O julgamento de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá decidirá o futuro dos acusados pelo crime que horrorizou o Brasil – e o destino de três famílias cujas vidas foram transformadas para sempre.
Hoje, dia 22 de março será diferente de todas as outras para Alexandre Alves Nardoni, de 31 anos, e Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá Nardoni, de 25. Num roteiro definido pela Justiça, os dois deixarão suas celas em distintas penitenciárias de Tremembé, no interior paulista, e viajarão 135 quilômetros até o II Tribunal do Júri de São Paulo, na capital. Pela primeira vez desde que teve a prisão preventiva decretada, em 17 de maio de 2008, o casal estará lado a lado, numa sala simples do 3º andar do Fórum de Santana. Ficarão sentados no banco dos réus enquanto testemunhas e provas serão apresentadas para que os jurados possam decidir seu destino.
Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni são acusados de ter assassinado a menina Isabella, filha de Alexandre. Ela tinha 5 anos quando foi jogada do 6º andar do apartamento do pai e da madrasta, na noite de 29 de março de 2008. O crime comoveu o Brasil e dilacerou três famílias – a de Alexandre, a de Anna Carolina Jatobá e a de Ana Carolina de Oliveira, mãe de Isabella. Na manhã desta segunda-feira, as rotinas de Nardoni e Anna Carolina Jatobá mudarão pela primeira vez em quase dois anos. Assim que estiverem lado a lado, no banco dos réus, suas vidas começarão a ser dissecadas em detalhes. O caso Isabella foi acompanhado com interesse apaixonado pelos brasileiros. A reação popular, em alguns momentos, transbordou além do razoável. Para a opinião pública, o veredicto está definido desde que as investigações do assassinato começaram: culpados. Nesta semana, a Justiça decidirá se concorda.
Alexandre engordou desde a chegada à prisão. Além de não praticar esportes, se alimenta vorazmente das guloseimas que o pai leva semanalmente para a cadeia, como doces e salgadinhos, além de frutas e outros tipos de mantimento. “Ele fica esperando com ansiedade a visita dos filhos e as coisas que eu vou levar para ele”, diz Antonio Nardoni, pai de Alexandre. Além de sedentário, o filho estaria apático na prisão, preferindo ficar isolado a se relacionar com outros presos. Na família Jatobá, as conversas sobre o crime e o julgamento são escassas. O pai de Anna Carolina, que também se chama Alexandre, diz que ele e a mulher procuram poupar a filha da angústia nos dias que antecedem o júri: “A Anna sempre me diz que não se importa em ser inocentada. Queria muito mais encontrar o assassino de Isabella.” Funcionário de uma loja em um shopping em Guarulhos, Alexandre Jatobá diz que sua rotina foi alterada depois do crime. Segundo ele, apesar de ter sofrido agressões verbais de alguns grupos mais agitados em frente a sua casa, recebeu apoio de muita gente. “Alguns paravam na rua para dizer que tinham fé na inocência de minha filha e de meu genro, que não acreditavam que eles tivessem cometido esse crime.”
A comoção observada nos dias seguintes ao assassinato de Isabella foi um choque para as três famílias que a menina envolvia: a de seu pai (os Nardonis), a da mãe (os Oliveiras) e a da madrasta (os Jatobás). Cada um a seu modo, todos passaram os últimos dois anos tentando entender o que aconteceu e como superar a tragédia.
Alexandre e Anna Carolina têm dois filhos. Desde que o casal foi preso, Pietro, de 5 anos, e Cauã, de 2, vivem com os avós maternos. No começo, a família tentou evitar as idas dos filhos ao presídio. Mas, como todos os pedidos de habeas corpus foram negados pela Justiça, os planos mudaram. Os advogados conseguiram uma decisão judicial autorizando a visita dos meninos em dias de semana. Hoje, as crianças convivem com uma fábula mirabolante: Anna Carolina e Alexandre teriam se mudado para o interior para trabalhar. No enredo dos avós, eles tentam juntar dinheiro para comprar uma casa nova para a família. Quando contestados pelo inquisidor Pietro, os avós se desdobram em malabarismos e dizem que Alexandre trabalha na penitenciária. Com a falta dos pais, Cauã começa a perder a referência. Chama o avô de “pai” e a avó ou a tia de “mãe”.
