A semana foi especialmente cansativa para Marcos*, 31 anos, que em fevereiro viu seu filho pela última vez. Desde a última segunda-feira, ele diz passar noites em claro pensando no garoto, que completou quatro anos em julho. “A proximidade do Dia dos Pais aumenta minha angústia e o sentimento de revolta”, afirma ele, para quem este domingo não será de celebração.
Marcos é um dos pais brasileiros que lutam na Justiça para ter o direito de ver seus filhos. Após um processo de separação amigável, há dois anos, ficou acertado que ele teria direito a ver o filho a cada 15 dias, durante todo um fim de semana.
O novo casamento de Marcos, porém, complicou seu relacionamento com a ex-mulher. Depois de sucessivos desentendimentos, em fevereiro ela registrou uma denúncia na delegacia da mulher na qual acusava o ex-marido, que é policial militar, de ter molestado a criança sexualmente.
Antes que o exame de corpo de delito ficasse pronto, uma liminar do Ministério Público impediu Marcos de ver a criança. Nem a contestação da denúncia e nem o resultado negativo do laudo, divulgado há dois meses, resolveram a questão. A liminar está mantida até a realização de uma perícia psicológica, que não tem data para ser feita. “Eu provei minha inocência, mas mesmo assim fui condenado a passar o Dia dos Pais sem meu único filho”, lamenta.
Sem manter nenhum tipo de contato com a criança, Marcos diz que, no início, suas maiores preocupações eram a saudade do garoto e a revolta causada pela denúncia da ex-mulher. “Se para um policial militar ser acusado de abuso sexual já é grave, contra o próprio filho é algo torturante”, afirma ele. “Mas essa era uma preocupação egoísta. Antes eu pensava em mim, na falta que eu sentia do menino. Agora, penso no mal que tudo isso está causando a ele.”
Para tentar reverter a proibição, Marcos contratou um advogado e uma assistente técnica judiciária que vai acompanhar e fiscalizar a perícia psicológica exigida pelo Ministério Público. A contratação da profissional se deve à convicção de que a Justiça é tendenciosa para o lado da mulher. “A mãe está sempre certa, independentemente do que faça”, afirma o policial.
Para o administrador de empresas Antônio*, 47 anos, neste tipo de disputa a sociedade e a Justiça veem os homens com preconceito. “A coisa mais linda do mundo não é a maternidade e, sim, a paternidade, incluindo aí o pai e a mãe”, afirma. “Não quero desmerecer a mulher, mas também não podemos continuar desmerecendo a figura do pai. Está na hora de o nosso judiciário se adaptar à realidade do século 21 e fazer valer que todos são iguais perante a lei.”
Antônio também vai passar o Dia dos Pais longe dos filhos. Em junho de 2007, ele e a então mulher deram entrada no divórcio que, em pouco tempo, deixou de ser amigável e passou para o litigioso. Naquele ano, uma ordem judicial movida por ela determinou seu afastamento do lar. Segundo Antônio, a ação o acusava de ser alcoólatra e ter um temperamento “inconstante e agressivo, que comprometia a sexualidade dos filhos”.
Derrubar a ordem judicial seria apenas o primeiro obstáculo: no mesmo ano, a mulher se mudou com as crianças para Blumenau, a mais de 600 km de distância de São Paulo, onde a família vivia até então. Hoje, ele luta pela guarda dos filhos e, após mover uma cautelar de visitas, assegurou o direito de vê-los durante um fim de semana, a cada 15 dias. Na prática, porém, eles só se reencontram a cada três ou quatro meses. “Para ir até Blumenau, gasto com avião, hospedagem, aluguel de carro, alimento”, explica ele. “Portanto, só os vejo quando as finanças permitem, e, mesmo assim, por força de cautelar.”
Além de falar com as crianças semanalmente, pela internet ou por telefone, em 2009 ele conseguiu levá-los para São Paulo durante alguns dias das férias de janeiro e julho. Como o último encontro foi no mês passado, Antônio não vai conseguir pagar uma nova viagem e estar com os filhos no Dia dos Pais. Questionado se tem planos para a data, ele responde: “além de chorar, não.”
O primeiro Dia dos Pais do comerciante Marcelo*, 42 anos, também não será como o planejado. Há vinte dias ele está impedido de encontrar a filha de seis meses. A determinação, por enquanto, não é da Justiça e sim da ex-namorada. Os dois, que nunca foram casados, passaram a ter sérios desentendimentos depois de Marcelo manifestar a vontade de compartilhar a guarda da criança.
