A entomologia forense auxilia investigações policiais a partir da análise de insetos e de larvas colhidos na cena do crime ou nos corpos das vítimas
Elas são presenças constantes nas áreas urbanas e rurais do mundo todo e costumam causar nojo nas pessoas, por causa das doenças que podem espalhar e dos ambientes onde se proliferam – latas de lixo, esgoto e aterros sanitários. No entanto, as moscas, insetos pertencentes à ordem diptera (que significa duas asas), são também protagonistas de disputas judiciais e investigações de casos criminais, ajudando a desvendar mistérios que intrigam até mesmo os mais experientes policiais.
De animais irritantes e repulsivos, elas passaram a ser peças fundamentais para explicar em que circunstância uma pessoa morreu ou se houve ou não maus-tratos a uma criança graças a uma técnica que parece retirada da ficção, mas é muito real: a entomologia forense.
Apesar de ser ainda pouco conhecida por grande parte dos brasileiros, essa ciência conta com renomados especialistas no país, que trabalham em parceria com as polícias civis de vários estados. No laboratório onde esses cientistas trabalham, não há nenhum animal “fofinho”. Sob a lente dos microscópios, nas câmaras climáticas (freezers e estufas) e nas gavetas, estão muitos insetos, principalmente as moscas, e larvas. No espaço de pesquisa, chama a atenção também o cheiro desagradável de carne em estado de decomposição, que serve para alimentar os bichos, e de naftalina, que conserva os exemplares do acervo.
“É um trabalho minucioso. Desde 2003, já atuamos em cerca de 30 casos e obtivemos êxito em mais de 70% deles. Muitos ainda correm em segredo de Justiça”, conta o professor José Roberto Pujol Luz, responsável pelo Núcleo de Entomologia Urbana e Forense da Universidade de Brasília (UnB). Entre as investigações mencionadas, está o assassinato da adolescente brasiliense Isabela Tainara, em maio de 2007. O corpo da jovem foi encontrado dias depois de seu desaparecimento em um matagal, fator que, na época, trouxe muitas dúvidas aos investigadores.
Em casos como esse, o especialista explica que o trabalho consiste em cruzar informações, como o laudo pericial e fotografias, com a análise dos insetos achados no local e de larvas que tenham sido depositadas no cadáver (veja quadro). “As moscas pousam no corpo em decomposição e depositam os ovos, de onde eclodem as larvas que vão se alimentar daquela matéria orgânica e, posteriormente, com a camada externa endurecida, vão se transformar em um casulo. Por fim, temos as moscas adultas”, resume o professor.
Para chegar à conclusão de quando uma morte ocorreu, os pesquisadores também utilizam corpos de porcos e outros animais. O intuito é conhecer as espécies que colonizam aquele cadáver, como elas se dispersam depois da alimentação, entre outros aspectos, e assim fazer os cálculos. “Nos Estados Unidos, é permitido o uso de corpos humanos para esse tipo de experimento. Porém, aqui no Brasil ainda há uma barreira cultural. No momento, dedico-me à discussão sobre o uso de restos de cadáveres que não sejam mais utilizados pelas faculdades de medicina”, afirma Pujol.
Barra de cereal
Nem todos os casos, porém, estão relacionados a mortes violentas. O pesquisador conta que já usou a entomologia para ajudar a solucionar um episódio no mínimo inusitado. “Uma criança encontrou uma larva dentro de uma barra de cereal de marca famosa. A partir da biologia do inseto e vistoria nos galpões da empresa, o juiz pode concluir que ele havia se desenvolvido dentro do pacote. A família da criança ganhou a ação”, lembra.
A equipe da UnB conta com um verdadeiro banco de dados repleto de informações sobre o tempo e o modo de vida das larvas. Atualmente, 15 pessoas trabalham no laboratório, entre professores, peritos da Polícia Civil e alunos de graduação e pós-graduação. A estudante Karine Barros, 25 anos, é uma das responsáveis pela observação e coleta de dados das moscas desde a fase do ovo até a idade adulta, no laboratório da UnB. “Dormi aqui durante duas semanas e me dediquei à pesquisa que contribuiu para a elaboração do banco de dados atual. Cheguei a ficar acordada durante 24 horas, acompanhando as fases de desenvolvimento das moscas, pois cada minuto é fundamental”, diz. Já o trabalho desenvolvido pela aluna de doutorado Cecília Kosmann, 25, tem várias etapas. A primeira delas consiste em analisar o impacto da urbanização no habitat da família Calliphoridae. “Nossa atuação pode trazer várias respostas à sociedade. Por isso a considero tão fascinante”, afirma.
Em Rio Claro (SP), no campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp), profissionais e alunos também se dedicam à essa ciência, buscando aprimorar a arte de obter respostas com o auxílio da fauna cadavérica. Exemplo disso é um estudo publicado recentemente, liderado pelo professor do Instituto de Biociências Cláudio Von Zuben e por Arício Linhares, um dos primeiros entomologistas forenses do Brasil, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A pesquisa mostrou que determinadas substâncias químicas, como o medicamento comercialmente conhecido como Buscopan, podem interferir no desenvolvimento normal das larvas. “A alteração pode levar à conclusão errada sobre a hora da morte”, observa Zuben.
