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quinta-feira, 24 de setembro de 2009
O perigo dos remédios falsos
Pelo menos 20% dos medicamentos vendidos no Brasil são ilegais.
Falsificados, contrabandeados ou sem registro.
A população brasileira está entre as que mais consomem medicamentos falsos em todo o mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) identifica nesta categoria remédios pirateados, contrabandeados e aqueles que não têm registro no órgão responsável (no caso do Brasil, a aprovação e liberação de medicações é feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa). De acordo com a agência, 20% dos remédios vendidos em território nacional enquadram-se nestas classes.
Levantamento feito pelo Instituto Etco - entidade empresarial que combate a sonegação fiscal - revela um quadro ainda mais assustador: 30% do mercado é composto por drogas irregulares.
Somente nos quatro primeiros meses deste ano, a Anvisa apreendeu 170 toneladas de medicamentos fora da lei. Oito vezes e meia o total de apreensões realizadas ao longo de 2008. As ocorrências têm sido tão frequentes que apenas uma delegacia especializada no Rio de Janeiro chegou a instaurar 112 inquéritos no ano passado - um a cada três dias.
Trata-se de um "negócio" com igual proporção entre crueldade e lucro. Enquanto engana pessoas doentes e causa prejuízos sérios à saúde, a máfia dos medicamentos falsos movimenta anualmente um valor estimado, segundo o Instituto Etco, em até US$ 4 bilhões. O alto consumo se explica pelos preços mais baixos e a possibilidade de compra sem receita - já que muitos são comercializados pela internet ou em camelôs.
Segundo a Anvisa e a Polícia Civil do Rio, os medicamentos mais pirateados são os indicados para tratamento da disfunção erétil (Cialis, Viagra e Pramil), os que auxiliam no emagrecimento (Sibutramina) e alguns usados como anabolizantes (Hemogenin, Durateston e Deca Durabolin). Independentemente de terem sido falsificados, contrabandeados ou de não portarem registro de comercialização, os produtos oferecem imenso risco à saúde. Os falsificados, por exemplo, não contêm a substância ativa do original. No lugar, ou é colocado algo inócuo, como uma farinha qualquer, ou uma substância que pode fazer mal por sua toxicidade.
Nos dois casos é um desastre. Na primeira situação, obviamente o remédio não fará efeito. Isso significa que a doença continuará seu curso de destruição do organismo sem nada que a contenha. Na segunda, além de a enfermidade ficar sem controle, o corpo ainda corre o risco de sofrer o ataque de um composto nocivo. "Alguns dos medicamentos ilegais para emagrecer, por exemplo, contêm altas doses de hormônios", explica o endocrinologista Walmir Coutinho, membro da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade. "Isso pode levar à taquicardia, à arritmia ou até mesmo à parada cardíaca." Ou seja, a possibilidade de morte é concreta.
Entre os medicamentos contrabandeados, muitos também são falsificados ou chegam ao mercado negro fora da validade. "Substâncias com prazo vencido também podem causar efeitos maléficos ou óbito", explica o biólogo Oscar Berro, representante do Ministério da Saúde no Rio. E aqueles que circulam sem registro muitas vezes são fabricados em condições precárias ou jamais tiveram sua eficácia reconhecida por um órgão competente. O pior é que dificilmente o consumidor associa um sintoma adverso ou ineficácia da medicação à causa correta - o uso de um produto ilegal.
"O mais comum é achar que é efeito colateral ou erro do médico", diz Jorge Darze, presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro. "Por isso, a classe médica tem o maior interesse em que os bandos que colocam esses produtos no mercado sejam desbaratados."
A pirataria chega até a medicamentos comprados diretamente por hospitais - como o Citotec, vendido em camelôs como abortivo, e a metilcelulose, colírio protetor usado em cirurgias de catarata. Este último medicamento causou a perda da visão do olho esquerdo do equatoriano Cezar Augusto Cahuano. Em 2003, seu filho, o engenheiro Julio Cahuano, radicado no Rio de Janeiro desde 1994, resolveu trazê-lo à cidade para que fosse submetido a uma operação de catarata na Santa Casa da Misericórdia.
"A máfia dos medicamentos age de modo extremamente sofisticado"
Marcos Cipriano, diretor da Polinter, do Rio de Janeiro
Durante a cirurgia, uma bactéria encontrada na metilcelulose causou uma infecção e posterior cegueira em um olho de Cezar. A bactéria também prejudicou a visão do outro olho, que permanece danificada até hoje. "Uma tragédia acabou se abatendo sobre a minha família", conta Julio. Na época, ele não fez registro formal da ocorrência na Anvisa. Além do seu pai - que vive no Equador e nunca mais quis voltar ao Brasil
Remédios contra o câncer também são alvo dos bandidos. Há pouco mais de um ano, a Polícia Federal (PF) constatou a falsificação da droga Glivec, indicada para o tratamento da leucemia mieloide crônica. O remédio é um marco na história da luta contra a enfermidade: antes dele, a sobrevida era de no máximo cinco anos. Hoje, há pacientes vivendo há sete, dez anos, graças a seu modo de ação peculiar (ele ataca somente as células cancerígenas, poupando os tecidos saudáveis).
