Quem vê por fora, até pensa que se trata da casa da "Pantera Cor de Rosa", pois todo o refúgio está pintado nessa cor. E é muito mais que uma obra samaritana. É uma prova de amor que dura já muitos anos, quando foi plantada a primeira semente com a criação do Refúgio Aboim Ascensão, em Faro, no ano 1933. Trata-se de uma Instituição Particular Cristã de Solidariedade Social, fundada por Manuel Aboim Ascensão de Sande Lemos. Nasceu primeiro como lactário e centro de apoio a mães solteiras, depois transformou-se num serviço médico de recém-nascidos e prematuros e, actualmente, trata-se de um grande Centro de Acolhimento de Emergência para aquelas crianças que se encontram em situação de risco - entenda-se, vítimas de maus tratos -, desde recém-nascidos até aos 6 anos de idade.
É um lugar que pode chegar a acolher 100 + 5 crianças. "Essas mais cinco serão crianças abandonadas durante a noite, vítimas de maus tratos e que nos procuram como alternativa quando outros serviços sociais estão fechados a essa hora", afirmou o director da instituição, Luís Villas-Boas à nossa reportagem .
No dia-a-dia, o centro está praticamente completo e nos últimos dezasseis anos já acolheu 700 crianças. Luís Villas-Boas faz questão de afirmar que o objectivo do Refúgio é, ao recolher essas crianças em risco, encaminhá-las outra vez para as famílias biológicas e, em casos extremos, para uma família alternativa ou adoptada.
"Quando o Tribunal decide que não há possibilidade de reinserção, então são accionados mecanismos para possibilitar a adopção", disse-nos o director. Em quase 20 anos de direcção de Luís Villas-Boas, 80 por cento das crianças que chegaram ao refúgio retornaram às suas casas de origem e as restantes foram adoptadas. Para se ter uma ideia, desde 1989 foram adoptadas cerca de 90 crianças.
Talvez a cara mais visível do trabalho realizado pelo refúgio seja o projecto "Emergência Infantil", designado por "EI" (no seio de um coração), que no mês de Agosto celebrou o 13º Aniversário.
Estava criado, desta forma, o primeiro centro de acolhimento temporário de emergência em Portugal. Criado pela iniciativa de Luís Villas-Boas, o "EI" é resultado do trabalho conjunto de Tribunais e Ministérios de Justiça, Saúde, Educação, Trabalho e Solidariedade, e da Câmara Municipal de Faro. Hoje este modelo já existe noutras cidades portuguesas (Lisboa, Porto, V.N. Famalicão, Santo Tirso, Covilhã, Alverca, Seixal, Coimbra e Faro) e noutros países europeus. O tempo de permanência dessas crianças é muito variável.
Algumas ficam uma semana, outras três meses e há também aquelas que ficam um par de anos. Quando chegam ao refúgio - vale a pena lembrar que é a Segurança Social, o Tribunal e/ou o hospital quem as encaminha até lá, segundo dita a lei -, algumas padecem de equimoses, outras com pernas partidas e muitas possuem uma tristeza muito grande no olhar ou estão desnutridas.
As que são maltratadas chegam com sintomas físicos dos maus tratos. "Por duas vezes recebemos aqui no refúgio crianças com menos de 3 dias de vida", afirmou o director, acrescentando que a maioria delas é vítima do abandono, "que é o primeiro e o menos mau dos maus tratos".
O responsável directo do centro confirmou, entretanto, que metade dos meninos e meninas que chegam a eles são, directa ou indirectamente, vítimas da violência provocada pelas drogas e álcool nos seus progenitores.
No refúgio as crianças descobrem o que é um verdadeiro lar, principalmente porque a maioria deles não recebe nenhuma visita de familiares e, por isso, toda a equipa que trabalha no centro - um total de 74 pessoas, das quais 27 são licenciadas (psicólogas, educadoras de infância, terapeutas, juristas...), além de 25 funcionárias permanentes que vivem dia e noite com as crianças.
"O dia a dia delas é como o de qualquer criança, igual como se fosse um filho meu", assegurou Villas-Boas. O gasto mensal do centro, segundo o director, situa-se entre 18 e 20 mil contos.
Na casa cor-de-rosa de Faro e nos pavilhões instalados ao longo de 22 mil metros quadrados há de tudo. Existem 7 salas de educação, berçários, quatro parques ao ar livre, piscinas... "Aqui eles têm companhia, apoio, estímulo permanente e, digo mais, muitos deles entram aqui tão cedo que não sabem quem são os pais e nós somos um pouco a mãe e o pai deles", confessou emocionado.
SOS Criança
Se existem vítimas na violência doméstica, as maiores são, sem dúvida, as crianças. Com o propósito de ajudar o público infanto-juvenil, principalmente pretendendo chegar às famílias antes de que se produza a situação de risco, foi criado, em 1988, o SOS Criança, um serviço telefónico anónimo e confidencial de âmbito nacional. A iniciativa partiu do Instituto de Apoio à Criança (IAC), uma entidade privada com sede em Lisboa e núcleos em Coimbra e nos Açores. Desde que foi criado, já utilizaram o SOS aproximadamente 55.000 pessoas. Em apenas um dia, existe uma média de 15 a 20 ligações telefónicas.
Embora a prioridade do SOS Criança seja realmente dar assistência às crianças de risco ou maltratadas, o coordenador do serviço, Manuel Coutinho, afirma que também atendem todas aquelas pessoas que liguem para eles para falar de outros assuntos. Citou como exemplo que "muitas meninas nos ligam para tirar dúvidas sobre questões relacionadas com a sexualidade", diz.