Correio Braziliense
Elas são presenças constantes nas áreas urbanas e rurais do mundo todo e costumam causar nojo nas pessoas, por causa das doenças que podem espalhar e dos ambientes onde se proliferam – latas de lixo, esgoto e aterros sanitários. No entanto, as moscas, insetos pertencentes à ordem diptera (que significa duas asas), são também protagonistas de disputas judiciais e investigações de casos criminais, ajudando a desvendar mistérios que intrigam até mesmo os mais experientes policiais.
De animais irritantes e repulsivos, elas passaram a ser peças fundamentais para explicar em que circunstância uma pessoa morreu ou se houve ou não maus-tratos a uma criança graças a uma técnica que parece retirada da ficção, mas é muito real: a entomologia forense.
Apesar de ser ainda pouco conhecida por grande parte dos brasileiros, essa ciência conta com renomados especialistas no país, que trabalham em parceria com as polícias civis de vários estados. No laboratório onde esses cientistas trabalham, não há nenhum animal “fofinho”. Sob a lente dos microscópios, nas câmaras climáticas (freezers e estufas) e nas gavetas, estão muitos insetos, principalmente as moscas, e larvas. No espaço de pesquisa, chama a atenção também o cheiro desagradável de carne em estado de decomposição, que serve para alimentar os bichos, e de naftalina, que conserva os exemplares do acervo.
“É um trabalho minucioso. Desde 2003, já atuamos em cerca de 30 casos e obtivemos êxito em mais de 70% deles. Muitos ainda correm em segredo de Justiça”, conta o professor José Roberto Pujol Luz, responsável pelo Núcleo de Entomologia Urbana e Forense da Universidade de Brasília (UnB). Entre as investigações mencionadas, está o assassinato da adolescente brasiliense Isabela Tainara, em maio de 2007. O corpo da jovem foi encontrado dias depois de seu desaparecimento em um matagal, fator que, na época, trouxe muitas dúvidas aos investigadores.
Em casos como esse, o especialista explica que o trabalho consiste em cruzar informações, como o laudo pericial e fotografias, com a análise dos insetos achados no local e de larvas que tenham sido depositadas no cadáver (veja quadro). “As moscas pousam no corpo em decomposição e depositam os ovos, de onde eclodem as larvas que vão se alimentar daquela matéria orgânica e, posteriormente, com a camada externa endurecida, vão se transformar em um casulo. Por fim, temos as moscas adultas”, resume o professor.
Para chegar à conclusão de quando uma morte ocorreu, os pesquisadores também utilizam corpos de porcos e outros animais. O intuito é conhecer as espécies que colonizam aquele cadáver, como elas se dispersam depois da alimentação, entre outros aspectos, e assim fazer os cálculos. “Nos Estados Unidos, é permitido o uso de corpos humanos para esse tipo de experimento. Porém, aqui no Brasil ainda há uma barreira cultural. No momento, dedico-me à discussão sobre o uso de restos de cadáveres que não sejam mais utilizados pelas faculdades de medicina”, afirma Pujol.
Barra de cereal
Nem todos os casos, porém, estão relacionados a mortes violentas. O pesquisador conta que já usou a entomologia para ajudar a solucionar um episódio no mínimo inusitado. “Uma criança encontrou uma larva dentro de uma barra de cereal de marca famosa. A partir da biologia do inseto e vistoria nos galpões da empresa, o juiz pode concluir que ele havia se desenvolvido dentro do pacote. A família da criança ganhou a ação”, lembra.
A equipe da UnB conta com um verdadeiro banco de dados repleto de informações sobre o tempo e o modo de vida das larvas. Atualmente, 15 pessoas trabalham no laboratório, entre professores, peritos da Polícia Civil e alunos de graduação e pós-graduação. A estudante Karine Barros, 25 anos, é uma das responsáveis pela observação e coleta de dados das moscas desde a fase do ovo até a idade adulta, no laboratório da UnB. “Dormi aqui durante duas semanas e me dediquei à pesquisa que contribuiu para a elaboração do banco de dados atual. Cheguei a ficar acordada durante 24 horas, acompanhando as fases de desenvolvimento das moscas, pois cada minuto é fundamental”, diz. Já o trabalho desenvolvido pela aluna de doutorado Cecília Kosmann, 25, tem várias etapas. A primeira delas consiste em analisar o impacto da urbanização no habitat da família Calliphoridae. “Nossa atuação pode trazer várias respostas à sociedade. Por isso a considero tão fascinante”, afirma.
Em Rio Claro (SP), no campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp), profissionais e alunos também se dedicam à essa ciência, buscando aprimorar a arte de obter respostas com o auxílio da fauna cadavérica. Exemplo disso é um estudo publicado recentemente, liderado pelo professor do Instituto de Biociências Cláudio Von Zuben e por Arício Linhares, um dos primeiros entomologistas forenses do Brasil, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A pesquisa mostrou que determinadas substâncias químicas, como o medicamento comercialmente conhecido como Buscopan, podem interferir no desenvolvimento normal das larvas. “A alteração pode levar à conclusão errada sobre a hora da morte”, observa Zuben.
Correio Braziliense
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