Por isso mesmo, o Glivec é largamente consumido. Muitos doentes recorrem à Justiça para ter o direito de receber a medicação gratuitamente. Mas aqueles que por algum motivo não conseguem esse benefício são obrigados a desembolsar R$ 5 mil para comprar apenas uma caixa com comprimidos. É claro que a máfia dos medicamentos enxergou aí uma situação perfeita para aumentar suas vendas: pessoas extremamente ansiosas por uma esperança de vida, mas sem condições de comprá-la ao preço do mercado legal. Nas embalagens apreendidas pela PF no Rio de Janeiro, em Vitória e Porto Alegre, contudo, os produtos continham uma mistura de farinha e corante.
A venda de medicamentos ilegais está nas mãos do crime organizado. A rede de receptação, transporte e distribuição é a mesma usada em várias outras modalidades marginais, como o contrabando de armas, drogas, carros ou CDs piratas. "Os criminosos já têm a infraestrutura montada e a utilizam também para distribuir os medicamentos", afirma Ronaldo Pires, gerente jurídico da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa. "A estrutura das quadrilhas já tem a sofisticação dos bandos formados pelos traficantes de drogas", afirma Dirceu Raposo, presidente da Anvisa.
O delegado Marcos Cipriano, diretor da Polinter e até duas semanas atrás titular da Delegacia de Repressão a Crimes contra a Saúde Pública do Rio de Janeiro, cita um caso que ilustra bem o padrão a que chegaram os bandidos dos remédios. "Em uma das quadrilhas, o chefão foi ao Paraguai em jatinho fretado para recolher mais de R$ 200 mil em anabolizantes para distribuir em academias do Rio", conta.
Grande parte dos produtos ilegais vem do Paraguai (outros fornecedores fortes estão na Bolívia, Argentina e também China). Em geral, eles são descarregados em Mato Grosso e, de lá, vão para grandes metrópoles brasileiras e chegam ao consumidor, oferecidos em bancas de camelô, sites da internet ou em farmácias, majoritariamente as de periferia, menos fiscalizadas.
Do que se sabe até agora, o principal meio de venda dos medicamentos piratas é a internet. Multiplicam-se na rede as ofertas de remédios em sites sem nenhuma segurança, nos quais marcas de altíssima procura são vendidas pela metade do preço ou até menos. Para combater esse crime, a Associação Brasileira de Empresas de Software tirou do ar 5,4 mil páginas da web em que eram vendidos produtos farmacêuticos ilegais. "Na internet, a comercialização é facilitada porque a identificação do criminoso e o controle das vendas são ainda mais difíceis", explica Luiz Paulo Barreto, presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria. O mesmo anonimato que protege o bandido em alguns casos estimula o consumidor, como na compra dos produtos contra a disfunção erétil, por exemplo.
Quem procura um vendedor ambulante também encontra facilidade na compra. Em camelódromos, como o que existe no centro da cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, é fácil chegar ao fornecedor de remédios para emagrecer. Bastam algumas perguntas para os vendedores ambulantes e logo aparece alguém oferecendo um produto ilegal.
Nas farmácias - teoricamente o lugar mais seguro - o comprador precisa ficar atento. Muitos estabelecimentos já foram flagrados pela polícia vendendo medicamentos irregulares. Embora isso seja mais comum nos estabelecimentos longe dos centros das cidades e menos fiscalizados, os dirigentes da Anvisa admitem que algumas vezes os remédios piratas chegam ao consumidor inclusive por meio dos balcões de estabelecimentos regularizados.
O farmacêutico Jaldo Santos, presidente do Conselho Federal de Farmácia, reconhece que o número de profissionais que respondem, na entidade, a processos por venda de remédios ilegais aumentou. "Ficaram em torno de 100 nos últimos cinco anos", afirma. Ele, porém, defende a classe: "Na maioria das vezes, a irregularidade é cometida pelo dono da farmácia e o farmacêutico nem fica sabendo", diz.
"A enorme carga tributária influencia o aumento desse mercado negro" André Montoro, presidente-executivo do Instituto Etco
Diante do gigantismo do problema, empresas e o governo federal se mobilizam para tentar detê-lo. O laboratório Pfizer, por exemplo, acaba de mudar bastante a embalagem do Viagra. Além do lacre de segurança exigido pela legislação, a empresa Eli Lilly, fabricante do Cialis, dotou a embalagem do produto de garantias adicionais, como uma fita que ao ser friccionada por um metal deixa aparecer o nome do laboratório, e um selo holográfico especial.
A Anvisa, por sua vez, investe em nova tecnologia para que seja possível combater os piratas de forma mais eficaz. A partir do ano que vem, será colocado em funcionamento um novo esquema antifalsificação baseado em código de pontos bidimensionais, sistema de rastreamento e identificação de medicamentos que parece ser a última palavra no combate à pirataria. Algo semelhante ao código de barras, com informações como lote, datas e locais de venda.
A pena para falsificadores de remédio é mais dura do que a imposta a quem copia CD ou DVD. Quem for pego fabricando, falsificando ou vendendo medicamento ilegal corre o risco de ficar preso de dez a 15 anos. "A infração foi incluída na categoria de crime hediondo", explica o delegado federal Adílson Bezerra, chefe de Inteligência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Já a pena para a falsificação de um DVD, por exemplo, vai de dois a quatro anos.
Fonte: Revista Istoé (27/05/2009)
Retirado do site "Bayer contra a pirataria"
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