quinta-feira, 7 de maio de 2009

Prof. Kaku: ‘Pai pode reclamar do Brasil na OEA’-parte 2

Na segunda parte da entrevista, o Dr. William Smith Kaku, que é professor do Programa de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, fala mais abertamente do caso Goldman.

Notem que o blogueiro nem citou a situação do menino Sean Goldman e o Prof. Kaku diz que “o Estado norte-americano pode reclamar sobre os direitos humanos sendo negados pelo Brasil para que menino Sean e seu pai possam viver juntos.”

Qual valor têm as decisões tomadas no país onde a criança é retida?
Se as decisões forem conforme ao desiderato do direito internacional, ou de acordo com o espírito que foi elaborado a norma internacional, tais decisões têm alto valor e reiteram ou corroboram a regra internacional, seu espírito e a necessidade internacional da regra. Mas se a decisão interna contraria a regra internacional, ela abre oportunidade para a responsabilização internacional do Estado por descumprimento de obrigação internacional. No caso específico que envolve o menino Sean e a luta de seu pai consangüíneo para recuperar sua guarda é preciso fazer algumas observações. Em primeiro lugar, a “Convenção sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças” não foi questionada quanto à sua constitucionalidade, assim, é norma inquestionável de direito interno brasileiro – por ocasião de sua internalização – desde o ano 2000, sendo que perante à comunidade dos demais Estados que aderiram à referida Convenção, é norma de direito internacional que o Brasil se obrigou a cumprir perante todos eles. Em segundo lugar, se o Brasil não quiser mais cumprir a Convenção internacional, deve denunciá-la, ou seja, comunicar a todos os Estados-partes da Convenção que não fará mais parte dela e que não cumprirá mais, a partir dessa comunicação formal, os deveres por ela gerados e impostos. Mas enquanto o Brasil fizer parte da Convenção, o que deve fazer é cumprir as obrigações que lhe recaem, conforme escopo central da regra internacional: no caso, devolver a criança em situação irregular em seu território, ao país e residência habitual da criança. Em terceiro lugar, observa-se que uma decisão judicial do Superior Tribunal de Justiça entendeu que o menino Sean – tudo indica tendo em vista a longa duração do processo judicial no Brasil – já estaria habituado e em perfeita adaptação ao domicilio brasileiro e com situação familiar estável e favorável a ele no território do Brasil. Aqui haveria de se perguntar qual a opção do menino no Brasil tendo em vista o trágico e lamentável falecimento de sua mãe, certamente em vida o elo mais forte de afeto e sentimentos no Brasil, se haveria opção de ele não estar adaptado perfeitamente na situação familiar estável e favorável possibilitada diante das circunstâncias. Também haveria de se perguntar como é possível que o tempo da tramitação judicial da discussão da guarda seja fundamento para negar a guarda do menor à sua residência habitual nos EUA; enfim, um verdadeiro paroxismo que redundou na negação do cumprimento de dever imposto ao Brasil de devolver o menino Sean para sua cidade de residência habitual nos EUA, por culpa do Brasil, do funcionamento normal de suas instituições. Essa situação é melhor fundamentada no voto dos ministros cujos votos foram vencidos na decisão final, Ministros Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito. Não foi possível obter muitos dados para analisar a atuação do Poder Executivo brasileiro no caso concreto, mas, por exemplo, caso a Advocacia-Geral da União não tenha defendido o cumprimento do tratado desde o início de todo problema, então há uma presunção forte de que o Executivo brasileiro não atuou conforme razoavelmente era esperada sua atuação numa situação urgente como a requerida no caso concreto. Por fim, diante do exposto, tudo indica que o Estado brasileiro, através do seu Poder Judiciário, violou a “Convenção sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças”, postergando por seus próprios atos, inicialmente, e negando por sentença, ao final – fundamentado na própria postergação de seus atos –, a entrega do menino Sean para a seu pai biológico, consangüíneo, de amor, afeto e forte sentimento de pai – tudo indica tanto quanto o da mãe. Esse sentimento de pai tem sido demonstrado desde o primeiro momento da ciência dos atos ilícitos praticados pela mãe no caso concreto.