O comerciante já entrou com uma liminar para poder ver a menina, mas, segundo ele, o documento “não foi entendido” pela Justiça. Por isso, ele deu início a uma nova ação. “Não quero ser pai de fim de semana”, afirma Marcelo. “Mesmo sem ter casado, sempre acompanhei tudo, fui ao médico, troquei fralda, estou completamente preparado para cuidar da minha filha. Não tem nada que a mãe faça que eu não possa fazer tão bem ou melhor.”
Situações como estas fazem com que muitos pais defendam a regulamentação da chamada síndrome da alienação parental, caracterizada quando, após a separação, o pai ou a mãe atua para que o filho rejeite o ex-parceiro.
Em julho, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara aprovou um projeto de lei que pune o pai ou a mãe que adotarem este tipo de conduta, com penas que vão de multas até a perda da guarda. O projeto ainda terá de ser votado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o que deve acontecer ainda em agosto.
Repercussão internacional
Mas e quando a briga pela guarda de uma criança não é entre pai e mãe, e, sim, entre pai biológico e padrasto? É o caso do menino S.G., 9 anos, protagonista de uma disputa que envolve Brasil e Estados Unidos.
Em 2004, a brasileira Bruna Bianchi, mãe do garoto, deixou os Estados Unidos, onde vivia com o ex-marido, David Goldman. No Brasil, ela se casou com o advogado João Paulo Lins e Silva, com quem passou a criar o filho. Após sua morte, em 2008, seus pais se tornaram responsáveis pelo menino que, este mês, deve ter seu destino decidido pelo Supremo Tribunal Federal.
Como S.G. permanecerá no Brasil até o fim do processo, neste Dia dos Pais é David Goldman quem estará sem ele. Lins e Silva passará o domingo com o filho, embora ciente da possibilidade de que no fururo o drama de estar longe da criança passe a ser dele.
“Passei todos os Dias dos Pais com S., desde seu retorno ao Brasil, assim que completou 4 anos. Em todos ganhei presentes feitos na escola com os dizeres: ‘para o melhor pai do mundo’”, contou Lins e Silva ao Último Segundo. “Este ano não vai ter presente de escola por causa da “gripe suína”. E porque ele está ficando mais velho, não sei se fazem mais aqueles desenhos e coisinhas”, explica. “Mas comemoraremos da mesma maneira como todos os anos: com muita alegria e mais unidos do que nunca.”
Outro caso recente de repercussão internacional foi o do austríaco Sascha Zanger. Sua filha, Sophie, de 4 anos, morreu em junho deste ano no Rio de Janeiro, uma semana após ser internada com trauma cranioencefálico e hematomas pelo corpo. A tia da criança, Geovana dos Santos, de 42 anos, e a filha dela, Lílian dos Santos, de 21 anos, foram indiciadas por crime de tortura seguido de morte.
Depois de um mês no Brasil, no final de julho Zanger embarcou de volta para Viena, capital da Áustra, sem conseguir levar para casa o filho R., de 12 anos, ou liberar o corpo da filha para ser enterrado.
Na época, ele se disse "muito decepcionado". “Meu grande erro foi confiar na Justiça brasileira. Hoje, me culpo por não ter tirado minhas crianças à força daqui, colocado em um carro e ter parado só no Uruguai ou na Argentina e de lá para a Áustria. Assim minha filha estaria viva hoje”, disse.
A mãe das crianças, Maristela dos Santos Leite, tem problemas psiquiátricos e está internada. Segundo Zanger, ela já estava doente quando veio com os filhos da Áustria, em janeiro de 2008, sem o consentimento dele, para morar com a irmã Geovana.
Maristela acusou Zanger de abuso sexual das crianças, fato que pai e filho negam, mas isso fez com que a Justiça mantivesse as crianças no Brasil, dando a guarda delas provisoriamente a Geovana.
Ao se despedirem, no aeroporto, pai e filho disseram esperar um reencontro para agosto, pois Zanger quer que R. retome as aulas no começo de setembro, quando se inicia o ano letivo austríaco. A batalha continua.
* A pedido dos entrevistados, os nomes citados nesta reportagem foram trocados. A reportagem tentou entrar em contato com David Goldman, mas não obteve retorno de seus advogados.
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