O sexo é uma linguagem que ajuda os casais a permanecer em equilíbrio. Ou não.
Entre tantas outras coisas, sexo é uma linguagem, uma forma de comunicação. Os casais trocam emoções e sentimentos transando. É uma maneira de conversar, uma forma de discutir a relação.
Há os casais que transam depois de brigar. São reconciliadores. Há os casais que transam para festejar. Há os que têm tesão com grandes rompantes de carinho. Há o sexo depois de semanas de distância e de estranhamento – que tem a finalidade de aproximar. Há o sexo movido a ciúme e o sexo da confirmação dos sentimentos: você ainda me ama? Mostre! Há sexo até de despedida, ou sexo de encerramento. Lembro de uma amiga contando do dia em que passou transando com o namorado que ela não queria mais ver. Ela estava dando adeus e o rapaz não entendeu.
Tudo isso é muito bonito, mas eu queria falar da vida prática. Nela, a minha experiência sugere que a maioria das relações é desequilibrada: falta sexo ou faltam palavras. Poucos casais conseguem ser fluentes simultaneamente nas duas linguagens. E a ausência de qualquer uma delas deixa um enorme buraco.
Casais que falam muito e transam pouco vão ficando amargos e distantes. Perdem o contato emocional e com ele a cumplicidade. O carinho vai se esvaindo e aos poucos dá lugar a certa rispidez. Quem viveu esse processo conhece os sintomas de implicância e irritação com o outro. Subjetivamente, eu acho, a gente começa cobrar que a companheira ou companheiro não nos dá prazer – e impede, pela sua presença em nossa vida, que a gente saia atrás de alguém que nos dê. No final dessa situação de falta de sexo, até as palavras desaparecem. As pessoas deixam de conversar umas com as outras.
A falta de palavras é igualmente complicada. A afinidade da carne tem limites. O sexo renova o carinho e estreita os laços sentimentais, mas ele sozinho é incapaz de fornecer as outras mercadorias do afeto que as pessoas precisam trocar para ficar juntas: admiração, respeito, confiança, afinidade... Você, rapaz, quer casar com a melhor transa da sua vida sem outras qualidades? Você, mulher, vai ter filhos com o sujeito com quem se entende apenas na cama? É complicado.
Houve um tempo em que eu achava que todas as relações eram regidas por fatalidades. Com algumas pessoas se transava bem e se tinha um grau elevado (e delicioso) de atração física. Com outras havia um diálogo intenso, sedutor, uma afinidade de sentimentos que parecia insubstituível na sua imensa naturalidade. Essas duas qualidades – a do desejo físico e a do desejo intelectual – pareciam definitivas. E raramente andavam juntas. Não havia o que se pudesse fazer além de usufruir o tempo limitado de relação que cada uma delas fornecia isoladamente.
Hoje eu vejo as coisas de outra maneira. Não acredito que a vida nos traga pessoas prontas. As coisas em geral precisam ser batalhadas, com grau maior ou menor de esforço. Se existe uma relação erótica muito forte ou uma grande afinidade de sentimentos – aquela pessoa que você tem vontade de olhar nos olhos e conversar pelo resto da tarde – já existe um bom começo. O resto tem de ser desenvolvido.
Como se faz isso? Rompendo o ciclo de repetições, eu acho. Depois de algum tempo juntas, as pessoas tendem a repetir fórmulas – papéis, diria uma ex-psicóloga minha. Se o seu parceiro (ou amigo) tem a mania de bancar o professor e teoriza sem parar sobre a relação de vocês, mande-oele ficar quieto e diga que você quer um beijo na boca.
Se a sua namorada tenta arrastar você para a cama diante de qualquer ameaça de crise (e isso já não resolve mais a sua crise!) peça a ela que fique sentadinha e vestida no sofá – e conversem. Essas mudanças de papéis podem ter resultados positivos.
O essencial, eu acho, é dar a você mesmo, e ao outro, a possibilidade de mostrar outra faceta. A garota gostosa não precisa ser burra e o intelectual não precisa ser chato. Eles podem estar inconscientemente interpretando papéis. E só precisam de uma chance para mostrar talento em outra área. Acho que, assim como nas pessoas, nas relações sempre haverá um lado mais forte, preponderante. O que não quer dizer que o outro lado não possa existir, ou mesmo tornar-se importante.
Sendo franco, eu acho mais fácil transformar sexo em palavras do que palavras em sexo. Relações ancoradas em erotismo muito forte fornecem uma enorme base de boa vontade para outras afinidades. Encontrar o desejo em relações em que o sexo não tem um papel preponderante pode ser mais difícil.
Mas essa é uma percepção minha. Outras pessoas talvez sintam o contrário. Para muitos homens e mulheres o prazer do sexo talvez seja uma coisa tão fácil de encontrar que não constitua problema. Para esses, a dificuldade talvez esteja em construir relações de afinidade e confiança que vão para além do erotismo. Cada um é cada um, certo?
Da minha parte, fico contente por ter percebido a multiplicidade das linguagens. Ela dá mais flexibilidade a nossa vida afetiva. Se não está indo pela conversa, apague a luz e fale baixinho. Se um bom orgasmo não repõe as coisas no eixo, é hora de discutir a relação. Transar é conversar. E conversar às vezes pode ser elevado à categoria de prazer erótico.