Normalmente quem faz as denúncias são os adultos, segundo Coutinho, porque quando se trata de uma criança de pouca idade "ela não sabe explicar bem o que está acontecendo". A situação muda quando entram na fase da adolescência, a partir dos 12 anos. Actualmente o serviço conta com uma equipa médica formada por 8 pessoas, constituída por psicólogos, assistentes sociais, educadores e juristas.
"O trabalho deles é, de uma forma afectiva e sobretudo solidária, dialogar, ajudar a reflexionar e, sendo necessário, encaminhar essas pessoas para outros serviços", relata o coordenador que, acrescenta: "normalmente o que eles mais necessitam é apoio psicológico".
Em se tratando de casos de denúncias de maus tratos, é o próprio SOS Criança quem se ocupa de encaminhar para os hospitais e/ou para a polícia. Os princípios básicos deste serviço de prevenção são: promover e defender os direitos infantis, apoiar o seu entorno familiar, prevenir situações-problema, informar, orientar e encaminhar as questões apresentadas, sensibilizar as estruturas comunitárias e a sociedade em geral para a problemática da criança em risco, mas, principalmente dar voz aos mais pequenos e aos jovens.
Tempo de assistência
O melhor deste serviço é a garantia de que é confidencial e, portanto, as pessoas têm a sua privacidade assegurada. Tanto é assim que só tem conhecimento da sede do S.O.S Criança aquelas que entram num contacto mais directo, como por exemplo, quando se trata de assessorá-las juridicamente ou de encaminhá-las ao hospital.
O tempo de atenção às pessoas que ligam para o S.O.S. Criança é variável. O normal é que, entre uma ligação telefónica e outra, sejam 10 minutos de conversação. Em alguns casos isso pode aumentar para meia hora, mas, há situações em que se requer uma assistência mais a longo prazo. A idade máxima para poder ter "direito" à assistência é até os 18 anos.
Segundo o coordenador do S.O.S., que há nove anos dirige o serviço, trabalhar aqui exige ter muito bom senso e muita formação humana. "É, muitas vezes, bastante duro, por isso, é necessário ter, sempre, uma mentalidade de ganhador", garante Manuel Coutinho, que não soube precisar (ou não quis revelar) o número de casos recebidos e relaccionados com os maus tratos. "Sei que, surpreendentemente, não são tantas as que se referem à violência contra a infância".
Os interessados em manter contacto com o S.O.S. Criança podem fazê-lo de segunda a sexta-feira, das 9:30 às 18:30 horas, através do telefone (21-7931617), pelo e-mail (soscrianca@net.sapo.pt) ou através do Apartado 1582, 1056-001, Lisboa.
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As crianças em risco são aquelas que sofrem abuso, negligência, toxicovitimação, maus tratos, abandono, exploração sexual, contaminação por hepatite B, etc. No caso da toxicovitimação, isso significa que a criança é vítima da droga que os pais consomem ou traficam. "Muitas vezes chegam aqui com comportamentos que necessitam ser clinicamente apoiados, dando-lhes a medicação necessária para que não tenham vontade de continuar com o vício", sublinhou Manuel Coutinho.
Segundo um relatório elaborado pelo Projecto de Apoio à Família e à Criança (PAFAC), que está integrado no Instituto para o Desenvolvimento Social (IDS), através da "Linha de Emergência Criança Maltratada", no ano 1999 foram atendidos 1037 novos apelos. Este relatório confirma que os grupos etários mais atingidos por situações de negligência são maioritariamente crianças com idades entre os 0 e os 3 anos (no caso das crianças sinalizadas) e entre os 10 e os 14 anos (para jovens em acompanhamento). Já no que diz respeito aos maus tratos físicos, os grupos mais afectados são os de crianças entre os 7 e 9 anos e entre os 10 e 14 anos.
Na maioria dos casos identificou-se que a pessoa que provoca o mau trato infanto-juvenil é o pai, a mãe, ou até ambos. Mas também se registou que os seguintes da lista são os avós, que normalmente são muito jovens porque os pais das crianças são principalmente adolescentes. Depois estariam os tios, os padrinhos e até mesmo irmãos mais velhos.
Uma das atribuições do IDS, que está sob tutela do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, consiste em promover, conjuntamente com as instituições de segurança social, os programas dirigidos à infância e juventude. Neste contexto, foi criado no dia 7 de Junho do ano 2000 o PAFAC, que consiste numa resposta de âmbito nacional e que procura responder a situações de crianças maltratadas, procede a um rigoroso diagnóstico das disfunções familiares que motivam os maus tratos à criança e desenvolve as acções necessárias para fazer cessar a situação de risco.
O PAFAC é composto por 5 equipas regionais (uma delas em Faro) e 50 técnicos distribuídos por todo o território nacional. A sinalização das situações é feita através de uma Linha Telefónica de Emergência, dos Núcleos Hospitalares da Criança Maltratada, dos Centros de Saúde, das equipas das Casas de Acolhimento Temporário, dos serviços de Segurança Social, das Comissões de Protecção e dos Tribunais. Normalmente quem faz o primeiro contacto à linha de emergência são os vizinhos; depois são denúncias anónimas (atendendo à confidencialidade dos telefonemas) e, por último, os familiares.
Redacção/RS
Portugal
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