Quem mais fala de Isabella é Pietro. Diz que a irmã “virou uma estrelinha” e aponta para o céu. Mas é da mãe que ele sente falta. Nos primeiros dias da prisão do casal Nardoni, os dois meninos acordavam aos prantos. Segundo familiares, choravam todos os dias pela ausência dos pais. Com o tempo, o choro cedeu, mas não a saudade. “O mais velho fala na mãe toda hora, pergunta quando ela vai voltar”, afirma Alexandre Jatobá. “Os cinco andavam sempre agarrados. Minha filha, meu genro, meus netos e a Isabella. Eles eram muito unidos. Imagina o sofrimento das crianças ao acordar um dia e não estar em casa, não ter nem a mãe nem o pai?” Como a vida tem de continuar, Pietro foi obrigado a mudar de colégio depois da morte de Isabella. Para manter o anonimato do garoto, os avós o fazem usar um dos sobrenomes menos divulgados da família. Somente professores e a direção da escola sabem quem são os pais do garoto. Cauã ainda não vai à escola. Ambos praticam esporte e passeiam durante a semana. Mas, como os avós costumam ser reconhecidos na rua, dificilmente andam com os meninos.
Antonio Nardoni mantém seu escritório de advocacia tributária e consultoria jurídica. É o lastro financeiro das famílias: paga a escola de Pietro e todas as despesas com os advogados do casal. Ele diz preferir não comentar o que vê de injustiça no processo contra o filho. Apenas acredita que os dois réus foram condenados antes do julgamento. “Eu acho que o espírito do contraditório e o direito de defesa foram totalmente desrespeitados. Houve um julgamento moral e não se permitiu nenhuma outra versão que não fosse a que satisfaz a polícia.” Não gosta de falar da vida pessoal quando indagado sobre como o crime mexeu com a vida de sua família, mas às vezes desabafa: “É claro que uma coisa dessas marca profundamente a vida das pessoas. Mas temos de manter a esperança para dar força ao meu filho e provar sua inocência”. Antonio costuma passar os fins de semana com os netos. A relação entre ele e os pais de Anna Jatobá não é das melhores, mas eles se esforçam. Não querem que isso afete a vida dos netos.
As rusgas entre as famílias existem desde o começo do relacionamento de Anna Carolina Jatobá com Alexandre Nardoni. Os dois se conheceram em 2002, quando Alexandre namorava Ana Carolina de Oliveira, então grávida de Isabella. Alexandre entrou para o curso de Direito nas Faculdades Integradas de Guarulhos. Seu namoro com Ana Oliveira havia começado em 1999. Alexandre manteve o relacionamento paralelo com Anna Jatobá por mais de um ano. No começo de 2003, a mãe de Isabella decidiu largá-lo, quando diz ter tido a “certeza e a convicção” de que o namorado a traía. Se o namoro com a mãe de Isabella se desgastou por causa das traições de Alexandre, com Anna Carolina Jatobá a relação sempre foi tumultuada. Alexandre tinha fama de briguento, Anna Jatobá de esquentada. A avó materna de Isabella, Rosa Maria Cunha de Oliveira, afirmou em depoimento à Justiça, no ano passado, que Anna Jatobá tinha raiva da menina. Rosa, que nunca aprovou o relacionamento de sua filha com Alexandre, chegou a classificar o ciúme de Jatobá como “doentio”. Tamanho ciúme provocava discussões coléricas entre o casal e afetava a relação de Anna Jatobá, Isabella e a mãe da menina. “Sofri com os ciúmes dela e posso dizer que, infelizmente, esse ciúme levou a minha filha...”
