sábado, 2 de janeiro de 2010

Anjos e Guerreiros no combate a Pedofilia


A menininha tem seis aninhos de idade. É linda (como toda criança), com seus cachinhos castanhos e as covinhas no rosto angelical. Mas aparenta timidez e tristeza, incompatíveis com sua habitual alegria, sempre demonstrada pelo risinho cristalino. Questionada pela mãe, a menininha se cala. Diante da insistência, acaba por falar:
– o tio disse que eu não posso contar a ninguém...
– contar o quê?
– nada...
Com muito carinho e, às vezes somente com ajuda profissional, a menininha finalmente revela que o “tio” (geralmente alguém próximo da família) dela abusou sexualmente. A criança se sente amedrontada e até pensa que tudo é culpa dela. Na verdade foi mais uma vítima de um predador sexual ou pedófilo criminoso.
Casos como este, e muito piores que este, infelizmente são muito mais comuns do que pensamos. A apuração é difícil, porque sempre envolvem constrangimento da vítima – que muitas vezes passa toda a vida sem revelar o abuso que sofreu – por vergonha ou por medo das habituais ameaças dos abusadores sexuais. Estima-se que menos de 10% dos abusos sexuais são relatados às autoridades. Hoje em dia a Pedofilia, principalmente na internet, movimento mais dinheiro que o tráfico de drogas (vide revista “Marie Claire”, edição de novembro/2008)
Ao participar das audiências e diligências da CPI da Pedofilia, instaurada em abril de 2008 no Senado Federal, e Presidida pelo Senador Magno Malta, verificamos por todo o Brasil casos gravíssimos de abuso sexual e violência contra a criança.

