domingo, 3 de janeiro de 2010

Problema desafia as autoridades: o aumento do número de menores de idade envolvidos em crimes generalizados


Adriana (E) e a mãe, Terezinha, com a foto de Alexandrina, morta à queima-roupa por menor que já está livre

A participação de menores em roubos, homicídios e latrocínios tem sido cada vez mais comum no Distrito Federal. Dados da Polícia Civil apontam que houve um aumento de 37%no número ocorrências registradas em 2008, comparado com o ano anterior. A quantidade de crianças e adolescentes de 12 a 17 anos envolvidos em homicídio, por exemplo, subiu 76%, saltando de 43 para 76 menores identificados como autores do crime. Os índices revelam dados ainda mais alarmantes. A atuação deles em roubo a comércio e a transporte coletivo apresentou aumento de 101% e 102%, respectivamente. Em 2007, foram 274 menores envolvidos em assaltos a mão armada em comércio e coletivos, contra 554 em 2008.
O levantamento obtido com exclusividade pelo Correio mostra que a maior incidência de infrações ocorre entre 16 e 17 anos. Nessa idade, o índice é de 65,31%, quase o dobro da faixa etária de 12 a 15 anos, que é de 33,92%. Em13 de junho de 2007, três adolescentes mataram a irmã de Adriana Barbosa da Silva, 31 anos. A comerciante Alexandrina Barbosa da Silva, 42 anos, estava trabalhando em sua locadora, na Quadra 23 da avenida principal do Paranoá, quando um deles anunciou o assalto. Segundo Adriana, o alarme disparou e isso teria provocado a ira dos menores. Um deles puxou Alexandrina para fora do estabelecimento e deu um tiro em sua cabeça, disparado a queima-roupa. O rapaz teria conseguido levar cerca de R$ 40 da locadora e foi detido no mesmo dia, mas não chegou a ficar um mês recolhido e, quando saiu, foi morto por um rival.
À época, a população do Paranoá organizou uma passeata em prol da paz. De acordo com Adriana, os outros dois envolvidos já estão soltos. "Tudo o que aconteceu me deixa revoltada. O tempo que eles ficaram na cadeia foi muito pouco para pagar pela morte de uma pessoa. Hoje em dia, quando vejo um menor suspeito, já fico assustada, porque eles sabem que vão ficar impunes", desabafou a irmã da vítima. Filha mais velha, era Alexandrina quem cuidava de toda a ornamentação das festas de fim de ano. "Ela deixava a casa cheia de cores. O que fizeram com a minha filha foi uma injustiça", disse a mãe, Terezinha Severino de Lima, 65 anos. As noites de sono foram perdidas desde a tragédia. "Outro dia, eu acordei ouvindo a voz dela. Abri a porta de casa e não vi ninguém. Minha filha era tudo para mim", contou, sem conseguir conter o choro.

Ressocialização


Para especialistas, a inexistência de políticas públicas voltadas para a geração de emprego e renda, investimentos em projetos sociais e incentivos à educação é um dos motivos que influenciam diretamente o saldo de jovens perdidos para o mundo do crime. Para se ter noção do que ocorre, dos R$ 450 mil destinados aos adolescentes em prestação de serviços à comunidade no DF, apenas R$ 62.023,75 (14% do valor original) foram empregados para atender 528 adolescentes em conflito com a lei encaixados no programa de ressocialização. Em relação às medidas de liberdade assistida, os recursos liberados pelo governo foram parcos R$ 778, sendo R$ 563,43 liquidados para atender cerca de 1,5 mil adolescentes. Os números, que também assustam pela precariedade, foram divulgados pelo Fórum de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal - FDCA DF .
Segundo Selma Sauerbronn, promotora da Infância e Adolescência do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), a criança e o adolescente não têm sido prioridade para gestores, conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (veja O que diz a lei). "A interferência do estado tem que ser a mais qualificada possível, mas hoje isso não acontece. No DF, nós temos problemas seriíssimos em relação aos centros de internação. As condições no Caje são subumanas. Enquanto não houver investimento por parte do governo, eles vão ter impressão de que não existe punição e o adolescente estará cada vez mais caminhando para o crime", avalia.
Por outro lado, a promotora acredita ser ainda muito cedo para dizer que houve um aumento efetivo na participação de menores em crimes. De acordo com sua avaliação, é importante levar em consideração a criação da Delegacia da Criança e do Adolescente II em Ceilândia e a inauguração da Vara de Infância e da Juventude em Samambaia. "A Polícia Civil estava trabalhando com uma demanda reprimida de dois anos. É possível que o ato infracional tenha sido cometido em data anterior e a polícia tenha chegado à autoria somente no outro ano em razão desses dois espaços terem passado a receber uma demanda que já existia. Acho que fazer uma avaliação nesse momento não é seguro", reforçou.
O Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje) está instalado na 916 Norte. A instituição tem por finalidade a aplicação de medidas socioeducativas com realização de atividades que propiciem a reinserção social. Atualmente abriga 289 internos, mas não tem condições de receber mais ninguém. O Caje conta com apenas 161 camas e poderia abrigar até 240 internos dormindo apenas em colchões. Em função disso, os adolescentes punidos com a medida de internação provisória ficam junto aos já sentenciados - o que é proibido por lei.

O que diz a lei


A Lei nº 8.060/90, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foi instituída em 13 de julho de 1990. É considerada como uma das mais avançadas do mundo. O Artigo 277 do ECA diz: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito: à vida, à alimentação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária. Além de colocá-la a salvo de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

Mara Puljiz
Correio Braziliense

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