Um advogado disse: “a Convenção de Haia deve ser interpretada.” Isto é certo?
O direito internacional é uma ordem jurídica específica e autônoma em relação ao direito interno. O direito interno é outra ordem jurídica específica, também autônoma em relação direito internacional. Bem, diante disso como as duas ordens se relacionam? Existiria uma coerência e comunicação entre uma e outra ordem em sua aplicação prática? Para que o direito internacional tenha validade interna e produza seus efeitos no âmbito doméstico de um Estado, é preciso que ele seja internalizado, ou seja, que ele seja introduzido no direito interno do Estado através de um procedimento próprio – que passa pela análise do Poder Legislativo e do Poder Executivo como todas as leis em geral – para que possa valer e produzir os efeitos vinculantes de suas regras para os nacionais desse país. Ao mesmo tempo que aprova internamente a regra internacional, ou imediatamente em seguida, o Estado comunica formalmente a todos os demais Estados-partes da Convenção que passa a cumprir e obedecer internacionalmente os direitos e obrigações inerentes ao documento internacional, ou seja, o Estado formalmente se obriga na esfera internacional para com a norma internacional. Logicamente, se o documento internacional não for internalizado, então o Estado não está obrigado a aplicá-lo internamente nem mesmo formalizar ou se considerar obrigado internacionalmente perante os demais Estados. Assim, por via desta técnica da internalização é que a regra jurídica internacional passa a valer e produzir efeitos que atingem todas as pessoas nacionais como se fosse outra norma jurídica ou lei interna comum como o Código Civil, Código Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente e assim por diante. Pois bem, uma vez internalizado o direito internacional, tornando ele uma norma de direito interno, ele pode sofrer diferentes interpretações dos operadores de direito internos, dando sentidos os mais diversos conforme a cultura jurídica cada país onde ele é internalizado? A resposta é sim e não. A resposta é sim, no sentido de que, no plano estritamente interno de um país, se os operadores do direito – em especial os juízes – entenderem e decidirem que as regras internacionais internalizadas podem sofrer interpretações que acabe resultando num sentido outro do que aquele negociado internacionalmente e contido na convenção internacional, então pela autonomia e independência do Poder Judiciário o entendimento interno prevalece sobre aplicação da lei internacional, prejudicando o que foi originalmente negociado como sentido da lei, ou seja, na prática ele deixa de cumprir a finalidade original do documento internacional. Mas por outro lado a resposta é não, no sentido de que no plano estritamente internacional, perante outros Estados e perante Tribunais internacionais, tal interpretação interna em princípio não tem validade ou não vincula a validade da regra internacional, significando isso que se um Estado não aplicar internamente o que a Convenção internacional prevê, mesmo assim, na esfera internacional, perante outros Estados e perante Tribunais Internacionais, o Estado faltoso irá responder por descumprimento de compromisso internacional, cabendo, nessa situação cumprir o ato que se recusa a praticar e mesmo a indenizar por danos materiais e morais as vítimas de seu ato faltoso. Por isso que, diante de um compromisso internacional, a regra geral é que o Estado deve cumprir àquilo que se comprometeu, e não podem seus órgãos administrativos e judiciários internos violar esse compromisso, porque se assim o fizerem o Estado sofrerá a sanção internacional, ou seja, através de decisão de Tribunal internacional o Estado faltoso será condenado ou compelido a praticar o ato que se recusa a fazer e indenizar as vítimas desse descumprimento de obrigação internacional. O Estado tem todas as oportunidades para abandonar o tratado internacional e não se comprometer com as obrigações jurídicas dela decorrentes, mas enquanto estiver vinculado ao documento internacional deve obedecer ao que foi acordado e previsto no tratado.