ALGUNS DOS CASOS
Em locais onde a pobreza e a falta de instrução imperam é comum vermos crianças vendidas para uso sexual de adultos depravados, mães que levam as filhas (crianças e adolescentes) à prostituição, agenciamento de crianças à partir dos cinco anos de idade para o prazer sexual de pedófilos criminosos, leilão de crianças e virgens em bordéis no interior da Amazônia, estrangeiros que vem ao Brasil para turismo sexual...
O famoso caso de Boa Vista, capital de Roraima, onde estivemos, revelou na televisão o filme feito pela Polícia Federal que mostrou o momento em que uma mulher (agenciadora de crianças) entregava na casa de um pedófilo criminoso duas meninas de seis anos de idade. Uma das meninas levava nas mãos um ursinho de pelúcia, triste marco de sua inocência roubada... O pedófilo foi preso e em seu poder foram apreendidas fotografias mostrando que tal fato era comum: crianças nuas e sendo abusadas por homens. As escutas telefônicas autorizadas pela Justiça mostraram que os criminosos negociavam a “compra” ou “aluguel” de crianças para o abuso, relatavam os atos nojentos que estes praticavam com as meninas, se referiam às virgens de onze anos de idade como “noivinhas”, além de mostrar toda sorte de depravações... A agenciadora foi presa e, em seu depoimento, relatou que também sofrera abuso sexual a partir do seis anos, depois se tornou prostituta e usuária de drogas, finalmente se tornou agenciadora: cafetina de crianças!
Mas este não é um caso isolado! Por todo o país vemos histórias de abuso sexual infantil: como a prostituição infantil nas praias do nordeste, no interior do Pará, em Goiás, no Rio Grande do Sul, nas estradas que cortam todos os Estados. Observamos famílias pobres que vendem suas filhas. Mães que agenciam as próprias filhas e filhos ainda crianças. Estupro de meninas na Paraíba. Etc.
Um dos casos mais horrendos vistos no âmbito da CPI aconteceu no estado do Espírito Santo: Uma menina de dois anos e meio de idade que era constantemente espancada e seviciada pelo próprio pai, uma das predileções do agressor era morder o corpo da filha. A menina foi mandada para um abrigo e o pai processado por tortura, mas fugiu da prisão preventiva decretada. Três meses após o abrigamento da menina, esta foi devolvida a casa. O pai/criminoso, que estava foragido, voltou e, poucos dias depois, matou a filha. Antes de matá-la, mais uma vez a estuprou, espancou, mordeu e terminou por introduzir um pedaço de cabo de vassoura no ânus da menina, causando ruptura e prolapso do intestino, que a levaram ao óbito.
Entretanto, o abuso sexual acontece em todas as classes, credos e níveis intelectuais: há casos em São Paulo de médicos que abusavam de pacientes, líderes religiosos que abusavam de fiéis, Pais-de-santo que usavam de sua posição para manter relação sexual com meninos e meninas, etc.
É notável o recente caso de Catanduva/SP, ainda em investigação. Um borracheiro e seu sobrinho abusaram de quase 50 meninos e meninas, havendo fortes indícios da participação de outras pessoas, inclusive de alto poder aquisitivo e posição social. As crianças sofriam abuso sexual e eram fotografadas e filmadas, além de submetidas a sessões de filmes pornográficos e a “apresentações” do abusador dançando nu. Uma das crianças já examinadas apresenta doença venera. Toda a cidade está traumatizada. Há notícia de que o abusador já preso tenha outros processos, pelo mesmo motivo, em Pernambuco e na cidade de Divisa/MG – locais onde residiu.
Também recentemente, em Alagoinha/PE, uma menina de 9 anos de idade foi submetida a um aborto, uma vez que sofria (há pelo menos 2 anos) abuso sexual por parte de seu padrasto e se encontrava grávida de gêmeos. O mesmo criminoso abusava da irmã mais velha, também criança... etc, e etc.
Em Minas Gerais não é diferente e observamos alguns casos emblemáticos:
Em Uberlândia o professor universitário que manteve relação sexual com a mãe e a filha de seis anos de idade ao mesmo tempo. A mãe não só permitia e participava, como fotografou tudo! Durante um ano e meio! As fotos e filmes são chocantes. Ambos os criminosos estão condenados e presos. A menina traumatizada pelo resto da vida.
Em Uberaba um chefe de cartório foi preso acusado de ter abusado sexualmente de mais de 25 meninos, todos em torno de dez anos de idade. Na sua casa foram encontradas mais de 200 fotografias pornográficas com menores e um quarto preparado para crianças. O pedófilo criminoso oferecia presentes aos meninos e conquistava a confiança das mães. Num único fim de semana, chegou a gastar mais de R$ 1 mil em roupas, calçados importados e até bicicletas. Os presentes eram uma forma de criar dependência nas crianças, a maioria de condição financeira precária. Recentemente o criminoso suicidou na prisão.
Na Comarca de Peçanha um padre aliciava meninos de dez anos e idade e com eles mantinha relação sexual sob ameaça. Em Itapecerica um homem de sessenta anos de idade pagava (com trocados e doces) a duas meninas de cinco e seis anos de idade para realizar sexo oral. Em Campo Belo um empresário recebia menina que era levada pela própria mãe... etc e etc.
Na Comarca de Divinópolis temos casos gravíssimos:
Um pedófilo criminoso mantinha relação sexual (estupro) com uma menina de seis anos de idade, além disso lhe dava cigarros e bebida alcoólica, filmando e fotografando tudo. O caso foi descoberto através das fotos e filmes esquecidos em uma câmera digital. O criminoso foi condenado. As fotos e filmes são escabrosos, mas uma das fotos – a menos explícita – foi capa da revista “Carta Capital”, quando da abertura da CPI da Pedofilia.
Ainda em Divinópolis temos o caso de um pedófilo criminoso que, durante vários anos, abusou de diversas meninas, suas sobrinhas. Começava a manter relação com uma menina por volta dos oito anos idade e a abandonava por volta dos treze anos. Então passava a abusar de sua irmã ou prima mais nova. O caso só foi descoberto quando uma das meninas, anos depois, já com dezoito anos, resolveu contar tudo. Desacreditada, suicidou. Somente após sua morte é que se descobriu que outras meninas (primas), também haviam sofrido abuso. Foi expedido mandado de prisão contra o abusador, mas ele se encontra foragido.
Além disso a prostituição infanto-juvenil não é mais novidade. Especialmente ligada ao tráfico de drogas: meninas de onze, doze anos de idade se vendem para comprar crack e maconha. Mães trocam filhas e filhos por droga.
Também existem os casos que ocorrem nas classes média e alta, que dificilmente chegam a apuração. Abafados pela própria família. Mais de uma vez fui procurado por pessoas já adultas que relataram abusos na infância e, ao que parece, nada mais queriam que desabafar, oprimidas pelo crime de que foram vítimas.
Em todo o Brasil o abuso sexual infantil não escolhe classe, credo, cor ou situação financeira ou nível de instrução. O abusador é covarde e usa todos os meios para praticar o crime.

