sexta-feira, 19 de março de 2010

Carta do Papa sobre pedofilia marca o fim da política de silêncio


A "Carta Pastoral" de Bento XVI aos irlandeses, que o Vaticano divulgará sábado, representa o primeiro documento escrito por um Papa sobre a pedofilia e confirma a vontade da Igreja, nesta última década, de quebrar a barreira do silêncio, sustentam os vaticanistas.
A política do silêncio, aplicada durante décadas pelo Vaticano, foi acatada inclusive pelo então cardeal Joseph Ratzinger, hoje Bento XVI, segundo denúncias da imprensa alemã que o acusam de ter hospedado, em 1980, em sua diocese de Munique, um sacerdote com antecedentes de abusos a menores, para ser submetido à terapia.
O religioso foi transferido depois a uma paróquia sem que Ratzinger, a maior autoridade local, tenha sido informado e voltou a transgredir.
O caso ilustra a atitude da hierarquia católica até que explodiram, em 2000, numerosos e graves escândalos de pedofilia nos Estados Unidos.
Em 2001, João Paulo II publicou um documento especial, um "motu propio", qualificando o comportamento de "crime grave", iniciando, assim, a ruptura com o passado.
O documento papal havia sido elaborado pelo então cardeal e teólogo Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
Entre as medidas adotadas e comunicadas pelo Vaticano estava a de convidar os bispos a afastarem imediatamente os padres denunciados por pedofilia.
"Nos últimos 15 anos vem sendo vivenciada uma verdadeira revolução na Igreja", explicou à AFP o vaticanista Marco Politi.
"A mudança é tão importante, que até o Papa, hoje em dia, pede que se denunciem os casos", acrescentou.
"Bento XVI arremeteu contra o fenômeno desde o início de seu pontificado, em 2005, quando ordenou ao padre mexicano Marcial Maciel, fundador dos Legionários de Cristo, que deixasse as celebrações religosas em público, depois de ter sido alvo de múltiplas acusações por abuso a menores seminaristas", recorda John Allen, especialista americano em assuntos do Vaticano.
"O pontífice também se encontrou com as vítimas, durante viagens aos Estados Unidos e à Austrália", destaca.
Os casos de pedofilia cometidos por padres aumentam a cada dia e afetam vários países e numerosas instituições que educam milhões de jovens em todo o mundo.
O desafio é também financeiro. A igreja americana pagou, em 2008, 436 milhões de dólares em indenizações.
"A hierarquia da Igreja está consciente, agora, de que não se pode guardar silêncio nem limitar-se a transferir o sacerdote culpado, sob o risco de cometer novas atrocidades", sustenta outro especialista, Sandro Magister, na revista italiana L'Espresso.
Para o bispo italiano de Alessandria, Giuseppe Versaldi, "graças ao rigor" de Bento XVI as conferências episcopais de todo o mundo não temem que cheguem à luz as denúncias, colaborando com as autoridades penais para que os "culpados sejam punidos".
"A carta aos católicos irlandeses será o primeiro documento oficial de um Papa sobre a pedofilia na sociedade contemporânea", destaca Marco Politi.

G1

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