Com o julgamento dos suspeitos do assassinato, o embate entre as famílias será público. Seu palco será o tribunal do júri. A Justiça brasileira obedece a um rito diferente do que a maioria das pessoas conhece pelo cinema americano. Nos Estados Unidos, admite-se a apresentação de provas de última hora ou testemunhas-bomba capazes de virar um julgamento de cabeça para baixo. No Brasil, segue-se um sistema similar ao da Itália e de países da América Latina. O julgamento começa quando chega ao fim a investigação policial. A Justiça então acolhe a denúncia do Ministério Público. As reviravoltas são muito raras, porque nenhuma testemunha pode ser apresentada com menos de 72 horas de antecedência, e as provas são de conhecimento de ambas as partes.
No julgamento do caso Isabella, a promotoria e os defensores dos réus trabalharão em cima de provas científicas, produzidas por perícias do Instituto de Criminalística e do Instituto Médico-Legal de São Paulo. E a grande reviravolta possível virá do modo como ambas as partes vão explorar e argumentar a partir dessas provas. Tanto o promotor Francisco Cembranelli quanto o advogado de defesa, Roberto Podval, admitem que a perícia e as provas científicas são irretocáveis. A discordância entre os dois se dá na interpretação das provas e na conclusão escrita no relatório final dos peritos. “Temos um conjunto de provas técnicas substancioso e cabal”, afirma Cembranelli. “Não há uma prova específica, mas um conjunto que aponta para o casal como autor do crime. Não há nenhum indício de que houvesse uma terceira pessoa no apartamento.”
Pelo documento do Instituto de Criminalística, que faz parte do processo, Anna Carolina teria agredido Isabella no carro em que estavam quando voltavam ao apartamento da família na noite de 29 de março de 2008. Alexandre dirigia seu carro, um Ford Ka, com Anna Jatobá no banco de passageiros e as três crianças no banco traseiro – Isabella atrás do pai, Pietro no meio e Cauã numa cadeirinha. Pelo relatório final, a menina foi levada pelo casal da garagem do prédio ao apartamento. Para não deixar vestígios de sangue, o casal teria usado uma fralda sobre a cabeça da menina. Na casa de Nardoni, Anna Jatobá teria apertado o pescoço de Isabella até que ela desmaiasse pela esganadura. Seu pai então teria aberto com uma tesoura um furo na tela de proteção da janela, pegado a filha no colo, subido na cama – onde deixou a marca de seu chinelo – e jogado a garota pela janela.
A defesa do casal alega que, naquela noite, Isabella dormia no carro quando a família chegou ao edifício. Alexandre subiu primeiro ao apartamento carregando a filha no colo. Anna Jatobá teria ficado no carro com os dois filhos do casal, que dormiam. Após deixar a filha na cama, Alexandre teria trancado o apartamento e voltado à garagem para ajudar a mulher a subir com os outros filhos. Ao chegarem ao apartamento, deram imediatamente pela falta de Isabella e perceberam a tela de proteção do quarto dos meninos cortada. Ao olhar por esse buraco, Alexandre teria visto a filha caída no jardim do prédio.
O relatório final do Instituto de Criminalística (IC), que faz parte do processo de mais de 5 mil páginas divididas em 25 volumes, registra que havia marcas de sangue no chão do apartamento e na fralda. Essas manchas foram descobertas graças ao uso de um reagente químico chamado bluestar. Os peritos usam o produto para tentar localizar manchas de sangue que tenham sido apagadas. Se a coloração for azul, é sinal positivo. Para ser conclusiva, a amostra tem de ser recolhida e enviada para o laboratório de DNA do IC, que identifica se a mancha é de fato sangue ou algum outro produto. O bluestar dá “falso positivo”, ou seja, fica azul, em contato com uma série de elementos químicos, que podem ser encontrados em banana, alho, feijão-verde, verniz e produtos de limpeza. Para a promotoria, isso é um detalhe. “Não é uma prova ou outra que construirá a acusação. São todas as provas reunidas, juntas, que vão mostrar que eles são os culpados desse crime”, afirma o promotor Cembranelli.
