Recursos diferenciados para a turma heterogênea
Passado o receio inicial, Silvana percebeu com o tempo que quase tudo precisava ser adaptado: a postura, a maneira de falar, a avaliação e, principalmente, os materiais. "Uma pessoa que cresceu sem escutar aprende por observação. Ela precisa ver, montar e perceber os conceitos de forma concreta", diz Roseli. Foi assim, com aulas visuais e exemplos palpáveis, que conseguiu lecionar. Usou material emborrachado, quadrados, cubos, jogos, dados e desenhos. Ensinou adição com objetos que se agrupavam. Para a multiplicação, dividiu os próprios alunos da sala em quadrados desenhados no chão: três turmas de quatro igual a 12, cinco grupos de cinco crianças resultavam em 25. As frações foram entendidas com círculos desenhados na mesa em formato de pizza: com dois pedaços do total de oito, se faz um quarto. Até a probabilidade ficou mais fácil com uma boneca de papel e várias roupas para combinar.
No entanto, mesmo com materiais diferenciados e maior número de explicações orais, um cuidado essencial deve ser tomado para garantir um trabalho de sucesso. O educador precisa se policiar para não fazer duas versões da aula - uma para os alunos que escutam e outra para os deficientes auditivos. Como explica Ronice Muller, coordenadora do primeiro curso de licenciatura Letras-Libras do país, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a base da inclusão é a integração total entre os alunos. "A escola deve se tornar bilíngue. Os colegas têm de aprender Libras, afinal, no futuro, eles vão falar com os surdos inclusos na sociedade", afirma.
Para isso, professores da língua de sinais devem dar aulas aos ouvintes e incentivar trabalhos em grupo. Foi o que aconteceu em Irará, cidade de 25 mil habitantes a 128 quilômetros de Salvador. A EM São Judas Tadeu começou a receber surdos em 2005. Além dos professores, as turmas em que os deficientes auditivos são matriculados recebem noções de libras. "As crianças aprendem rápido e, em vez de ficar com preconceito, logo ajudam os professores a entender o que os colegas surdos dizem", explica o diretor da unidade, Márcio Jambeiro.
A falta que os intérpretes fazem
No ano passado, dos 64.150 alunos surdos recenseados pelo Ministério da Educação no Brasil, 54% estavam em classes regulares. Mas o primeiro levantamento que cruzará o número de intérpretes com as matrículas dos deficientes auditivos só deve ser feito este ano. Mesmo antes da divulgação dos resultados, especialistas e autoridades imaginam o que ele dirá: não há profissionais suficientes.
É por causa da carência que entidades do setor ainda defendem as escolas especiais segregadas até o fim do Ensino Fundamental. Em muitas unidades de ensino regulares, alunos surdos ainda estudam sem intérpretes, o que revolta integrantes da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis). "A inclusão não está funcionando", diz o diretor da entidade em São Paulo, Neivaldo Augusto Zovico. "Os professores estão despreparados e as secretarias de Educação não contratam intérpretes. Os alunos acabam frustrados por não entender nada e desistem", reclama.
A coordenadora do Programa de Acessibilidade da Derdic-PUC, Maria Inês Vieira, defende o mesmo ponto de vista. "Acredito em inclusão na sociedade, mas não na Educação Básica", diz. Ela explica que, para o aluno surdo, o português é uma segunda língua e deveria ser ensinado após a primeira, libras.
A diretora de Educação Especial da Secretaria de Educação Especial do MEC, Martinha Dutra, afirma que a inclusão total é uma questão de tempo. "Faltam profissionais porque tudo é muito novo. A própria regulamentação do intérprete no Ministério do Trabalho ainda está em curso, mas isso vai ser acelerado com a multiplicação do conhecimento de libras", argumenta.
Pela nova perspectiva de trabalho das autoridades, as instituições especializadas deixam de receber verbas por crianças atendidas de maneira segregada, em escolas especiais.
