segunda-feira, 8 de junho de 2009

Trabalho Infantil


*Por Antonio Gomes da Costa

No início dos anos 90, eu era presidente do CBIA (Centro Brasileiro para Infância e Adolescência), órgão que, após a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, substituiu a antiga FUNABEM. Naquele período, o diretor da OIT(Organização Internacional do Trabalho) era, pela primeira vez, um brasileiro, o Dr. Wilson Vieira dos Santos. Ele procurou-me para que, juntos, pudéssemos lutar para a introdução do Brasil no IPEC (Programa Internacional de Erradicação do Trabalho da Criança). A partir desse momento, fizemos gestões junto a Presidência da República e ao Itamarati, visando inserir o Brasil entre os países pioneiros da nova iniciativa internacional apoiada pelo governo alemão. Este foi o primeiro passo para que a abolição do trabalho infantil, maior herança do nosso passado escravocrata, ganhasse espaço destacado no movimento de promoção e defesa dos direitos da população infanto-juvenil brasileira.
O escritório da OIT no Brasil tornou-se, então, o ponto de convergência de um amplo arco de forças que incluía o Ministério do Trabalho, o UNICEF, o Ministério Público Federal do Trabalho, a CNI (Confederação Nacional da Indústria), as três centrais sindicais (CUT, CGT e Força Sindical) e a Federação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura. Como nosso expert maior no assunto, pontificava o Dr. Oris de Oliveira, professor da Escola de Direito da USP e Juiz do Trabalho aposentado. Foi nas discussões, ali travadas, que nasceram as bases conceituais do PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e uma série de iniciativas da sociedade civil, dentre as quais se destaca o brilhante trabalho desenvolvido por Oded Grajew à frente da ABRINQ.
No campo do panorama legal, teve início um esforço de advocacia ética, social e política para que o Governo Brasileiro ratificasse as convenções da OIT relacionadas ao trabalho infantil, o que, definitivamente veio a ocorrer. Este foi um importante passo para que o Brasil se alinhasse com a comunidade internacional no campo dos direitos da criança e do adolescente.
Naquele tempo, a sociedade civil brasileira estava dividida em duas grandes tendências e correntes de pensamento em relação ao trabalho infantil. De um lado, estavam os que defendiam a humanização do trabalho da criança, alegando que ele fazia parte da estratégia de sobrevivência das famílias de baixa renda. De outro, estávamos nós, os que defendiam a abolição total e irreversível do trabalho da criança, ou seja, em vez de ajudar a criança para a criança ajudar a família, o certo deveria ser ajudar a família para a família ajudar a criança, e essa acabou sendo a opção estrutural do Estado Brasileiro. O inspirador maior dessa segunda linha de pensamento, como não podia deixar de ser foi o Dr. Oris de Oliveira, o homem de quem, desde então, tenho me esforçado para ser um bom discípulo. Ele aplicou o conceito de condição peculiar de desenvolvimento da criança e do adolescente do ECA à questão do trabalho, afirmando: “a criança não pode e não deve trabalhar, o adolescente deve estudar e pode trabalhar dentro das condições estabelecida na Constituição e nas Leis, já para o adulto, o trabalho é um direito, ou seja, o adulto deve trabalhar e pode estudar”.
"(...) a expressão correta deveria ser exploração da mão-de-obra da criança, pois isto evitaria a possibilidade de interpretação ambígua com o conceito de trabalho da criança e do adolescente como princípio educativo."
Não podemos e nem devemos confundir a exploração da mão-de-obra da criança e do adolescente com o trabalho como princípio educativo. Por exemplo, uma criança trabalhando num canavial ou num forno de produzir carvão é algo que deve ser reprimido da forma mais enérgica possível. Já uma criança trabalhando numa horta escolar deve ser algo louvável, pois se trata do trabalho educativo, uma atitude pedagógica que tem raízes profundas na história da educação. O artigo 68 do ECA trata do trabalho educativo como sendo aquele em que a dimensão pedagógica se coloca acima da dimensão produtiva.
Como caracterizar, então, o trabalho infantil? Em primeiro lugar, em meu entendimento, a expressão correta deveria ser exploração da mão-de-obra da criança, pois isto evitaria a possibilidade de interpretação ambígua com o conceito de trabalho da criança e do adolescente como princípio educativo. Em segundo lugar, é preciso deixar claro que, no entendimento de muitos especialistas nessa questão, trabalho infantil é aquela forma de exploração laboral que prejudica a saúde, a vida escolar e o direito da criança ao lazer e a recreação.
Dada a complexidade dessa questão, um amplo e saudável debate tem ocorrido em nossa sociedade em relação a atuação de crianças e/ou adolescentes em atividades artísticas, esportivas e publicitárias. As posições sobre esses temas ainda estão longe de gerar uma sólida base de consenso sobre eles. Por isso, decidi abordá-los em um próximo artigo.

*Antonio Carlos Gomes da Costa é pedagogo e participou da comissão de redação do Estatuto da Criança e do Adolescente

Fonte: Portal Pró-Menino

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