Ivan Martins
Época
Entre tantas outras coisas, sexo é uma linguagem, uma forma de comunicação. Os casais trocam emoções e sentimentos transando. É uma maneira de conversar, uma forma de discutir a relação.
Há os casais que transam depois de brigar. São reconciliadores. Há os casais que transam para festejar. Há os que têm tesão com grandes rompantes de carinho. Há o sexo depois de semanas de distância e de estranhamento – que tem a finalidade de aproximar. Há o sexo movido a ciúme e o sexo da confirmação dos sentimentos: você ainda me ama? Mostre! Há sexo até de despedida, ou sexo de encerramento. Lembro de uma amiga contando do dia em que passou transando com o namorado que ela não queria mais ver. Ela estava dando adeus e o rapaz não entendeu.
Tudo isso é muito bonito, mas eu queria falar da vida prática. Nela, a minha experiência sugere que a maioria das relações é desequilibrada: falta sexo ou faltam palavras. Poucos casais conseguem ser fluentes simultaneamente nas duas linguagens. E a ausência de qualquer uma delas deixa um enorme buraco.
Casais que falam muito e transam pouco vão ficando amargos e distantes. Perdem o contato emocional e com ele a cumplicidade. O carinho vai se esvaindo e aos poucos dá lugar a certa rispidez. Quem viveu esse processo conhece os sintomas de implicância e irritação com o outro. Subjetivamente, eu acho, a gente começa cobrar que a companheira ou companheiro não nos dá prazer – e impede, pela sua presença em nossa vida, que a gente saia atrás de alguém que nos dê. No final dessa situação de falta de sexo, até as palavras desaparecem. As pessoas deixam de conversar umas com as outras.
A falta de palavras é igualmente complicada. A afinidade da carne tem limites. O sexo renova o carinho e estreita os laços sentimentais, mas ele sozinho é incapaz de fornecer as outras mercadorias do afeto que as pessoas precisam trocar para ficar juntas: admiração, respeito, confiança, afinidade... Você, rapaz, quer casar com a melhor transa da sua vida sem outras qualidades? Você, mulher, vai ter filhos com o sujeito com quem se entende apenas na cama? É complicado.
Houve um tempo em que eu achava que todas as relações eram regidas por fatalidades. Com algumas pessoas se transava bem e se tinha um grau elevado (e delicioso) de atração física. Com outras havia um diálogo intenso, sedutor, uma afinidade de sentimentos que parecia insubstituível na sua imensa naturalidade. Essas duas qualidades – a do desejo físico e a do desejo intelectual – pareciam definitivas. E raramente andavam juntas. Não havia o que se pudesse fazer além de usufruir o tempo limitado de relação que cada uma delas fornecia isoladamente.
Hoje eu vejo as coisas de outra maneira. Não acredito que a vida nos traga pessoas prontas. As coisas em geral precisam ser batalhadas, com grau maior ou menor de esforço. Se existe uma relação erótica muito forte ou uma grande afinidade de sentimentos – aquela pessoa que você tem vontade de olhar nos olhos e conversar pelo resto da tarde – já existe um bom começo. O resto tem de ser desenvolvido.
Como se faz isso? Rompendo o ciclo de repetições, eu acho. Depois de algum tempo juntas, as pessoas tendem a repetir fórmulas – papéis, diria uma ex-psicóloga minha. Se o seu parceiro (ou amigo) tem a mania de bancar o professor e teoriza sem parar sobre a relação de vocês, mande-oele ficar quieto e diga que você quer um beijo na boca.
Se a sua namorada tenta arrastar você para a cama diante de qualquer ameaça de crise (e isso já não resolve mais a sua crise!) peça a ela que fique sentadinha e vestida no sofá – e conversem. Essas mudanças de papéis podem ter resultados positivos.
O essencial, eu acho, é dar a você mesmo, e ao outro, a possibilidade de mostrar outra faceta. A garota gostosa não precisa ser burra e o intelectual não precisa ser chato. Eles podem estar inconscientemente interpretando papéis. E só precisam de uma chance para mostrar talento em outra área. Acho que, assim como nas pessoas, nas relações sempre haverá um lado mais forte, preponderante. O que não quer dizer que o outro lado não possa existir, ou mesmo tornar-se importante.
Sendo franco, eu acho mais fácil transformar sexo em palavras do que palavras em sexo. Relações ancoradas em erotismo muito forte fornecem uma enorme base de boa vontade para outras afinidades. Encontrar o desejo em relações em que o sexo não tem um papel preponderante pode ser mais difícil.
Mas essa é uma percepção minha. Outras pessoas talvez sintam o contrário. Para muitos homens e mulheres o prazer do sexo talvez seja uma coisa tão fácil de encontrar que não constitua problema. Para esses, a dificuldade talvez esteja em construir relações de afinidade e confiança que vão para além do erotismo. Cada um é cada um, certo?
Da minha parte, fico contente por ter percebido a multiplicidade das linguagens. Ela dá mais flexibilidade a nossa vida afetiva. Se não está indo pela conversa, apague a luz e fale baixinho. Se um bom orgasmo não repõe as coisas no eixo, é hora de discutir a relação. Transar é conversar. E conversar às vezes pode ser elevado à categoria de prazer erótico.
Ivan Martins
Época
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