No novo modelo, essas entidades devem usar a experiência acumulada para ajudar a inclusão na rede pública, em contratos com estados e municípios, por exemplo. Outro fator que incentiva essa modernização é um decreto federal, assinado em 2008, que dobra o valor do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação (Fundeb) para alunos com deficiência inclusos na rede regular, se atendidos pelo contraturno público e estudando regularmente com intérprete, como manda a lei.
Conversas animadas, mas sem sons nem gritos
LIBRAS TAMBÉM PARA QUEM ESCUTA
Passado o receio inicial, Silvana percebeu com o tempo que quase tudo precisava ser adaptado: a postura, a maneira de falar, a avaliação e, principalmente, os materiais. "Uma pessoa que cresceu sem escutar aprende por observação. Ela precisa ver, montar e perceber os conceitos de forma concreta", diz Roseli. Foi assim, com aulas visuais e exemplos palpáveis, que conseguiu lecionar. Usou material emborrachado, quadrados, cubos, jogos, dados e desenhos. Ensinou adição com objetos que se agrupavam. Para a multiplicação, dividiu os próprios alunos da sala em quadrados desenhados no chão: três turmas de quatro igual a 12, cinco grupos de cinco crianças resultavam em 25. As frações foram entendidas com círculos desenhados na mesa em formato de pizza: com dois pedaços do total de oito, se faz um quarto. Até a probabilidade ficou mais fácil com uma boneca de papel e várias roupas para combinar.
No entanto, mesmo com materiais diferenciados e maior número de explicações orais, um cuidado essencial deve ser tomado para garantir um trabalho de sucesso. O educador precisa se policiar para não fazer duas versões da aula - uma para os alunos que escutam e outra para os deficientes auditivos. Como explica Ronice Muller, coordenadora do primeiro curso de licenciatura Letras-Libras do país, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a base da inclusão é a integração total entre os alunos. "A escola deve se tornar bilíngue. Os colegas têm de aprender Libras, afinal, no futuro, eles vão falar com os surdos inclusos na sociedade", afirma.
Para isso, professores da língua de sinais devem dar aulas aos ouvintes e incentivar trabalhos em grupo. Foi o que aconteceu em Irará, cidade de 25 mil habitantes a 128 quilômetros de Salvador. A EM São Judas Tadeu começou a receber surdos em 2005. Além dos professores, as turmas em que os deficientes auditivos são matriculados recebem noções de libras. "As crianças aprendem rápido e, em vez de ficar com preconceito, logo ajudam os professores a entender o que os colegas surdos dizem", explica o diretor da unidade, Márcio Jambeiro.
A falta que os intérpretes fazem
No ano passado, dos 64.150 alunos surdos recenseados pelo Ministério da Educação no Brasil, 54% estavam em classes regulares. Mas o primeiro levantamento que cruzará o número de intérpretes com as matrículas dos deficientes auditivos só deve ser feito este ano. Mesmo antes da divulgação dos resultados, especialistas e autoridades imaginam o que ele dirá: não há profissionais suficientes.
É por causa da carência que entidades do setor ainda defendem as escolas especiais segregadas até o fim do Ensino Fundamental. Em muitas unidades de ensino regulares, alunos surdos ainda estudam sem intérpretes, o que revolta integrantes da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis). "A inclusão não está funcionando", diz o diretor da entidade em São Paulo, Neivaldo Augusto Zovico. "Os professores estão despreparados e as secretarias de Educação não contratam intérpretes. Os alunos acabam frustrados por não entender nada e desistem", reclama.
A coordenadora do Programa de Acessibilidade da Derdic-PUC, Maria Inês Vieira, defende o mesmo ponto de vista. "Acredito em inclusão na sociedade, mas não na Educação Básica", diz. Ela explica que, para o aluno surdo, o português é uma segunda língua e deveria ser ensinado após a primeira, libras.