Os EUA podem entrar com habeas corpus para forçar o retorno da criança?
A atuação dos EUA enquanto Estado deve ser em tratativas diplomáticas bilaterais com o Brasil para resolver rapidamente o problema e, se necessário for, em foros internacionais, expondo e reclamando da atuação morosa e de retardamento indefinido do Brasil no caso concreto, ao não entregar o menino Sean para os EUA na sua residência habitual. Nesse sentido os EUA devem também dar todo o apoio e assistência ao pai de Sean e ao próprio Sean, caso eles desejem ingressar pessoalmente em foros internacionais para reclamar contra o Estado brasileiro diante do caso concreto. Lamentavelmente os EUA não ratificaram a “Convenção Americana sobre Direitos Humanos” onde, com base nela, poderia pedir que a Corte Interamericana de Direitos Humanos pronunciasse sobre o caso e emitisse imediatamente medidas urgentes necessárias e uma decisão definitiva que a situação fática requer. Entretanto, com base na “Carta da OEA (Organização dos Estados Americanos)” e na “Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem”, que os EUA são signatários e partes, o Estado norte-americano pode reclamar sobre os direitos humanos sendo negados pelo Brasil para que menino Sean e seu pai possam viver juntos novamente depois de todo ocorrido e, especialmente, do trágico falecimento da mãe. Quanto a questões legais de determinado tipo de ação no âmbito da Suprema Corte dos EUA ou do Supremo Tribunal Federal do Brasil, bem como suas conseqüências, cremos que existem muitos detalhes técnicos que devem ser considerados, inclusive o tempo de tramitação desses expedientes jurídicos. Do ponto de vista do direito brasileiro é possível vislumbrar ações a serem movidas perante o Supremo Tribunal Federal, mas os ilustres defensores do pai do menino Sean é que sabem melhor sobre as vantagens e desvantagens de cada medida judicial nesta altura dos acontecimentos. Ademais, com o lamentável e trágico falecimento da mãe de Sean isso constituiu um fato novo, com repercussões tanto no direito interno quanto no direito internacional quanto à questão da guarda da criança. Para isso, os defensores dos direitos do menino Sean voltar para os cuidados de seu pai consangüíneo podem se socorrer novamente da Constituição brasileira e de toda legislação de direitos de família e direitos das crianças e adolescentes nacional, mas também todos os tratados internacionais de proteção à criança que o Brasil tenha aderido, no âmbito interamericano e sistema ONU. Na pior hipótese, o Brasil deve respeitar os direitos e deveres a que aderiu internacionalmente. Por fim, é preciso considerar também o menino Sean, por via da representação de seu pai, como parte legítima para ingressar em juízo e reivindicar seus direitos negados de filho para com seu pai norte-americano.

O pai pode processar um país por danos materiais e psicológicos para a criança?
Sim, é possível, e não só o pai como o próprio filho tem sua legitimidade, ou seja, cada qual tem sua legitimidade ativa de ingressar individualmente em juízo para cada qual reivindicar direitos próprios, sendo que a recomendação é que se faça pela via internacional. Tendo em vista tudo que ocorreu no caso Sean, já está configurada a responsabilidade do Brasil no caso concreto. Existe a possibilidade de formalizar essa circunstância diretamente pelas partes envolvidas e prejudicadas, no caso, o pai de Sean e o próprio Sean perante instâncias internacionais ao mesmo tempo. A recomendação é que (i) o pai de Sean ingresse em nome próprio com uma reclamação contra o Brasil perante a OEA, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, relatando documentadamente todo ocorrido e apresentando a decisão do STJ que negou a devolução de Sean; essa reclamação do pai é em nome próprio e com base na “Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem”, uma vez que o pai não pode usar a “Convenção Americana sobre Direitos Humanos” porque lamentavelmente os EUA não ratificaram e aderiram a esse documento. É importante o pai mostrar à Comissão que no caso dele esperar a tramitação normal de todo o procedimento para obtenção da guarda do filho que está sendo negada pelas instituições oficias do Estado brasileiro, nenhum direito se realizará ao final, a exemplo que aconteceu com a decisão do STJ – prova cabal disso –, enfim, respeitar o trâmite normal dos recursos internos do Brasil tudo indica é jamais ter a guarda do seu filho Sean; obtendo o reconhecimento internacional dos seus direitos, posteriormente pode-se lutar pela devida indenização compensatória pessoal. Entretanto, há uma dúvida sobre a nacionalidade de Sean, mas caso o menino Sean possua dupla nacionalidade, sendo, portanto, também brasileiro, é preciso considerar o fato de que e o Brasil é signatário da “Convenção Americana sobre Direitos Humanos”. Assim, a segunda recomendação é que (ii) o menino Sean – representado pelo pai biológico e de afeto –, com base nessa Convenção Americana, deve e pode reclamar perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos sua atual situação e pedir que a Comissão interceda junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, a fim de esta emita imediatamente medidas jurídicas internacionais urgentes contra o Estado brasileiro, medidas essas necessárias e que a situação fática requer para ser restabelecida a união de pai e filho conforme regras consagradas de direitos humanos, podendo também pedir que na decisão final, condene o Estado brasileiro e fixe indenização compensatória por todo transtorno que tem passado como filho distante do pai. As medidas e decisões da Corte são de cumprimento obrigatório e, assim, prevalece sobre o sistema judiciário interno do Estado, no caso, do Brasil, obrigando que seja cumprida a ordem internacional do Tribunal de direitos humanos da OEA. De qualquer forma, do ponto de vista processual e de direitos materiais, deve ser considerado o fato de que o menino Sean tem seus direitos e pode reivindicá-los através de quem legalmente tenha legitimidade para representá-lo, tanto no plano interno do Estado brasileiro quanto internacional.


Brasil com Z

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