O advogado de defesa do casal Nardoni, Roberto Podval, tem opinião contrária. A polícia teria descartado outras linhas de investigação e comprado a versão de que os Nardonis mataram Isabella. Isso teria contaminado toda a investigação. “Esse caso foi construído do fim para o começo. Com as mesmas provas, é possível construir três ou quatro enredos diferentes”, diz Podval.
O promotor Francisco Cembranelli afirma em sua denúncia que Isabella foi estrangulada pela madrasta, Anna Carolina, e arremessada pelo próprio pai, Alexandre, da janela do 6º andar do prédio em que moravam.
Desde a morte de Isabella, os Nardonis declaram-se inocentes. Nunca se desmentiram ou acusaram um ao outro, como é corriqueiro em casos do gênero. Ambos afirmam que havia uma terceira pessoa que invadiu o apartamento e cometeu o crime e devem reiterar essa defesa no tribunal. O advogado Roberto Podval diz que não vai trabalhar com hipóteses, mas afirma que as provas colhidas não são suficientes para apontar o autor do crime. “Eu tenho esperança de que meu filho seja inocentado, de que o Conselho de Sentença perceba as incongruências nas provas e na construção da versão da polícia. Acredito na inocência de meu filho”, diz Antonio Nardoni.
O assassinato de uma criança pelo pai e pela madrasta comove por mobilizar valores relacionados à forma como a sociedade enxerga a família e os valores que ela representa. Até agora, todos se perguntam o que realmente aconteceu. Ninguém sabe. Ao fim do julgamento, que deve durar no mínimo quatro dias, os detalhes do crime continuarão envoltos em mistério. O que se saberá é se os sete jurados do Conselho de Sentença consideram Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni culpados ou inocentes.
Hoje, dia 22 de março será diferente de todas as outras para Alexandre Alves Nardoni, de 31 anos, e Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá Nardoni, de 25. Num roteiro definido pela Justiça, os dois deixarão suas celas em distintas penitenciárias de Tremembé, no interior paulista, e viajarão 135 quilômetros até o II Tribunal do Júri de São Paulo, na capital. Pela primeira vez desde que teve a prisão preventiva decretada, em 17 de maio de 2008, o casal estará lado a lado, numa sala simples do 3º andar do Fórum de Santana. Ficarão sentados no banco dos réus enquanto testemunhas e provas serão apresentadas para que os jurados possam decidir seu destino.
Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni são acusados de ter assassinado a menina Isabella, filha de Alexandre. Ela tinha 5 anos quando foi jogada do 6º andar do apartamento do pai e da madrasta, na noite de 29 de março de 2008. O crime comoveu o Brasil e dilacerou três famílias – a de Alexandre, a de Anna Carolina Jatobá e a de Ana Carolina de Oliveira, mãe de Isabella. Na manhã desta segunda-feira, as rotinas de Nardoni e Anna Carolina Jatobá mudarão pela primeira vez em quase dois anos. Assim que estiverem lado a lado, no banco dos réus, suas vidas começarão a ser dissecadas em detalhes. O caso Isabella foi acompanhado com interesse apaixonado pelos brasileiros. A reação popular, em alguns momentos, transbordou além do razoável. Para a opinião pública, o veredicto está definido desde que as investigações do assassinato começaram: culpados. Nesta semana, a Justiça decidirá se concorda.