A diretora de Educação Especial da Secretaria de Educação Especial do MEC, Martinha Dutra, afirma que a inclusão total é uma questão de tempo. "Faltam profissionais porque tudo é muito novo. A própria regulamentação do intérprete no Ministério do Trabalho ainda está em curso, mas isso vai ser acelerado com a multiplicação do conhecimento de libras", argumenta.
Pela nova perspectiva de trabalho das autoridades, as instituições especializadas deixam de receber verbas por crianças atendidas de maneira segregada, em escolas especiais.
No novo modelo, essas entidades devem usar a experiência acumulada para ajudar a inclusão na rede pública, em contratos com estados e municípios, por exemplo. Outro fator que incentiva essa modernização é um decreto federal, assinado em 2008, que dobra o valor do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação (Fundeb) para alunos com deficiência inclusos na rede regular, se atendidos pelo contraturno público e estudando regularmente com intérprete, como manda a lei.
Conversas animadas, mas sem sons nem gritos
LIBRAS TAMBÉM PARA QUEM ESCUTA
Na EM São Judas Tadeu, em Irará, a 128 quilômetros de Salvador, as aulas oferecidas pelos tradutores eram anunciadas nos corredores para que estudantes e docentes pudessem se organizar e participar. A adesão foi grande. "Vinham professores e alunos. Às vezes, também um porteiro ou o diretor", conta a intérprete Edma Oliveira dos Santos. Hoje, é comum ver alunos surdos e ouvintes conversando normalmente no pátio. Foto: Fernando Vivas
Os cursos de libras para ouvintes começaram explorando os horários livres dos intérpretes. As aulas dos tradutores eram anunciadas nos corredores e na sala dos professores para os interessados. Havia opções em vários dias e em horários diferentes. Assim, os estudantes ouvintes que aprendiam o básico começavam a prestar atenção nos movimentos do intérprete em sala, ouvindo ao fundo a voz do professor e decorando as palavras.
No fim das aulas, era comum ver estudantes tirando dúvidas sobre as lições. "Hoje, as crianças que estudam em salas com surdos se comunicam bem com eles. Mesmo no intervalo, você anda pelos corredores e vê todos conversando em libras fluentemente."
A fase adiantada em que se encontra a inclusão na cidade baiana mostra que boas iniciativas podem prosperar mesmo fora das grandes capitais. Muito desse sucesso se deve a 20 anos de dedicação de uma professora. Nos anos 1980, Edma Olivera dos Santos dava aula para o Ensino Fundamental em uma escola rural multisseriada, quando recebeu um aluno surdo. "Na época, a orientação era falar devagar e esperar que eles aprendessem a leitura labial. Percebi que não ia funcionar e comecei a sinalizar, eles sinalizaram de volta e assim foi", lembra.
Com o passar dos anos, ela aprendeu libras e começou a ser procurada por todos os pais de surdos de Irará. Quando o governo instituiu que os deficientes auditivos deveriam estudar em escolas regulares, ela se tornou intérprete de seus ex-alunos na EM São Judas Tadeu. "Tenho orgulho de dizer que eles estão entre os melhores em todas as turmas", afirma.
Mesmo com experiências pioneiras em desenvolvimento no Brasil, especialistas, autoridades e docentes reconhecem que ainda há dificuldades e falhas. Faltam experiência e, na maior parte do país, material adequado, salas de apoio e intérpretes. A maioria dos surdos só aprende Libras quando vai para escola e, até que se tornem fluentes no idioma, não entendem os intérpretes e podem perder o interesse. A recomendação de Edma a qualquer colega que receber um aluno surdo é que enfrente o desafio. "Para eles, a escola é ainda mais importante. Quando um deficiente auditivo aprende a escrever, vai ao médico sozinho e bota no papel: eu estou com dor de cabeça. O professor tem em mãos a grande chance de dar autonomia a uma pessoa."
http://ponderantes.blogspot.com/2009/09/professores-do-brasil-blogagem-coletiva.html
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