segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Brasileiras fazem uso indevido da pílula do dia seguinte


Estudo revela que as mulheres ignoram os malefícios do método emergencial quando adotado em excesso

Márcia Neri

Falar de sexo e de meios para se evitar uma gravidez não desejada deixou de ser um tabu nas grandes e médias cidades do Brasil há algum tempo. No entanto, a desinformação ainda ronda a realidade dos brasileiros quando o assunto é a pílula do dia seguinte. Homens e mulheres nem sempre entendem que o medicamento é uma alternativa de emergência, indicada apenas em situações em que a relação sexual ocorreu de forma desprotegida, em caso de falha de outro método contraceptivo ou de violência sexual.
Ana* chegou a tomar a pílula mais de uma vez em um único ciclo menstrual: riscos elevadíssimos de problemas de saúde
O anticoncepcional de emergência chegou ao Brasil no fim da década de 1990, mas nos Estados Unidos a droga já é usada há mais tempo. Alguns estudos revelam que o medicamento é conhecido. O objetivo da droga e a maneira como ela deve ser administrada é que geram confusão. Uma pesquisa desenvolvida recentemente pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) com profissionais e jovens usuários das unidades básicas de saúde de parte da capital paulista comprova a falta de informação.
O trabalho revelou que menos de 20% das pessoas entrevistadas pela equipe da USP sabiam que a pílula do dia seguinte é indicada para evitar a gravidez apenas em situação emergencial, em que o sexo foi feito sem proteção. Os pesquisadores ficaram surpresos com o desconhecimento. “Parece contraditório, mas percebemos que as pessoas conhecem a pílula do dia seguinte, se posicionam a favor ou contra o medicamento, mas não têm ideia de que ele não é um método rotineiro de contracepção, e sim de emergência”, observa o coordenador da pesquisa da USP, Fernando Lefevre. “Para 30% dos homens e 45% das mulheres, a anticoncepção emergencial serve simplesmente para evitar a gravidez como qualquer outro método. Apenas 17% deles e 13% delas estavam cientes de que essa pílula deve ser usada somente em momentos especiais”, acrescenta.
Para os médicos, a pesquisa reflete a realidade do país em relação ao assunto. Segundo o ginecologista e obstetra Avelar de Holanda Barbosa, o desconhecimento tem promovido o uso indevido e equivocado da pílula emergencial. “Os acessos à informação apropriada e à saúde ainda são restritos no Brasil. Como consequência, muitas mulheres não tomam a pílula do dia seguinte adequadamente. É necessário orientar a população, assim como foi feito com a camisinha”, sugere.
O especialista explica que o medicamento de emergência não é um anticoncepcional convencional e que deve ser ingerido no máximo 72h depois da relação sexual desprotegida. “A anticoncepção de emergência torna o endométrio um ambiente inóspito para a implantação do embrião. Os hormônios presentes na droga impedem a ovulação se ela está prestes a acontecer ou dificultam o encontro do óvulo com o espermatozoide”, diz. “É importante salientar que a pílula reduz as chances de gravidez, mas não é abortiva como muitas pessoas julgam. Muito pelo contrário, se a mulher estiver grávida, esse medicamento ajudará a proteger o óvulo”, afirma Barbosa.

Muitos hormônios

Alguns estudos sugerem que a pílula emergencial pode ter efeito até cinco dias depois da relação desprotegida. “No entanto, é preciso entender que, depois do ato sexual, quanto antes o remédio for tomado, mais eficaz ele será. Se administrado nas primeiras horas, a efetividade é de aproximadamente 95%. Na medida que o tempo passa, o efeito diminui”, alerta o ginecologista Petrus Sanchez. O médico lembra que a pílula emergencial contém alta dose hormonal, pode causar desconforto em algumas mulheres e não protege contra doenças sexualmente transmissíveis. “O contraceptivo do dia seguinte praticamente não tem contraindicação, mas pode desregular o ciclo menstrual, causar náuseas, vômitos e inchaços em alguns casos. As que abusam do medicamento ficam sujeitas a uma grande irregularidade do período menstrual, o que acaba impossibilitando o cálculo do período fértil”, alerta Petrus.
A secretária Ana*, 24 anos, já lançou mão da pílula do dia seguinte em diversas oportunidades para evitar a gravidez. “Cheguei a tomá-la mais de uma vez em um único ciclo. Não tinha orientação médica e, quando esquecia de tomar o anticoncepcional convencional, não pensava duas vezes, pois não queria sequer imaginar ser mãe sem planejar”, confessa. O medicamento não causava incômodos, mas o ciclo ficou completamente desregulado. “Quando fui ao ginecologista entendi que, como qualquer remédio, a ingestão excessiva dessa pílula pode trazer consequências. Hoje, me previno com outros métodos e usaria a contracepção emergencial somente em casos de emergência mesmo”, diz a moça.
A estudante Daniela*, 25 anos, também foi usuária do contraceptivo do dia seguinte por pelo menos três vezes. “Usei em momentos nos quais, por um motivo ou outro, não me preveni e nem estava tomando anticoncepcional convencional. Para evitar uma gravidez indesejada, achei mais prudente tomar a pílula do dia seguinte. Confesso que não me senti bem. A dosagem hormonal é realmente forte e senti muito cansaço, enjoo, meu corpo ficou inchado e tive oscilações de humor também”, conta.

* Nomes fictícios a pedido das entrevistadas
Veja infográfico sobre a pílula visitando o "Correio Braziliense'

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Verbratec© Desktop.