sexta-feira, 12 de junho de 2009

Bauru: Trabalho infantil doméstico desafia

Em cidades como Bauru, este tipo de exploração, por ocorrer protegida em quatro paredes, é a mais difícil de ser combatida

Para muitos, trabalho infantil é um problema restrito a áreas rurais, carvoarias e localidades distantes dos grandes centros. Mas ele ocorre sim em cidades como Bauru e dentro da casa da própria criança. São casos de menores que, para desenvolver atividades domésticas, como limpeza da casa e cuidar de irmãos menores, acabam deixando de estudar, de brincar e até se expondo a riscos. E justamente este tipo de exploração do trabalho infantil, por ocorrer “protegida” em quatro paredes, é a mais difícil de ser combatida, explica o procurador do Trabalho em Bauru, José Fernando Ruiz Maturana.
A casa, ressalta, é um lugar inviolável do cidadão. Outro fator que dificulta o combate deste tipo de exploração infantil é que se comete individualmente. Maturana explica que o crime só vem à tona quando ocorre um acidente envolvendo a criança ou o fato é detectado por alguma circunstância no ambiente escolar. Dificilmente, o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Bauru recebe denúncia de trabalho infantil.
Maturana destaca que é saudável que a criança ajude em casa porque desenvolve conceitos de responsabilidade. Entretanto, ele alerta que a atividade passa a ser nociva quando sai da esfera da solidariedade familiar e impede que a criança desfrute amplamente da condição de ser criança. O trabalho se configura irregular quando os momentos de lazer e estudo do menor são prejudicados pelos afazeres domésticos. “E a criança não pode sofrer qualquer tipo de constrangimento moral ou social”, pontua.
O problema rotineiro na vida de milhões de crianças e adolescentes brasileiros tem hoje – Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil – um momento para ampla reflexão da sociedade. Neste ano, o dia também marca o décimo aniversário da adoção da simbólica Convenção número 182 da Organização Mundial do Trabalho (OIT).
Maturana frisa que há cerca de 50 anos, a exploração de trabalho infantil era comum no Brasil. Segundo o procurador, os menores começavam sua vida profissional, muitas vezes, em atividades da própria família, como em mercados, açougues, quitandas e outros negócios.
Ele pontua que, atualmente, o mercado de trabalho é muito mais dinâmico e a sociedade brasileira precisa se conscientizar da urgência do combate ao trabalho infantil. “É preciso investir em educação. E o trabalho e a educação não andam juntos porque existe a fase própria para a educação e depois vem o trabalho”, destaca.
A partir da Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, a criação e implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a avaliação da sociedade a respeito do emprego de mão-de-obra infantil vem mudando. Já é visível a transformação cultural quando se define bem a relação. Ao invés de “uso” de mão-de-obra se caracteriza a ilegalidade pelo termo “exploração”. Apesar dos avanços, Maturana alerta que há ainda na sociedade quem defenda colocar crianças no trabalho como uma forma de ajudá-las, o que pela lei configura exploração de mão-de-obra infantil com o agravante de ser barata. É exatamente esta a situação de quem recruta crianças com 12 e 13 anos para se responsabilizarem por todos os afazeres domésticos.

Na ruas
Além do serviço doméstico, há outras atividades desempenhadas por crianças nas ruas da cidade que também são configuradas trabalho infantil. Uma delas é colocar criança para vender produtos nas ruas, como sorvetes e doces. Maturana alerta que quem emprega criança nestas atividades tem por objetivo tirar vantagem financeira.
Uma criança que vende sorvete nas ruas, por exemplo, recebe um décimo do valor que ganharia um trabalhador adulto para percorrer as ruas empurrando carrinho para vender o produto. “E você (explorador) ainda fala que está querendo ajudar para ela (criança) ganhar uns trocados”, frisa.
Maturana também combate a idéia de que empregar meninos de 15 anos em oficina mecânica, em padaria ou olaria ajuda na formação dos menores. Para ele, na realidade o empregador explora o adolescente e contraria a legislação brasileira. “Muitos dizem assim: ‘é melhor trabalhar do que ficar na rua’. O contraponto de trabalho e rua é a educação. Não é nem para trabalhar e nem para estar na rua. É para estar estudando”, salienta.

Panfletos
Em Bauru, o fim do uso de mão-de-obra de menores de 18 anos na distribuição de panfletos nas ruas é um avanço conseguido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). O procurador José Fernando Ruiz Maturana comenta que, entre 2003 e 2004, as empresas prestadoras de serviço assinaram Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com MPT para não mais empregar adolescentes na atividade.
Atualmente, as empresas que atuam regulamentadas não contratam mais menores de idade. “Temos que destacar que pode ocorrer ainda irregularidade de alguém, mas é empresa de fundo de quintal. Pode acontecer mas já melhorou”, frisa.

