quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Cruz Vermelha quer acesso aos presídios do Rio



A organização espera identificar situações onde haja tratamentos desumanos, como ausência de espaço e higiene, casos de tortura e abuso de autoridade, para agir da mesma forma que em outros centros de detenção, como Guantánamo em Cuba e Bagram no Afeganistão. Para o chefe da delegação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha para o Cone Sul, Michel Minnig, não há guerra na capital carioca, mas existem algumas características que são comparáveis aos conflitos armados.

O chefe de Delegação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) para os países do Cone Sul, Michel Minnig, reuniu-se em Brasília com o Ministério da Justiça, dia 18 de setembro, para garantir o acesso da organização aos presídios do Rio de Janeiro. O CICV espera identificar situações onde haja tratamentos desumanos, como ausência de espaço e higiene, casos de tortura e abuso de autoridade, para agir da mesma forma que em outros centros de detenção, como Guantánamo em Cuba e Bagram no Afeganistão.
Autoridade internacional quando se trata de guerras e conflitos armados, há alguns anos a organização decidiu agir em outras situações de confronto, como no Rio. “Eu não diria que é o local do Brasil mais afetado pela violência urbana, mas é onde existe uma visibilidade bastante importante” declarou Minnig. O delegado também reforçou inúmeras vezes que na capital carioca não há guerra, por não haver reconhecimento jurídico de todos os agentes envolvidos. Mas citou algumas características presentes no Rio que são comparáveis aos conflitos armados: grupos armados oficiais (policiais, batalhões de choque) e não-oficiais (gangues, comandos e milícia); local de confronto, as favelas; e alto número de vítimas entre os moradores das comunidades.
A implantação de um escritório na capital carioca, em março deste ano, acompanha outras mudanças no discurso da organização. Porta-voz oficial do Direito Internacional Humanitário (DIH), o CICV nunca se pautou pela resolução dos conflitos armados. Suas ações sempre tiveram outro objetivo: o de amenizar a dor dos civis atingidos pela violência ao fazer valer as “leis da guerra”. Mas agora, diante das novas situações de confronto ao redor do mundo, adota os princípios pacifistas dos direitos humanos em ações preventivas.
Para o Rio, além das ações nos presídios, a organização decidiu implantar projetos que atendam “as favelas dentro das favelas, onde estão as pessoas que carecem de tudo”, diz Minnig. Serão cerca de 500 mil moradores beneficiados com ações de promoção da saúde e prevenção de doenças, além da assistência aos jovens dentro e fora das escolas. Mas o grande foco do CICV é a força policial. Desde 1998 a entidade promove um programa no qual as normas dos direitos humanos, juntamente com a legislação brasileira, são transmitidas às autoridades. Com isso pretende que as diretrizes humanitárias internacionais sejam sempre associadas ao uso da força para manter ou restabelecer a ordem.
São mudanças de discurso que, apesar de indicarem uma adaptação ao novo e grave cenário de violência, parecem desafiar alguns dos princípios da própria entidade. Durante conflitos armados, o CICV não toma partido por algum dos lados. Ao adotar esta postura de “neutralidade”, tenta garantir o acesso e a execução de medidas em prol das vítimas civis, quaisquer sejam.
A situação no Rio é diferente. Por não se caracterizar como conflito armado, o diálogo entre o CICV e todos os envolvidos na questão da violência é complicado. Os mandantes do crime organizado não são considerados grupos armados organizados e “conceder-lhes voz seria legitimar suas ações”, declarou Minnig. No entanto, a própria Polícia Civil do estado admite que muitas das favelas cariocas são controladas pela milícia e pelo tráfico, segundo o delegado Claudio Ferraz, titular da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (DRACO). Dessa forma, não há como fugir do diálogo. Isso significaria um sério entrave para a circulação da organização, acostumada ao passe livre concedido por sua postura de neutralidade nos conflitos tradicionais.
Segundo o jornalista Carlos Costa, coordenador de diversos projetos da ONG Viva Rio nas favelas cariocas, as organizações que se propõem a agir em meio aos confrontos devem necessariamente criar pactos entre as diferentes partes, seja a força policial, seja a força criminosa. Ou devem adotar uma postura de “não sei e não vi” para atuar com liberdade.

Entenda mais:
Segundo o Direito Internacional, o que é necessário para uma situação de violência ser considerada um Conflito Armado?

1º Caso: Conflito Armado Não Internacional ou Guerra Civil
- O governo decide empregar suas forças armadas em confrontações com outros grupos armados organizados ou dissidentes das próprias forças armadas.

- Grupos armados organizados são aqueles sob a liderança de um comando responsável, que exercem controle sobre algum território de forma planejada e duradoura.

2º Caso: Conflito Armado Internacional
- Situação em que dois ou mais Estados declaram guerra entre si, mesmo que uma das partes não reconheça a ação.

- Outro caso seria a invasão da totalidade ou parte do território de um Estado por outro, mesmo que não haja resistência de quem sofre a ocupação.

Quais as diferenças básicas entre Direito Internacional Humanitário (DIH) e Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH)?

O DIDH reúne os títulos legais, inalienáveis, que todo ser humano possui: o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Ele se aplica em qualquer circunstância, pacífica ou não. O grande porta-voz do DIDH é a Organização das Nações Unidas (ONU).

Já o DIH, também conhecido como Lei da Guerra, só é aplicado durante conflitos armados. Ele divide a população envolvida em dois grupos: combatentes (militares) e não-combatentes (civis). Por meio dessa divisão, o DIH determina que os combatentes são proibidos de transformar civis em vítimas, incluindo os do lado inimigo. Além disso, devem tratar com decência seus prisioneiros de guerra. Em resumo, somente as mortes entre os militares podem ser aceitas. E para garantir o cumprimento dessa lei, o CICV atua durante os conflitos.

Quantidades de presos/internados no Brasil*
Regime Fechado: 170.098
Regime Semi-aberto: 63.491
Regime Aberto: 21.175
Presos provisórios: 134.308
Medida de Segurança – Internação: 2849
Medida de Segurança – Tratamento Ambulatorial: 358
Total – 392.179

*Homens e mulheres, já somados os presos provenientes da Polícia/ Justiça Federal, com base nas informações dos estabelecimentos prisionais.
Fonte: Depen (Departamento Penitenciário Nacional)


Por Manoela Mayer
Foto menor: André Cruz
Boletim Carta Maior

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