domingo, 20 de dezembro de 2009

A vida por um fio


O assunto é delicado e a maioria das famílias que passaram por esse drama prefere não se expor. As vítimas que sobreviveram a uma tentativa de suicídio também não querem falar por causa do preconceito. Com isso, este problema grave de saúde pública acaba não sendo debatido pela sociedade.
A Polícia Civil tem registro de sete suicídios em Campo Mourão e na região, sendo que quatro ocorreram nos últimos dias. O número pode ser maior, pois em alguns casos não são abertos inquéritos. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o suicídio é a terceira maior causa de morte para pessoas entre 15 e 34 anos de idade.
Existem alguns fatores de risco para que isto aconteça e, de acordo com o médico psiquiatra Fábio Romanello, estes fatores tem aumentado. As pessoas idosas são as com maior propensão de cometer suicídio. “Embora os casos envolvendo adolescentes e jovens tenham acontecido com mais frequência.” Ele cita que algumas doenças como a depressão e a esquizofrenia, por exemplo, ou o uso de drogas e álcool, estão diretamente relacionados com os casos de suicídio. O psiquiatra aponta também o histórico de suicídios na família, e o abuso sexual como outros fatores de risco.
Porém, o psiquiatra alerta que fatores definidos como psicosociais também podem levar ao suicídio. Segundo ele, a baixa tolerância das pessoas em lidar com frustrações é um fator importante. “A cultura está mudando. As pessoas vivem acumulando funções e sendo pressionadas no trabalho. Essa pressão já ocorre nas escolas, com as crianças e adolescentes. Os pais pouco conversam com os filhos e cobram muito. Falta uma base e melhor estrutura familiar”, comenta Romanello.
Existe a lenda de que pessoas que querem se matar não avisam, mas o psiquiatra observa que deve sim ser levado em conta este tipo de conversa. Ele revela que para cada suicídio, existem outras 40 tentativas frustradas. “É por isso que tem que levar em consideração”, frisa. Diante de qualquer indicio de suicídio a família deve investigar o que anda acontecendo e procurar atendimento de especialista. “Pois é bem provável que exista uma doença por trás, ao ponto da pessoa questionar sobre a própria vida”, ressalta.

Pai lastima perda da filha aos 30 anos

O mecânico Jairo Teodoro da Silveira, 57 anos, ainda se emociona ao lembrar da forma trágica como perdeu sua filha Patrícia da Silveira, aos 30 anos de idade, em outubro do ano passado. Ele é apenas mais um pai de família de Campo Mourão que ainda não entende o motivo que levou a filha a cometer o suicídio. “Não faltava nada, ela tinha de tudo em casa. Pelo menos 40 pares de calçados, muita roupa, carro, viajava muito... Depois que entrou em depressão a vida dela se modificou”, revela Teodoro, procurando entender onde foi que ‘errou’. “Reconheço que pode ter faltado mais atenção da nossa parte. A gente trabalhava muito, de cedo à noite e a família acabava ficando em segundo plano. Isso infelizmente acontece em muitas famílias”, desabafa.
Patrícia morreu após comer um sanduíche com veneno, preparado por ela mesma. O fato aconteceu em frente ao Parque do Lago, onde ela estacionou o carro por volta das 10 horas da noite. O socorro, porém só chegou na madrugada do dia seguinte, aproximadamente às 5 horas. “O guarda do parque conta que viu quando ela parou o carro, mas não desconfiou de nada, pois sempre as pessoas param por ali. Apenas por volta das 5 horas da manhã é que percebeu que havia algo de errado. Ela ainda foi socorrida com vida e permaneceu 25 dias internada na UTI, quando acabou morrendo no dia 26 de outubro do ano passado.”
Teodoro relata que os problemas de depressão da filha começaram depois que o casamento dela terminou. A união não teria durado mais que quatro meses. “Ela tinha uma vida normal, mas depois que se separou veio a depressão. Procuramos tratamento, mas chegou um ponto em que ela não tomava os remédios direito e vivia falando que estava cansada de viver”, comenta, lembrando inclusive que a filha chegou a morar sozinha em um apartamento em Maringá.
“Não teve jeito, a gente percebia ela sempre agitada e quando telefonava terminava chorando. Preocupado, a trouxemos de volta para morar conosco, mas a gente percebia um isolamento. Sempre que alguém da família se aproximava para conversar ela saia de perto. A depressão causa isso: a pessoa se afasta e procura o isolamento”, relata. Teodoro tem outros três filhos, uma mulher e dois homens. “A perda de uma filha dessa forma praticamente destrói a família. Minha esposa ainda não se recuperou. Acho que a pessoa que pensa em fazer uma coisa dessas, deveria pensar primeiro na dor que vai deixar para a família.”