Alexandre engordou desde a chegada à prisão. Além de não praticar esportes, se alimenta vorazmente das guloseimas que o pai leva semanalmente para a cadeia, como doces e salgadinhos, além de frutas e outros tipos de mantimento. “Ele fica esperando com ansiedade a visita dos filhos e as coisas que eu vou levar para ele”, diz Antonio Nardoni, pai de Alexandre. Além de sedentário, o filho estaria apático na prisão, preferindo ficar isolado a se relacionar com outros presos. Na família Jatobá, as conversas sobre o crime e o julgamento são escassas. O pai de Anna Carolina, que também se chama Alexandre, diz que ele e a mulher procuram poupar a filha da angústia nos dias que antecedem o júri: “A Anna sempre me diz que não se importa em ser inocentada. Queria muito mais encontrar o assassino de Isabella.” Funcionário de uma loja em um shopping em Guarulhos, Alexandre Jatobá diz que sua rotina foi alterada depois do crime. Segundo ele, apesar de ter sofrido agressões verbais de alguns grupos mais agitados em frente a sua casa, recebeu apoio de muita gente. “Alguns paravam na rua para dizer que tinham fé na inocência de minha filha e de meu genro, que não acreditavam que eles tivessem cometido esse crime.”
A comoção observada nos dias seguintes ao assassinato de Isabella foi um choque para as três famílias que a menina envolvia: a de seu pai (os Nardonis), a da mãe (os Oliveiras) e a da madrasta (os Jatobás). Cada um a seu modo, todos passaram os últimos dois anos tentando entender o que aconteceu e como superar a tragédia.
Alexandre e Anna Carolina têm dois filhos. Desde que o casal foi preso, Pietro, de 5 anos, e Cauã, de 2, vivem com os avós maternos. No começo, a família tentou evitar as idas dos filhos ao presídio. Mas, como todos os pedidos de habeas corpus foram negados pela Justiça, os planos mudaram. Os advogados conseguiram uma decisão judicial autorizando a visita dos meninos em dias de semana. Hoje, as crianças convivem com uma fábula mirabolante: Anna Carolina e Alexandre teriam se mudado para o interior para trabalhar. No enredo dos avós, eles tentam juntar dinheiro para comprar uma casa nova para a família. Quando contestados pelo inquisidor Pietro, os avós se desdobram em malabarismos e dizem que Alexandre trabalha na penitenciária. Com a falta dos pais, Cauã começa a perder a referência. Chama o avô de “pai” e a avó ou a tia de “mãe”.
Quem mais fala de Isabella é Pietro. Diz que a irmã “virou uma estrelinha” e aponta para o céu. Mas é da mãe que ele sente falta. Nos primeiros dias da prisão do casal Nardoni, os dois meninos acordavam aos prantos. Segundo familiares, choravam todos os dias pela ausência dos pais. Com o tempo, o choro cedeu, mas não a saudade. “O mais velho fala na mãe toda hora, pergunta quando ela vai voltar”, afirma Alexandre Jatobá. “Os cinco andavam sempre agarrados. Minha filha, meu genro, meus netos e a Isabella. Eles eram muito unidos. Imagina o sofrimento das crianças ao acordar um dia e não estar em casa, não ter nem a mãe nem o pai?” Como a vida tem de continuar, Pietro foi obrigado a mudar de colégio depois da morte de Isabella. Para manter o anonimato do garoto, os avós o fazem usar um dos sobrenomes menos divulgados da família. Somente professores e a direção da escola sabem quem são os pais do garoto. Cauã ainda não vai à escola. Ambos praticam esporte e passeiam durante a semana. Mas, como os avós costumam ser reconhecidos na rua, dificilmente andam com os meninos.
