terça-feira, 13 de outubro de 2009

Ménage à trois


PARIS - A polêmica do momento na França, à parte política, economia e futebol, tem tudo para chegar ao Brasil. Trata-se do "Statut du Beau-Parent", ou seja, as regras para a convivência entre filhos de um casamento com o pai/mãe do segundo casamento (ou terceiro, quarto, quantos forem).
Confesso que tenho uma certa birra com o excesso de regulamentos, especialmente no Brasil, mas, lendo o texto que o "Figaro" publicou hoje a respeito, me convenci de que talvez seja importante estabelecer regras a respeito.
Afinal, já costuma ser difícil o relacionamento com o ex-marido/mulher quando são apenas dois no jogo. Imagino então quando entra um terceiro (o filho/filha) e, em seguida, um quarto (o novo marido/mulher).
Pego um exemplo que já me tocou viver por tabela: para viajar com os filhos, a mulher/marido divorciada/o é obrigado a levar por escrito ao aeroporto uma autorização do ex-cônjuge. A regra vale no Brasil como na França, tanto que o deputado que está preparando o projeto aqui, Jean Leonetti, lembra que essa obrigação "pode ser utilizada por um dos pais para contrariar o outro".
Não seria mais lógico estabelecer que, em caso de novo casamento, o novo cônjuge possa assumir a responsabilidade de levar o filho para viajar com a mulher, sem que o ex-cônjuge tenha que dar palpite?
A legislação em preparação na França parece ser tipo "prêt-a-porter": "Trata-se, diz o deputado Leonetti, de encontrar arranjos mais suaves e pragmáticos que possam se adaptar a cada caso".
Concretamente, a ideia é a de só organizar a nova vida familiar após discutir as regras com os pais biológicos, o novo marido/mulher e as crianças, na presença, claro, de um advogado.
Sem ele, não seria preciso estabelecer regras. Bastaria manter o que existe hoje - e todo mundo que está nessa situação sabe que é fonte de muita dor-de-cabeça.
O eixo da legislação é a criança, óbvio. Na França, são 1,6 milhão delas que vivem em lares reconstruídos, fora as 2,7 milhões em que só há um pai (ou mãe) presente. Total, portanto: 4,3 milhões. No Brasil, com uma população mais de três vezes maior, é lógico supor que o número é bem mais elevado.
A legislação já leva chumbo do lado dos conservadores, por ser supostamente liberal demais, e dos liberais, porque é tida como discriminatória.
Os conservadores dizem que estimula a adoção por homossexuais. Leonetti não esconde que, quando fala da entrada de um terceiro no jogo pai/mãe (o novo cônjuge), não faz discriminação. "Um terceiro é aquele que vive com o pai/mãe, sob o mesmo teto". Ponto final.
Mas as entidades de homossexuais/lésbicas reclamam exatamente desse ponto final. Acham que deveria ficar explicitado que casais reconstruídos, mas formados por duas pessoas do mesmo sexo, estão tão protegidos quanto os demais.
Imagino que muita gente no Brasil vai reclamar que já é duro arrumar novo parceiro/a sem regras. Com elas, ficaria logicamente mais difícil. Mas o objetivo não é proteger os adultos que, em tese, sabem se defender. É garantir a criançada.

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

E-mail: crossi@uol.com.br
Fonte: Folha On-line


http://ponderantes.blogspot.com/2009/09/professores-do-brasil-blogagem-coletiva.html

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