Depressão: a doença do século

Os casos de depressão estão diretamente ligados ao suicídio. Tem uma porcentagem parecida com o alcoolismo e esquizofrenia. É uma doença que está crescendo por causa do estilo de vida das pessoas. Foi o que aconteceu com uma mulher de 30 anos, que prefere não se identificar.
Ela está em tratamento há dois anos e já tentou tirar a própria vida por três vezes, sendo duas em um único dia. A última aconteceu há cerca de um mês. Na tentativa mais grave, tentou se enforcar no banheiro de um hospital. Foi socorrida e ficou um mês hospitalizada, sendo alguns dias na UTI.
Ela trabalha na área da saúde e o acumulo de funções é tido como responsável pela depressão. “Sempre achei que podia resolver tudo. Tinha dois empregos, era casada e além de cuidar da minha casa ainda ajudava minha família. Até que um dia passei mal no trabalho. Achei que pudesse ser um stress, porém depois de alguns dias fui tendo crises de pânico e sensações parecidas com um derrame. Foi ai que descobri que estava desenvolvendo a depressão.”
No início ela não aceitava a idéia de que estava com depressão até que a doença piorou e procurou ajuda. A doença a afastou do trabalho. “Ficou seis meses afastada e nos três primeiros não tirava os pés da casa”, diz. A doença chegou ao ponto de prejudicar o casamento e o então marido dela pediu a separação. “Ele [o ex-marido] ainda suportou um tempo, mas assim que eu melhorei veio o pedido de separação.”
Em março deste ano ela voltou ao trabalho, porém em julho interrompeu o tratamento e parou de tomar os remédios. No dia 21 de agosto tentou por duas vezes suicídio. “Cheguei neste ponto porque estava muito mal. Não dormia, tinha a sensação de que havia sempre alguém me perseguindo e tentei tirar minha própria vida”, pondera.
Arrependida ela voltou a fazer os tratamentos e diz que o apoio de amigos e familiares é o mais importante quando está com depressão. “A pessoa nesta situação quer ouvir coisas positivas e agradáveis. Isso faz bem. Agora, estou decida a viver e sei que vou sair dessa.”
O médico psiquiatra, Fábio Romanello, diz que existe uma desinformação muito grande a respeito da depressão. Segundo ele a população em geral se mostra ignorante em relação à doença. “Fico abismado com a quantidade de pessoas que não acreditam na depressão. É uma doença como qualquer outra, e pode trazer prejuízos enormes e até matar. A ignorância é o maior obstáculo para um tratamento correto. As pessoas procuram de tudo para revolver este problema de saúde, menos o psiquiatra. Isso tem que acabar.” De acordo com ele existem remédios específicos, e com o uso de medicamentos associado ao acompanhamento de profissionais capacitados, os pacientes podem ter uma vida normal.

Sintomas
A sensação de tristeza, de angustia, de ruína, alteração no apetite – comer de mais ou não comer –, alteração sono – dormir demais ou não dormir –, e crise de choro são alguns dos sintomas. Isso se prosseguir por período de tempo. “Alguns desses sentimentos fazem parte da nossa vida. Porém se prosseguir por um longo período de tempo deve ser investigado.” Existem ainda outros sintomas como angústia, desesperança, sensação de perda da liberdade, viver deprimido, crise de pânico e ansiedade, além da sensação de morte eminente. (AM)

Por Antonio Marcio e Clodoaldo Bonete, da Redação


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