Antonio Nardoni mantém seu escritório de advocacia tributária e consultoria jurídica. É o lastro financeiro das famílias: paga a escola de Pietro e todas as despesas com os advogados do casal. Ele diz preferir não comentar o que vê de injustiça no processo contra o filho. Apenas acredita que os dois réus foram condenados antes do julgamento. “Eu acho que o espírito do contraditório e o direito de defesa foram totalmente desrespeitados. Houve um julgamento moral e não se permitiu nenhuma outra versão que não fosse a que satisfaz a polícia.” Não gosta de falar da vida pessoal quando indagado sobre como o crime mexeu com a vida de sua família, mas às vezes desabafa: “É claro que uma coisa dessas marca profundamente a vida das pessoas. Mas temos de manter a esperança para dar força ao meu filho e provar sua inocência”. Antonio costuma passar os fins de semana com os netos. A relação entre ele e os pais de Anna Jatobá não é das melhores, mas eles se esforçam. Não querem que isso afete a vida dos netos.
As rusgas entre as famílias existem desde o começo do relacionamento de Anna Carolina Jatobá com Alexandre Nardoni. Os dois se conheceram em 2002, quando Alexandre namorava Ana Carolina de Oliveira, então grávida de Isabella. Alexandre entrou para o curso de Direito nas Faculdades Integradas de Guarulhos. Seu namoro com Ana Oliveira havia começado em 1999. Alexandre manteve o relacionamento paralelo com Anna Jatobá por mais de um ano. No começo de 2003, a mãe de Isabella decidiu largá-lo, quando diz ter tido a “certeza e a convicção” de que o namorado a traía. Se o namoro com a mãe de Isabella se desgastou por causa das traições de Alexandre, com Anna Carolina Jatobá a relação sempre foi tumultuada. Alexandre tinha fama de briguento, Anna Jatobá de esquentada. A avó materna de Isabella, Rosa Maria Cunha de Oliveira, afirmou em depoimento à Justiça, no ano passado, que Anna Jatobá tinha raiva da menina. Rosa, que nunca aprovou o relacionamento de sua filha com Alexandre, chegou a classificar o ciúme de Jatobá como “doentio”. Tamanho ciúme provocava discussões coléricas entre o casal e afetava a relação de Anna Jatobá, Isabella e a mãe da menina. “Sofri com os ciúmes dela e posso dizer que, infelizmente, esse ciúme levou a minha filha...”
Com o julgamento dos suspeitos do assassinato, o embate entre as famílias será público. Seu palco será o tribunal do júri. A Justiça brasileira obedece a um rito diferente do que a maioria das pessoas conhece pelo cinema americano. Nos Estados Unidos, admite-se a apresentação de provas de última hora ou testemunhas-bomba capazes de virar um julgamento de cabeça para baixo. No Brasil, segue-se um sistema similar ao da Itália e de países da América Latina. O julgamento começa quando chega ao fim a investigação policial. A Justiça então acolhe a denúncia do Ministério Público. As reviravoltas são muito raras, porque nenhuma testemunha pode ser apresentada com menos de 72 horas de antecedência, e as provas são de conhecimento de ambas as partes.
No julgamento do caso Isabella, a promotoria e os defensores dos réus trabalharão em cima de provas científicas, produzidas por perícias do Instituto de Criminalística e do Instituto Médico-Legal de São Paulo. E a grande reviravolta possível virá do modo como ambas as partes vão explorar e argumentar a partir dessas provas. Tanto o promotor Francisco Cembranelli quanto o advogado de defesa, Roberto Podval, admitem que a perícia e as provas científicas são irretocáveis. A discordância entre os dois se dá na interpretação das provas e na conclusão escrita no relatório final dos peritos. “Temos um conjunto de provas técnicas substancioso e cabal”, afirma Cembranelli. “Não há uma prova específica, mas um conjunto que aponta para o casal como autor do crime. Não há nenhum indício de que houvesse uma terceira pessoa no apartamento.”
