias todo com ele. Achei válido, pois eu teria apenas mais uma semana com ele, depois faríamos aquela viagem cansativa (talvez sem melatonina) e eu teria poucos dias em Perth para tentar falar com a escola, já que a coordenadora e a professora, sem certeza de que ainda serão responsáveis pelo Henrique, não tiveram como marcar antecipadamente comigo.
O que acontecerá na próxima briga judicial é que Roberta dirá que eu abri mão de uma semana com meu filho. Esquecerá que ela abriu mão também de uma semana, mas em dias espalhados. Para ela, foi uma conquista, pois poderá tirar férias do Henrique e deixar só o filho “normal” com os avós (eles nunca souberam lidar bem com o autismo do neto, em especial a avó). Ainda chegou a sugerir que eu passasse o dia 31 com ele, possivelmente para aproveitar uma festinha de réveillon, mas aí achei que não era o caso de se mexer tanto no acordo.
Em resumo, continua tudo muito confuso e amargo. Eu tenho 30 dias por ano para reaprender a ser pai, lidar com minhas imperfeições e consolidar meus acertos, entender mais na prática o autismo, trocar afeto com Henrique, estabelecer limites... Quando a situação começa a ganhar alguma rotina, chega a hora de ir embora. Aí a pedra rola abaixo de novo. Só quem ganha com isso é quem não vê o bem do Henrique como a prioridade maior, pondo uma série de outras coisas na frente. Enquanto assim for, será difícil.
Mas vamos torcer para que 2010 traga boas notícias, neste e em campos afins. O horizonte não anda muito claro para saber o que farão com o Henrique, mas vamos torcer e, se necessário, brigar, inclusive na imprensa. Antes tarde do que nunca.


Luiz Fernando Viana

Blog A Vida do Meu Filho

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