segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Inspiradora da lei, Maria da Penha ainda combate violência contra a mulher


Instituições devem informar mulheres sobre seus direitos, diz Maria da Penha

Instituições devem informar mulheres sobre seus direitos, diz Maria da Penha
Na madrugada de 29 de maio de 1983, a cearense Maria da Penha Maia Fernandes dormia tranquilamente em sua cama. Era um domingo e a farmacêutica de 38 anos sabia que o dia seguinte seria longo. Mas o descanso da dona de casa, então mãe de três filhas, foi subitamente interrompido por um susto e um gosto de chumbo na boca. Ela ainda não sabia, mas acabara de levar um tiro de espingarda do próprio marido.
Alegando que a casa havia sido assaltada, Marco Antônio Heredia tentou enganar a mulher e os vizinhos. Não conseguiu. Sua condenação, no entanto, ainda consumiria 20 anos de luta. Antes disso, ele tentaria matá-la novamente. De volta para casa, depois de quatro meses no hospital, Maria da Penha havia ficado paraplégica e, mesmo assim, Heredia tentou eletrocutá-la durante um banho.
Ícone na luta pelos direitos das mulheres, Maria da Penha conseguiu com a sua história fazer Justiça para si e conquistar mais proteção para todas as companheiras. Vinte e três anos após a primeira tentativa de homicídio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 11.340/06, de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher: a Lei Maria da Penha, que completou três anos na última sexta-feira (7/8).
Conheça um pouco mais sobre a vida da ativista que até hoje luta pelo cumprimento do direito das mulheres, atuando como colaboradora de honra na Coordenadoria da Mulher da Prefeitura de Fortaleza.

Última Instância – Como a senhora decidiu que deveria lutar pelos direitos das mulheres vítimas de agressão doméstica?

Maria da Penha –A minha luta começou a partir do momento que eu fui agredida mortalmente, em 1986. Eu comecei a buscar Justiça e então a decepção com o poder judiciário fez com que eu permanecesse vinte anos em prol da condenação do meu agressor. Eu me senti vítima pela lentidão com que tudo aconteceu na Justiça. Mas as coisas mudaram depois que conseguimos denunciar o Brasil no Comitê Interamericano de Direitos Humanos por negligência no tratamento da violência doméstica no país.

Última Instância – Por que o julgamento demorou tanto?

Maria da Penha – A Justiça se usou de artifícios protelatórios para que o crime chegasse à prescrição e sobre isso o país vai ter que responder também internacionalmente.

Última Instância – Como foi o processo da denúncia no Comitê Interamericano?

Maria da Penha – Bem, na minha luta por Justiça tive a sorte de encontrar em determinado momento um representante do CeJil (Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional), que analisou o meu processo e então nós decidimos juntos denunciar o Brasil.

Última Instância – Sobre a sua história, como aconteceu a primeira agressão por parte de seu marido?

Maria da Penha – As agressões do meu marido eram agressões psicológicas. As agressões físicas, elas existiam mais em relação aos meus filhos, como uma maneira de me atingir diretamente. E só não acontecia uma agressão muito diretamente a minha pessoa, porque eu conseguia driblar esses momentos. Mas a minha vida era um tormento, como é a vida de muitas mulheres do país que ainda convivem com seus agressores.

Última Instância - Houve algum indício de violência antes do casamento?

Maria da Penha – Não, nenhum. Nenhum indício. Eu me casei porque ele era uma pessoa querida demais pelos amigos, pelos meus amigos também. Era uma pessoa assim de bons tratos. Se mostrava educado, muito compreensivo. Uma pessoa companheira.

Última Instância – Depois de quanto tempo ele começou a mostrar um comportamento diferente?

Maria da Penha – Esse indício [de agressividade] só começou a se apresentar depois de quatro ou cinco anos de casada. Depois do nascimento da minha segunda filha, quando ele obteve a naturalização, porque ele era estudante de origem colombiana. Aliás, o casamento foi importantíssimo para que ele se naturalizasse brasileiro. A partir daí que ele mostrou a sua verdadeira face.

Última Instância – Houve uma tentativa de homicídio. Como a situação chegou a esse ponto?

Maria da Penha – Eu estava dormindo e acordei com um tiro que foi dado nas minhas costas e que quase me levou a morte. Eu não sabia... eu pensei que tivesse sido ele, mas essa idéia foi desfeita quando eu soube que a versão dada para esse tiro que recebi tinha sido uma tentativa de assalto. Essa versão foi dada pelo meu agressor. Somente cinco meses depois disso, quando eu voltei pra casa do hospital, foi aí que eu tomei conhecimento, através de outras pessoas que já estavam sabendo, que ele havia simulado o assalto para que parecesse crime premeditado.

Última Instância – Depois houve uma segunda tentativa.

