segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Abaixo e acima do Mampituba


De alguém que não possui controle emocional se costuma dizer que é um “desequilibrado”. Mas qual a palavra para designar aqueles cujas posições mudam de acordo com os interesses em jogo? Como chamamos quem é contra a pena de morte, mas acha que em Cuba há razões para ela? Como compreender quem clama contra a impunidade, mas se opõe à punição dos delinquentes do seu grupo social? Bem, talvez sejamos todos desequilibrados no sentido de que estamos “posicionados” – vale dizer: falamos sempre de um lugar de onde vemos as coisas e as interpretamos. Não há um lugar por sobre nossas próprias condições e imaginar a “neutralidade” do sujeito é o mesmo que acreditar no personagem do folclore alemão, o Barão de Münchhausen, que afirmava ter se safado de um banco de areia movediça puxando-se pelos próprios cabelos. Também por isso, é preciso um esforço para um equilíbrio possível; algo que tem a ver com a consistência dos nossos princípios.
Não consigo entender, por exemplo, por que não há uma campanha no Brasil pela entrega do menino Sean ao seu pai americano David Goldman. A mãe do garoto, brasileira, morreu em 2008. Desde então, o pai tenta obter a guarda, com base na Convenção de Haia, mas o padrasto, pessoa rica e influente nos meios jurídicos, tem conseguido barrar o pleito. Agora, absurdamente, se pretende que o garoto, aos nove anos, decida com quem ficar. E se a situação fosse invertida? Se Sean tivesse sido levado aos EUA e estivesse com um padrasto americano? Não estaríamos ao lado do pai brasileiro?
Equilíbrio é matéria escassa na política brasileira. As oposições não conseguem reconhecer fatos positivos ou elogiar iniciativas meritórias tomadas pelos governos; e os governos são incapazes de se desculpar por erros cometidos e de reconhecer a importância de críticas que lhes tenham sido dirigidas pelas oposições. Não compreendo, a propósito, que alguém seja ético apenas acima do Mampituba, ou apenas abaixo dele, nem considero que a política precise ser um jogo de “soma zero”, orientado para a produção de derrotados e vitoriosos.
Ocorre que, quanto mais longe o debate público estiver do conteúdo das propostas em disputa, mais facilmente a política se aproximará de seu oposto: a guerra. Os termos do debate, então, passam a ser aqueles autorizados pelas estratégias do poder e o que construímos equivale ao deserto; um espaço onde nada germina e onde todos os princípios serão castigados. Um de nossos problemas é que quase não há debates sobre políticas públicas no Brasil. Ou tratamos de escândalos, ou de fofocas. Disto vive a maior parte da crônica política que, por decorrência, produz “filósofos” e “juristas” do tipo Merval Pereira e Bóris Casoy (mas isso já é outro assunto). O que eu queria dizer é que é preciso debater políticas públicas e dar mais atenção àqueles políticos que ainda lidam, equilibrada e seriamente, com elas. Eles existem, acreditem, mas é preciso salvá-los, porque estão ameaçados de extinção.

MARCOS ROLIM


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Verbratec© Desktop.