INTERNET
Na internet a situação também é grave. Por todo o mundo têm surgido casos de crimes hediondos praticados através do uso nocivo da rede de computadores. A internet é um excelente instrumento e também é um meio de comunicação como qualquer outro (como a televisão, o rádio, os jornais, etc) e, portanto, pode ser usada para o bem e para o mal.
A maior parte do conteúdo da internet é bom, a rede é indispensável hoje em dia e saber lidar com ela é importantíssimo para a educação de crianças e adolescentes. Além disso, a internet também tem várias páginas que ajudam no combate ao crime e especialmente ao abuso sexual.
Infelizmente pedófilos criminosos viram na rede mundial de computadores uma ótima oportunidade de abordar duas vítimas em relativo anonimato e conseguir seu intento hediondo de abusar das crianças. Mas felizmente já existem técnicas eficazes de encontrar os mais experiente criminosos virtuais, por isso o anonimato da internet é relativo.
Mas cabe principalmente aos pais e responsáveis verificar as páginas e sites acessados por seus filhos, para que estes não sejam vítimas de crimes cibernéticos (entre eles o abuso sexual), assim como devem vigiar por onde seus filhos andam, com quem, fazendo o que... etc.
A CPI da Pedofilia conseguiu uma grande vitória no campo do combate ao abuso sexual na internet: Em maio quebrou o sigilo telemático de 3.261 páginas do Orkut, pertencente à Google. Tais páginas (profiles) apresentavam características de pedofilia e tinham as fotografias “trancadas”. Todas foram examinadas por nós e os casos em que o crime se confirmou (muitos!) estão em andamento no Brasil e no exterior, inclusive contribuíram para a operação Carrossel II, da Polícia Federal.
Foi a primeira vez no Brasil (e na América Latina) que a Google entregou os conteúdos denunciados. Há previsão da entrega do conteúdo de mais 18.000 profiles suspeitos e já foi firmado entre a empresa e o Ministério Público Federal acordo para melhorar (em muito) o combate aos delitos cibernéticos.
As fotos e vídeos obtidos do Orkut e de apreensões em computadores de pedófilos e já entregues à CPI são realmente monstruosas, nojentas e até inimagináveis para uma pessoa de bem. Abusos sexuais e violência de todo o tipo. É muito chocante, até para quem lida diariamente com o assunto, vislumbrar crianças – inclusive bebês recém nascidos!! – sendo estupradas e bolinadas.
Examinar estas fotos e filmes – já que fomos obrigados – nos causou revolta e indignação, além de asco e nojo. Uma das Promotoras de Justiça da CPI foi obrigada a se retirar porque sentiu náuseas e ânsia de vômito.
Por ocasião de nossa visita ao Presidente Lula, em junho de 2008, algumas das fotos e vídeos constantes do acervo da CPI lhe foram mostradas, quando este reagiu indignado, comprometendo-se a colaborar com a causa. De fato o Presidente o tem feito, emprestando sua imagem à campanha “Todos contra a Pedofilia” e dando celeridade às propostas legislativas da CPI: no dia 25 de novembro de 2008, durante a abertura do “III CONGRESSO MUNDIAL DE ENFRENTAMENTO DA EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES”, realizado no Rio de Janeiro, o Presidente da República sancionou a Lei 11.829/2008 (Contra a Pornografia Infantil), proposta pela CPI da Pedofilia.
Também através da CPI ocorreu grande avanço para a repressão aos crimes praticados através da internet (e não somente os ligados à pedofilia...), com a realização do TERMO DE MÚTUA COOPERAÇÃO, firmado com as prestadoras de serviços de telecomunicações, de provimento de acesso à internet e de serviços de conteúdo e interativos na internet (Comitê Gestor da Internet no Brasil, Telemar Norte Leste S/A, Brasil Telecom S/A, TIM Celular S/A). O ajuste, assinado em dezembro de 2008, garante a preservação e fornecimento de dados para investigações relativas à internet, estabelecendo prioridades, prazos e formas de fornecimento de tais informações.

LEGISLAÇÃO
Contra tais crimes, acima comentados, temos que nos unir. Combater o abuso sexual e os crimes de pedofilia é uma questão vital para nossa sociedade.

A criança e o adolescente são o que há de mais importante neste mundo, depois de Deus. Essa importância é evidente e tem suas bases, não somente em convicções religiosas, morais, éticas ou sociais, mas até mesmo biologicamente é preponderante o instinto de perpetuação da espécie, que gera a necessidade premente de reprodução e proteção da prole, ou seja, dos nossos filhos: de cada criança e cada adolescente. A Lei, como fruto da vontade do povo, no Estado Democrático de Direito – como no Brasil – não poderia estabelecer de forma diferente e por isso mesmo a Constituição Brasileira – nossa mais importante Lei – elegeu como a prioridade das prioridades o direito da criança e do adolescente.
Somente uma vez o termo “absoluta prioridade” foi utilizado na Carta Magna, e o foi no artigo 227 quando estabelece, entre os deveres e objetivos do Estado, juntamente com a sociedade e a família, assegurar a crianças e adolescentes os direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à dignidade e ao respeito, dentre outros. Garantir a observação dos direitos da infância e da adolescência é o único meio seguro e perene de garantir o progresso, a evolução e melhoria de vida para todas as pessoas. É investir no futuro.


É preciso que o Brasil se conscientize da necessidade de proteger nossas crianças.

É preciso que todos os direitos da criança e adolescente saiam do papel e venham para a realidade.


Este é o único caminho para um futuro melhor

Carlos José e Silva Fortes
Promotor de Justiça - Ministério Público de Minas Gerais


Chegadesofrercalado

Um comentário:

  1. Marisa Valentim Fernandes Castiho3 de janeiro de 2010 às 15:18

    Sou Conselheira Tutelar em Presidente Prudente -SP, que hoje conta com 2 Conselhos. Tenho acompanhado a sua luta em favor da criança e adolescente e gostaria de parabenizá-lo por este fantástico trabalho. Infelizmente o trabalho do Conselheiro Tutelar é tão desconhecido da própria população, mas é um dos poucos Órgãos onde a populaçao menos favorecida veem ser respeitadas e favorecidas nos seus direitos, por ser autônomo e independente, fazendo valer o ECA. Conte conosco em sua luta, pois juntos podemos sonhar com um Brasil mais justo, humano, cristão onde nossas crianças e adolescentes possam viver em paz.

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