Legislação
A legislação brasileira proíbe trabalho de adolescentes de até 16 anos. A lei é tão preventiva que já prevê uma exceção. Entre 14 e 16 anos, o adolescente pode trabalhar apenas na condição de aprendiz e desde que as atividades exercidas privilegiem a educação profissional e não o mero trabalho.
Para isso, o menor tem que estar matriculado em uma entidade social que propicie formação profissional. A instituição precisa ter seus programas inscritos no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Impacto é negativo para educação
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2007, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou que havia 4,8 milhões de crianças e adolescentes trabalhando no Brasil. O estudo mostra como reflexo negativo do trabalho infantil o processo educacional. Entre 2006 e 2007, a escolarização subiu de 93,5% para 94% no grupo de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos.
Entretanto, a taxa cai de de 81,% para 80% entre as crianças desse grupo etário que trabalhavam. O contingente de 4,8 milhões de menores representavam 10,8% das pessoas de 5 a 17 anos em 2007, pouco menos que os 11,5% do ano anterior. Em 2007, quase um terço (30,5%) das crianças e adolescentes de 5 a 17 anos ocupados trabalhavam pelo menos 40 horas semanais, e uma em cada cinco delas (19,8%) morava em domicílios com rendimento per capita inferior a um quarto do salário mínimo.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) listou recentemente as piores formas de trabalho infantil, relacionadas com cada setor da economia. Entre as atividades mais recorrentes, inclusive, no meio urbano, estão o trabalho doméstico, o trabalho em lixões e na indústria da transformação – em cerâmicas, olarias, carvoarias, -, muitas delas prejudiciais à moralidade da criança e do adolescente.

Seqüelas
De acordo com o procurador do Trabalho Bernardo Lêoncio Moura Coelho, o trabalho infantil doméstico pode ocasionar uma variedade de impactos às crianças. As seqüelas visíveis remetem a problemas de coluna por ter de carregar peso, riscos de intoxicação por contato direto com produtos de limpeza, riscos de acidentes com facas e utensílios pontiagudos e, finalmente, a exposição a situações de violência, como o espancamento.
Além disso, há as seqüelas emocionais, que representam efeitos psicológicos decorridos do peso das obrigações e responsabilidades de adultos imputadas às pessoas menores de 18 anos, principalmente se houver a incumbência de cuidar de outra criança ou bebê.

‘Pit Stop’busca a conscientização
A Prefeitura de Bauru, através da Secretaria Municipal do Bem-Estar Social (Sebs) e do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), realiza hoje um “pit stop” para sensibilizar a sociedade no combate ao trabalho infantil.
Juntas, Sebes e entidades que promovem ações do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) no Combate do Trabalho Infantil, como o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas, Conselho Tutelar e Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil (Cometi), vão realizar atividades em cinco semáforos que reúnem crianças e adolescentes em algum tipo de trabalho.
Entre eles estão fazer malabares, vender balas e outros produtos e pedir esmolas. O grupo irá percorrer os semáforos da avenida Getúlio Vargas, proximidades do Supermercado Paulistão; avenida Nações Unidas, proximidades do restaurante Nações Gril; avenida Rodrigues Alves com avenida Nações Unidas; avenida Duque de Caxias com rua Rio Branco e avenida Duque de Caxias com a rua Gustavo Maciel.
A concentração será às 9h30, na quadra 6 do Calçadão, onde a Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil realizará uma passeata até a Praça Rui Barbosa distribuindo panfletos e divulgando ações que sensibilizem os munícipes. Após a passeata, as equipes percorrerão os cinco pontos de concentração de menores.

Cresce o número de inquéritos para investigar trabalho infantil
A Procuradoria Regional do Trabalho da 15.ª Região, que abrange Bauru e mais 598 municípios do Interior de São Paulo, registrou um aumento de 100% no número de empresas investigadas por suspeitas de utilizarem indevidamente mão-de-obra infantil e adolescente para fins econômicos, entre os anos de 2007 e 2008. Em 2007, foram instaurados 31 inquéritos civis públicos em face de empregadores nos setores da indústria, comércio e agronegócios, contra 62 investigações abertas em 2008.
Segundo o procurador do Trabalho e representante regional da Coordenadoria de Combate ao Trabalho Infantil e Adolescente (Coordinfância) na 15ª Região, Bernardo Leôncio Moura Coelho, o aumento no número de denúncias se deu, principalmente, pelo crescimento da conscientização popular, devido a campanhas institucionais do MPT, em parceria com outros órgãos, e da exposição do tema na mídia nacional.
Nos últimos dois anos, as investigações conduzidas pelos procuradores do Trabalho, como José Fernando Ruiz Maturana, resultaram na celebração de 166 Termos de Ajuste de Conduta (TACs). As investidas dos procuradores do Trabalho beneficiaram 40 mil trabalhadores. Atualmente, há 117 procedimentos ativos sobre o tema na PRT-15, que abrange Bauru.


Jornal da Cidade de Bauru

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