Pelo documento do Instituto de Criminalística, que faz parte do processo, Anna Carolina teria agredido Isabella no carro em que estavam quando voltavam ao apartamento da família na noite de 29 de março de 2008. Alexandre dirigia seu carro, um Ford Ka, com Anna Jatobá no banco de passageiros e as três crianças no banco traseiro – Isabella atrás do pai, Pietro no meio e Cauã numa cadeirinha. Pelo relatório final, a menina foi levada pelo casal da garagem do prédio ao apartamento. Para não deixar vestígios de sangue, o casal teria usado uma fralda sobre a cabeça da menina. Na casa de Nardoni, Anna Jatobá teria apertado o pescoço de Isabella até que ela desmaiasse pela esganadura. Seu pai então teria aberto com uma tesoura um furo na tela de proteção da janela, pegado a filha no colo, subido na cama – onde deixou a marca de seu chinelo – e jogado a garota pela janela.
A defesa do casal alega que, naquela noite, Isabella dormia no carro quando a família chegou ao edifício. Alexandre subiu primeiro ao apartamento carregando a filha no colo. Anna Jatobá teria ficado no carro com os dois filhos do casal, que dormiam. Após deixar a filha na cama, Alexandre teria trancado o apartamento e voltado à garagem para ajudar a mulher a subir com os outros filhos. Ao chegarem ao apartamento, deram imediatamente pela falta de Isabella e perceberam a tela de proteção do quarto dos meninos cortada. Ao olhar por esse buraco, Alexandre teria visto a filha caída no jardim do prédio.
O relatório final do Instituto de Criminalística (IC), que faz parte do processo de mais de 5 mil páginas divididas em 25 volumes, registra que havia marcas de sangue no chão do apartamento e na fralda. Essas manchas foram descobertas graças ao uso de um reagente químico chamado bluestar. Os peritos usam o produto para tentar localizar manchas de sangue que tenham sido apagadas. Se a coloração for azul, é sinal positivo. Para ser conclusiva, a amostra tem de ser recolhida e enviada para o laboratório de DNA do IC, que identifica se a mancha é de fato sangue ou algum outro produto. O bluestar dá “falso positivo”, ou seja, fica azul, em contato com uma série de elementos químicos, que podem ser encontrados em banana, alho, feijão-verde, verniz e produtos de limpeza. Para a promotoria, isso é um detalhe. “Não é uma prova ou outra que construirá a acusação. São todas as provas reunidas, juntas, que vão mostrar que eles são os culpados desse crime”, afirma o promotor Cembranelli.
O advogado de defesa do casal Nardoni, Roberto Podval, tem opinião contrária. A polícia teria descartado outras linhas de investigação e comprado a versão de que os Nardonis mataram Isabella. Isso teria contaminado toda a investigação. “Esse caso foi construído do fim para o começo. Com as mesmas provas, é possível construir três ou quatro enredos diferentes”, diz Podval.
O promotor Francisco Cembranelli afirma em sua denúncia que Isabella foi estrangulada pela madrasta, Anna Carolina, e arremessada pelo próprio pai, Alexandre, da janela do 6º andar do prédio em que moravam.
Desde a morte de Isabella, os Nardonis declaram-se inocentes. Nunca se desmentiram ou acusaram um ao outro, como é corriqueiro em casos do gênero. Ambos afirmam que havia uma terceira pessoa que invadiu o apartamento e cometeu o crime e devem reiterar essa defesa no tribunal. O advogado Roberto Podval diz que não vai trabalhar com hipóteses, mas afirma que as provas colhidas não são suficientes para apontar o autor do crime. “Eu tenho esperança de que meu filho seja inocentado, de que o Conselho de Sentença perceba as incongruências nas provas e na construção da versão da polícia. Acredito na inocência de meu filho”, diz Antonio Nardoni.
O assassinato de uma criança pelo pai e pela madrasta comove por mobilizar valores relacionados à forma como a sociedade enxerga a família e os valores que ela representa. Até agora, todos se perguntam o que realmente aconteceu. Ninguém sabe. Ao fim do julgamento, que deve durar no mínimo quatro dias, os detalhes do crime continuarão envoltos em mistério. O que se saberá é se os sete jurados do Conselho de Sentença consideram Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni culpados ou inocentes.
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