Maria da Penha – Sim. Quando eu voltei do hospital, depois de passar quatro ou cinco meses hospitalizada, ele foi me apanhar (sic) e me levou para casa, dizendo que a partir daquele momento não queria que nenhum familiar ou amigo interferisse na nossa vida. Então, nesse período eu fiquei em cárcere privado, durante quinze dias, que foi quando ocorreu a segunda tentativa de homicídio. Quando ele propositadamente danificou o chuveiro elétrico e eu percebi ao entrar no banheiro que estava dando choque. Eu gritei pela moça que morava comigo, e ela me acudiu e me tirou do banho.

Última Instância – A senhora perguntava o porquê da violência gratuita? O que ele dizia?

Maria da Penha – Para ele, não precisava argumento, era simplesmente querer. Se ele acordava de mau-humor já começava agredindo. Se ele chegava de mau-humor, já chegava agredindo. Muitas vezes eu pedi para me separar, ele nunca aceitou.

Última Instância - E por que a senhora nunca chegou a denunciá-lo?

Maria da Penha – Denunciar onde?

Última Instância – Depois de 19 anos, seu ex-marido finalmente foi condenado a 10 anos de reclusão, mas só ficou preso por dois anos. Foi uma condenação justa?

Maria da Penha – Esse fato não compete a mim falar. O que eu gostaria de dizer é que independente de ele ter cumprido dois anos, só dois anos, e estar hoje em liberdade, o importante é que a lei trouxe a intenção de proteger a mulher a partir desse caso.

Última Instância – Depois da lei, por que muitas mulheres continuam não denunciando?

Maria da Penha – Hoje, com a lei, você vê que muitas mulheres estão denunciando sim, mas onde a lei funciona. Por que de que adianta você não ter uma delegacia da mulher, não ter um centro que lhe apóie ou um movimento de mulher? Alguma coisa, uma promotoria que entenda sobre a lei e que acolha essa mulher? Qual é a mulher que vai denunciar se não tem os equipamentos da lei para protegê-la?

Última Instância – Muitas delas ainda têm muito medo. Para incentivá-las a denunciar, o que deveria ser feito?

Maria da Penha – Claro, o papel da sociedade, o papel dos movimentos sociais, o papel das instituições que acreditam na lei, que estão aplicando a lei, têm esse papel de informar as mulheres que elas agora têm direto. Direito de viver sem violência. E são eles que devem mostrar o caminho que elas possam adquirir isso. O papel da imprensa é muito importante. É preciso que as escolas, as empresas onde elas trabalham, as casas onde elas trabalham, as pessoas em geral que têm conhecimento sobre a lei, que repassem as informações para elas.

Última Instância – Em alguns casos, a mulher denuncia e não obtém resposta por parte da Justiça. Como esse processo entre a vítima, o agressor e as autoridades poderia ser melhorado?

Maria da Penha – Pois é. É exatamente esse movimento de mulheres da sua cidade, de estar denunciando, colocando isso na imprensa. Dizendo que aquele município não tem a estrutura para atender a mulher vítima de violência e que precisa de atenção. Ela tem que ligar pro 180, que é um telefone gratuito da Secretaria de Políticas Especiais para as Mulheres, e colocar essa informação, denunciar essa informação.

Última Instância - Qual é o momento em que a mulher se dá conta que a situação chegou no limite?

Maria da Penha – Quando ela decide ir a uma delegacia. É a gota d’água.

Última Instância - E quando foi a gota d’água na sua história?

Maria da Penha – Não existia nada na época em que eu fui agredida, então eu não percebi esse momento. Eu sabia que eu tinha que sair da relação, procurei pelos meios que existiam, de conversar e levar a um advogado, mas eu não consegui nada porque ele sempre recusou a separação.

Leia também: Número de mulheres que recorrem à Lei maria da Penha cresce 32%
Por Daniella Dolme
Fonte: Última Instancia

4 comentários:

  1. Gostei muito de conhecer essa historia e admirar essa mulher guerreira, sou casada e graças a Deus meu marido é maravilhoso, tenho 13 anos de casada e espero que ele continue assim, pois não existe coisa pior que sofrer agressão de alguem que se pensa que nos ama.

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  2. o que aconteceu com ele?seu ex-marido?

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  3. Caro leitor, veja a sua resposta sobre o que aconteceu com o ex-marido de Maria da Penha num post publicado no blog hoje.
    Agradecemos seu comentário.
    Maria Célia e Carmen

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  4. É muito triste saber que mesmo com as evidências de violência,o Brasil precisou de uma interferência internacional para fazer algo em prol das mulheres do nosso país.
    À Maria da Penha Maia Fernandes,meus sinceros parabéns por tamanha atitude de coragem e persistência.

    Brasília 01/05/10

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