quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Pastores de renas, os Samis são os indígenas da Europa


Na Noruega, os restaurantes são muito caros. Mesmo assim, decido ir a um italiano. Mais do que a pasta com cogumelos, o que vale mesmo é o casal que senta a meu lado. Aproveitando olhares cruzados, ameaço um sorriso e abro a conversa perguntando se eles eram de Tromso. Logo aviso que venho de um longínquo país tropical (ser brasileiro no exterior é quase sempre um trunfo). Mantenho o diálogo com ânimo para ver se chega a algum lugar. E bingo! De fato, logo descubro que os dois são Samis, os nativos dessa parte do mundo.
Faço dezenas de perguntas sobre os Samis e meu interesse aumenta a cada resposta. Fico fascinado com a descrição da vida nômade dos criadores de renas. Só falta eu me mudar para a mesa deles e filar parte da deliciosa sobremesa que eles comem.
Saio do jantar decidido. Tenho ainda um dia em Tromso e preciso encontrar uma família Sami. Já imagino a foto: um Sami vestido com suas alegres cores (azul e vermelho), abraçando uma rena. Só não espero o Papai Noel na foto, pois é verão e ele está de férias!
Na manhã seguinte encontro Ivar Haugen, guia de treking. O plano inicial era realizar uma caminhada pelas montanhas, mas minha vontade de conhecer os Samis muda o programa. Ivar conhece um casal que mora a uma hora de Tromso e uma chamada no celular resolve a equação. Em pouco tempo, meu desejo é realizado.
A casa de Kristina Labba e de seu esposo Tore-Anders Oskal é de madeira e possui os confortos de uma residência moderna de primeiro mundo. O jovem casal tem um filho de dois anos, Aslat Ante. Enquanto Tore-Anders checa emails no seu laptop com conexão wi-fi, Kristina conversa comigo. Ao saber que sou brasileiro, ela sorri e diz que já esteve em Curitiba, na ocasião da COP-8, aquela gigantesca conferência ambiental organizada pela Convenção sobre Diversidade Biológica em março de 2006. A grande coincidência é que eu também estava na mesma reunião! “Quem sabe não tomamos um café um ao lado do outro, sem saber?” diz ela.


Kristina conta que participou da COP-8 como representante dos Samis para “lembrar ao mundo que os povos indígenas do norte da Europa ainda existem.” Ela é uma conservacionista de alma e participa de uma pesquisa sobre como o aquecimento global impacta o povo Sami. “Nossa cultura é baseada na natureza e no pastoreio das renas. Ainda temos um estilo de vida seminômade. No inverno, vivemos no interior das terras, onde é mais seco e mais frio – e com menos neve”, afirma a líder Sami. “Já no verão, trazemos nossos animais para a costa, pois há bom pasto perto dos fiordes.”
Kristina nasceu na Suécia (a algumas centenas de quilômetros daqui) em uma família de pastores de renas. “É um estilo de vida. Prezamos mais a liberdade do que o dinheiro. Meus pais eram pastores e espero que o pequeno Aslat continue a tradição.”
Depois de fotografar Kristina e seu sorridente filhote, já penso na próxima imagem: preciso encontrar as famosas renas. Kristina solta uma elegante risada. “Você acha que nossas renas estão no pátio de casa? Elas estão nas montanhas, bem longe. Demoraria horas para chegar até lá”, diz ela


Ivar, que escutava o diálogo, começa a traçar um novo plano. Quando nos despedimos da família Sami ele me oferece levar, de carro, a um passo de montanha. “Sempre que passo por lá vejo renas. Não são as da Kristina, mas podem servir.” Aceito a oferta, sem titubear, mesmo se precisamos enfrentar quase duas horas de estrada.
Ao chegar ao passo, noto que o tempo virou. As nuvens estão baixas e uma leve garoa molha as minhas câmeras. Mas, ao ver algumas renas (foto), esqueço as limitações. Obstinado, saio atrás delas. Mas elas são rápidas e não confiam em estranhos.
Ivar explica que as renas são animais semi-domésticos. “Já não existem renas selvagens aqui na Noruega há 120 anos. Mas isso não quer dizer que elas vão posar para suas fotos.” Com perseverança, consigo algumas imagens. Entro contente na camionete, com uma sensação de missão cumprida. Mas a chuva me preocupa. E muito! Dentro de oito horas preciso ver o sol de meia-noite!

Viajando com Haroldo Castro

Revista Época

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