sábado, 3 de outubro de 2009

Que vida boa em Tremembé...


Vida boa no cárcere
Por Caio Barreto Briso

Passamos três dias na penitenciária de segurança média Doutor José Augusto César Salgado, em Tremembé, a 130 quilômetros da capital. Ali estão 296 presos, entre eles Roger Abdelmassih, Alexandre Nardoni, Lindemberg Fernandes e os irmãos Cravinhos, envolvidos em casos de grande repercussão pública

Sobre o portão azul da entrada principal, uma frase estampada na parede soa quase como uma sentença: 'Este presídio só recebe o homem. O delito e seu passado ficam nesta portaria'. O advogado C., de 29 anos, que acabara de chegar naquela quinta-feira (24 de setembro), acusado de estuprar uma menina de 13 em Araçatuba, no interior do estado, desvia o olhar da escrita e, aflito, dispara a perguntar: ' Como é aqui? Serei bem tratado? Há cela especial para quem tem nível superior? A comida é boa? ' Acostumado com a cena — só naquele dia sete novos presos passaram ali —, o agente penitenciário responde: ‘ Garoto, você está no paraíso ’. Comparada a boa parte das 74 penitenciárias do estado de São Paulo, a P-II, como Tremembé é conhecida, de fato proporciona vida diferenciada a seus presos. As celas de 15 metros quadrados do segundo pavilhão, por exemplo, com capacidade para seis pessoas, não são ocupadas por mais que cinco. A comida, feita por 24 presos e que alimenta tanto os confinados como os diretores do presídio, é boa. Aulas de música e inglês, campeonatos de xadrez e concursos de poesia são algumas das atividades regulares. A unidade tem ainda duas oficinas de usinagem e montagem de torneiras, templo ecumênico e um campo de futebol.

Construída em 1948, Tremembé recebe desde 2002 os chamados presos especiais. A maioria dos 296 detentos que cumprem pena em regime fechado possui ensino médio ou nível superior. São presos que costumam sofrer rejeição junto à população carcerária comum por terem cometido crimes como pedofilia e estupro. Também abriga pessoas que correriam risco de vida em outra penitenciária, como ex-policiais e ex-agentes penitenciários. E ainda presos envolvidos em casos de grande repercussão. Atualmente, ocupam suas celas, que variam de 8 a 15 metros quadrados, o médico Roger Abdelmassih, denunciado por 56 acusações de estupro, Alexandre Nardoni, acusado de matar a filha Isabella, os irmãos Cravinhos, condenados pela morte dos pais de Suzane von Richthofen, o segurança Lindemberg Alves, acusado de matar a ex-namorada Eloá Pimentel, de 15 anos, e o segurança João Alexandre Rodrigues, que confessou ter esquartejado e queimado seus dois filhos (veja quadros ao longo da reportagem). ‘ Nenhum dos famosos dá trabalho. Todos têm ótimo comportamento ’, diz o diretor de segurança P. — a pedido da direção do presídio, presos e funcionários serão identificados somente pela inicial de seus nomes.

Em Tremembé o dia começa cedo. Às 5h45 é feita a primeira contagem nos dois pavilhões. As portas das celas são abertas e os agentes penitenciários contam preso por preso — ritual que se repete outras duas vezes, às 11h e às 17h15. Na cozinha, 280 quilos de arroz e 140 quilos de carne são colocados no fogo logo às 7h30. Todas as refeições são servidas na cela. Na quarta-feira (23), o cardápio do almoço era arroz, feijão, bife à rolê, rúcula e tomate. No dia seguinte: arroz, feijão, picadinho de carne com bacon, abóbora e berinjela com queijo. De sobremesa, banana e laranja. Na lavanderia, duas equipes de oito presos se revezam na tarefa de lavar 400 quilos de roupas por dia. ‘ Preso é vaidoso e gosta de andar cheiroso, de roupa lavada e banho tomado ’, diz J., há poucos meses em Tremembé, acusado de trᬬfico de drogas.



Cela de 15 metros quadrados do Pavilhão 2: três beliches, TV, banheiro e chuveiro frio


De manhã e à tarde, o corredor de acesso aos pavilhões fica movimentado. Ali acontecem as aulas de informática, inglês, ensinos fundamental e médio. Na igreja ecumênica são realizadas as missas católicas e os cultos evangélicos, concorridíssimos. Em frente à igreja, fica a sala de música. I., professor do ensino médio, está sentado no fundo da sala, sozinho, à espera de seus alunos. Lê um livro do crítico russo Mikhail Bakhtin. Mestre em linguística, o doutorando desenvolve sua tese de mestrado na prisão. Ele aproveita o tempo para ler, escrever e estudar. Diz que já escreveu, nos cinco meses em que está em Tremembé, duas peças de teatro. Fiódor Dostoiévski é seu escritor predileto. ‘ Em Crime e Castigo fica claro que a prisão mais severa é a nossa própria consciência. As paredes não prendem. Eu estou preso, mas não me sinto assim.’ Ex-agente penitenciário acusado de corrupção, ele diz ter sido torturado para assinar uma confissão inverídica. Divide a cela 105 com Alexandre Nardoni. ‘A pior coisa de estar preso é a indefinição de não saber quando seremos julgados.’

As visitas acontecem aos finais de semana. Oitenta presos recebem seus parentes aos sábados e o mesmo número aos domingos. Mais da metade das visitas são íntimas, quando eles compartilham com suas mulheres, companheiras ou namoradas um dos 25 quartos especiais com colchão sobre uma cama de concreto, pia, vaso sanitário e chuveiro — de água fria. Se a saudade aperta, eles escrevem cartas. Cerca de 2 000 saem do presídio a cada mês. Chega um pouco menos, 1 500. Outro número que impressiona é o de empréstimos de livros na biblioteca. Dos 6 000 títulos, mais de 700 são retirados a cada mês. Os romances policiais de Agatha Christie fazem sucesso. Eça de Queirós e Sidney Sheldon também. C., o número 1 no ranking de xadrez da penitenciária (são dezenove vitórias em vinte partidas), já devorou todos os livros da biblioteca sobre o jogo. Ele diz ter se formado em literatura inglesa na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. É acusado de estupro. ‘Xadrez é uma metáfora da vida. Ganha quem planejar melhor.’
Cerca de 23% dos presos que estão ali cumprem pena por homicídio. É o caso do paraibano J. Ele diz que já perdeu a conta de quantas pessoas assassinou. ‘ Na última vez que contei, eram 21 ’, afirmou. O que sente após matar? ‘Na primeira vez é difícil. Depois, é igual matar galinha.’ Sua primeira vítima foi um homem que assaltou sua casa. Se pudesse voltar no tempo, J. diz que teria feito diferente. Não por arrependimento, mas porque ficar preso, ainda que seja em Tremembé, é muito ruim.

Fonte: Veja São Paulo

Um comentário:

  1. Olha,tenho um parente ai em tremembé e acho que por mais conforto tenha este lugar imagino que ele não ve a hora de sair dai...e eu não vejo a hora de abraça-lo...te amo meu tio...

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