segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O desafio de recomeçar

Jovens privados de liberdade encontram na educação e na formação profissional um motivo para construir um novo projeto para o futuro

Quadras de esporte, piscina, atividades orientadas, cursos profissionalizantes, psicólogo, assistente social, refeição balanceada. O lugar bem que poderia ser comparado a uma boa escola não fossem os muros altos e as grades dos dormitórios. Nenhum deles quer estar ali, mas a grande maioria já se deu conta de que é preciso colaborar para conseguir sair e recomeçar uma nova vida, não de onde parou, mas a partir do aprendizado de buscar superação ao passar meses e até anos privados de liberdade em um período da existência em que ser livre é a grande meta.
Primeira unidade do país a ser construída dentro dos padrões exigidos pelo Sistema Nacional de Socioeducação (Sinase), o CSE Aquiri prioriza o investimento na educação e o desenvolvimento pessoal de cada adolescente na construção de um novo indivíduo e integra o complexo de unidades socioeducativas do Acre que tentam vencer diariamente os obstáculos no processo de implantação de modelo adotado pelo Governo do Estado para a recuperação de adolescentes.

Verde-amarelo-azul - Após passarem pela Unidade Integrada de Proteção (UIP) Santa Juliana, primeira etapa do processo de reeducação social, adolescentes de 12 a 18 anos são encaminhados para o Centro Socioeducativo Aquiri. O número de internos é flutuante, mas até o fim do mês de setembro encontravam-se 82 meninos.
O tempo deste percurso depende do empenho individual, uma grande prova de superação e autodisciplina. "São três os pilares: fazer, aprender e conviver. Aos poucos eles vão adquirindo habilidades relacionais e avançando", explica o presidente do ISE, Cássio Silveira Franco.
Através do Plano Personalizado de Atendimento as demandas do jovem e de sua família são identificadas, e caso haja necessidade, eles são encaminhados aos demais projetos de Governo. Levando em conta fatores como comportamento, responsabilidade, disciplina e compromisso, o interno passa pelas fases do processo de socioeducação, com acompanhamento de equipe multidisciplinar promovendo a evolução do reeducando de acordo com sua capacidade de fazer escolhas e assumir compromissos

De volta à escola
Quase 80% dos meninos que chegam ao CSE Aquiri têm escolaridade mínima, 70% deles têm entre 15 e 18 anos. A grande maioria apenas com a 4ª série do Ensino Fundamental. Matriculados em programas de aceleração de aprendizagem muitos saem com a formação escolar básica completa. Como o adolescente Fábio (nome fictício para preservar a identidade do jovem) interno do CSE Acre que está terminando o Ensino Médio.
No CSE Aquiri os jovens são matriculados em programas de aceleração para conclusão do ensino básico, têm aulas de Educação Física duas vezes por semana, participam do projeto Aprendendo e Ensinando com o qual têm a oportunidade de repassar aos colegas o aprendizado adquirido. No CSE Acre, prédio localizado ao lado, os meninos desenvolvem o projeto Linha sobre Linha, têm aulas formais por meio do programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA), atividades esportivas como futevolei, futebol, tênis de mesa, recursos da Sala de Multimeios.
Para fortalecer ainda mais a base deste trabalho, que tem a educação como ponto convergente, um convênio inédito entre o Instituto Socioeducativo (ISE) e Senai, Senac e a ONG Vertente foi assinado em setembro para facilitar o acesso desses jovens e de outros membros da família ao ensino profissionalizante. É o Programa de Capacitação Profissional de Adolescentes idealizado para envolver não só os jovens como também os familiares.

Família é ouro
"Diz pra minha mãe não me abandonar", pede um menino de 15 anos que entra pela primeira vez em uma das unidades de recuperação social do Estado para cumprir medida socioeducativa. Esta é uma das reações mais frequentes manifestadas por adolescentes no momento de confrontação com a realidade, quando terão de deixar para trás as referências familiares e a liberdade. Sensação de abandono, medo da solidão e resistência inicial às regras são sentimentos experimentados no início do processo e que são compartilhados entre os jovens e as quase crianças na mesma condição.
Na base, apoiando e em constante movimento de capacitação para cumprir a lei e atender às exigências específicas de cada caso, estão dezenas de profissionais entre os quais professores, pedagogos, psicólogos, assistentes sociais, técnicos de áreas diversas. Mas nada disso substitui as notícias vindas de fora, um afago que já se julgava perdido. Lauro*, 17 anos, está há três meses no CSE Aquiri e não vê a hora de voltar para casa. "Muitas vezes esqueço que estou aqui, mas meu objetivo é sair logo", diz. A psicóloga Maria Freire diz que o rompimento brusco causa a sensação de abandono. "Família aqui é ouro. Qualquer notícia de fora, carta, um abraço fortalece o sentimento de que ele não está só. Às vezes as mães choram de um lado e eles de outro", conta a psicóloga acrescentando que ao traçar propósitos a partir da perspectiva da não repetição do ato infracional, do desenvolvimento do amor por si mesmo, da apropriação de valores positivos, o adolescente não fere mais ninguém.

Casa de meninas
Flores no muro, um jardim, uma velha casa. O lugar lembra um centro de recuperação social pelas grades nas portas. É o CSE Mocinha Magalhães onde estão atualmente 14 meninas. Única unidade socioeducativa feminina, a CSE Mocinha Magalhães recebe meninas de todo o Estado. O local irá passar por uma reforma e ampliação até o ano que vem. O processo licitatório foi
aberto e o projeto inclui a construção de uma brinquedoteca, um berçário e cozinha específica para panificação.
A diretora da CSE, Roza Celi Batista, diz que o índice de reincidência caiu muito em um ano. Hoje é considerado muito baixo entre as meninas, quase inexpressivo. Algumas delas chegam à casa pela segunda vez mas não ficam muito tempo. Como é o caso de Val*. Comunicativa, alegre, ela se destaca no grupo. Está interessada em aprender, está interessada em sair. Até o dia 10 de outubro estará fora da casa e de certa forma lamenta não poder fazer o curso de manicure. "Nunca imaginei que ia poder fazer um curso desse nível. Quando sair daqui quero colocar em prática".
O curso, oferecido por meio do Programa de Capacitação Profissional de Adolescentes, tem vagas para mães. Maria de Lurdes têm quatro filhos, entre eles Francisca* que cumpre medida socioeducativa. Hoje, sem trabalho e sem renda ela quer iniciar uma nova atividade. "Além do curso ser muito bom, ainda posso ficar perto da minha filha. Quando sair daqui vou fazer essas receitas pra vender", garante.(foto)

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