domingo, 31 de maio de 2009

Algozes da inocência

Observo a figura de Bento XVI e não vejo em seu olhar a bondade e a compaixão pregadas por Cristo. Não é todavia a expressão dura que me subtrai a simpatia que seria natural sentir pelo representante máximo da Igreja Católica, mas a sua incansável peroração contra a tolerância e a aceitação das diferenças, e o anacronismo de seu discurso.
Papas outros o precederam, e nenhum deles ergueu a voz a altura suficiente para conter os abusos cometidos por sacerdotes que deveriam acolher, compreender, e mitigar as aflições humanas.

Não é possível que 35 mil crianças tenham sido abusadas por padres pedófilos sem a conivência de instâncias superiores, do Estado, inclusive. De fato, e para surpresa de ninguém, a Igreja Católica fez de tudo para obstar a publicação de uma comissão de inquérito irlandesa sobre abuso infantil, que ouviu os depoimentos de milhares de ex-estudantes de mais de 250 instituições dirigidas pela igreja.

Ora, se até os piores criminosos condenam o estupro e a violência contra crianças, como pôde o governo irlandês propor a indecência de oferecer indenizações às vítimas sob a condição de não processarem a Igreja e o Estado? A compra, pelo Poder Público (e religioso) da impunidade!

Quando irá a Igreja compreender que casos como o do seminal ex-bispo paraguaio Fernando Lugo e o do frei Maurice Dillane, que aos 73 anos teve um filho com sua namorada, de 31 anos, escancaram a impossibilidade de o celibato refrear tão poderoso instinto, e aceitar a homossexualidade, quando o bispo dissidente Pat Buckley comprova que até 40% dos clérigos católicos na Irlanda são homossexuais e sexualmente ativos?

O ex-arcebispo Rembert Weakland disse que os bispos e o Vaticano se importam mais com os direitos dos padres abusadores do que com suas vítimas. É asqueirosa a prática de transferir padres abusadores para outras paróquias em vez de destituí-los da batina e denunciá-los à polícia. Homossexual, Weakland é um dos maiores críticos da política de celibato e ordenamento somente de homens.

Em que pesem as indenizações e uma ou outra condenação criminal, nada poderá resgatar a inocência perdida e a integridade física e psicológica dessas crianças, estraçalhadas pelo instinto animal descontrolado de quem delas deveria cuidar, prover e proteger.

Abusar de uma criança, ou mesmo de uma mulher, é invadir-lhes o corpo e a alma, uma brutalidade imperdoável que será lembrada pelo resto da vida, destruindo-lhes a sexualidade, aquela mesma que seus agressores perderam a chance de um dia conhecer quando violaram a intimidade alheia.

As evidências extraídas desses episódios de virar o estômago demonstram que nossas crianças, celebradas por Cristo na memorável frase “Deixai vir a mim as criançinhas”, não são adequadamente protegidas pelo Estado nem pela Igreja.


Luiz Leitão


Pravda.Ru

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