Brasília (DF) e Arcos (MG) – Circular pelas ruas à noite depende de idade. Em pelo menos 21 municípios brasileiros, distribuídos em nove estados, o trânsito de crianças e adolescentes com menos de 18 anos está proibido a partir de determinado horário.
Apelidada de toque de recolher, a medida faz parte de uma tentativa de juízes de diminuir a violência que assola jovens, tanto como vítimas quanto algozes. A iniciativa, embora tenha provocado diminuição das ocorrências policiais em algumas cidades, criou verdadeira guerra entre grupos de defesa dos direitos da criança. Tanto que o imbróglio chegou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que na primeira sessão de agosto, no dia 4, analisará a legalidade das portarias municipais, acusadas de ferirem garantias individuais estabelecidas na Constituição Federal.
O governo já se pronunciou contrário à medida. “A edição de portarias judiciais foi limitada no artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em relação à forma como estava descrita no Código de Menores. Ou seja, precisam, agora, ser editadas caso a caso. Além disso, o artigo 5º da Constituição também assegura o direito de ir e vir a todos”, critica Carmen de Oliveira, subsecretária de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial de Direitos Humanos, ligada à Presidência da República. É também ao ECA que o juiz Evandro Pelarin, responsável por uma das primeiras portarias no país sobre o que ele chama de toque de acolher, e não recolher, apega-se. “Ninguém menciona que há restrições legais no ECA em relação ao direito de ir e vir. O artigo 227 inciso 5º da Constituição, prevê ainda a possibilidade de privação de liberdade, inclusive de crianças”, rebate.
Embora o CNJ ainda vá se pronunciar, o conselheiro do colegiado Marcelo Nobre teve de se debruçar sobre o assunto há mais de um mês para analisar, individualmente, pedido de suspensão do toque de recolher implementando em Nova Andradina (MS). “A portaria da juíza estava fundamentada no ECA e, portanto, entendi que não deveria ser suspensa. Houve recurso contra a decisão e vamos apreciar novamente”, explica. O conselheiro diz não saber como os colegas se posicionarão, mas demonstra convicção em relação à legalidade da medida. O entendimento do CNJ vale para todo o Brasil.
O município de Fátima do Sul (MS), que há cerca de três meses instituiu o toque de recolher a partir das 22h, reduziu abordagens de adolescentes de 67 para 49 nos primeiros 30 dias. A queda de ocorrências foi de sete para três. Em Fernandópolis, que no final de 2005 começou a restringir a circulação de jovens após às 23h, o número é mais acentuado: 378 atos infracionais naquele ano, contra 265 em 2008. “Furtos, por exemplo, caíram de 131 para 55. Flagrantes referentes a armas de fogo, de 15 casos para 2″, explica o juiz Pelarin. Mas nem todos municípios são assim. Em Patos de Minas, as ocorrências policiais cresceram 44% nos primeiros 25 dias de medida.
Para o soldado Jonas Otaviano Costa, da Polícia Militar de Arcos (MG),onde o toque de recolher também levou mais registros, os números não significam aumento no envolvimento de adolescentes com o crime. “Pode ser resultado de ações mais efetivas da PM e dos órgãos competentes”, enfatiza. Advogado e membro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Ariel de Castro questiona os resultados positivos com o toque de recolher. “Pode até haver diminuição das ocorrências, mas apenas num primeiro momento. Além disso, temo que enquanto a polícia está perseguindo crianças e adolescentes, os crimes cometidos por adultos cresçam”, diz. Segundo ele, a falta de estrutura policial levará a uma inevitável frouxidão das fiscalizações, como ocorreu com a Lei Seca.
Na mineira Arcos, que editou portaria de recolhimento de menores em 2005, a população já sente certo relaxamento. Mãe de Antônio Rodrigues de Castro Neto, 19, e de João Pedro Lima Castro, 15, a professora Maria de Lurdes Castro, 50, apoia o toque de recolher, mas salienta que nem sempre a regra é respeitada. Os filhos confirmam. Antônio Neto lembra que, no passado, ele e os amigos voltavam para casa ao ver os comissários. “Corríamos pois eles fiscalizavam mesmo. Agora tem muito jovem na rua”, diz. João Pedro concorda com o irmão: “Ninguém mais tem medo de ser abordado. Eles pegam mais quem está bebendo”, conta.
Menores de 14 anos nas ruas só até as 22h
O governo já se pronunciou contrário à medida. “A edição de portarias judiciais foi limitada no artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em relação à forma como estava descrita no Código de Menores. Ou seja, precisam, agora, ser editadas caso a caso. Além disso, o artigo 5º da Constituição também assegura o direito de ir e vir a todos”, critica Carmen de Oliveira, subsecretária de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial de Direitos Humanos, ligada à Presidência da República. É também ao ECA que o juiz Evandro Pelarin, responsável por uma das primeiras portarias no país sobre o que ele chama de toque de acolher, e não recolher, apega-se. “Ninguém menciona que há restrições legais no ECA em relação ao direito de ir e vir. O artigo 227 inciso 5º da Constituição, prevê ainda a possibilidade de privação de liberdade, inclusive de crianças”, rebate.
Embora o CNJ ainda vá se pronunciar, o conselheiro do colegiado Marcelo Nobre teve de se debruçar sobre o assunto há mais de um mês para analisar, individualmente, pedido de suspensão do toque de recolher implementando em Nova Andradina (MS). “A portaria da juíza estava fundamentada no ECA e, portanto, entendi que não deveria ser suspensa. Houve recurso contra a decisão e vamos apreciar novamente”, explica. O conselheiro diz não saber como os colegas se posicionarão, mas demonstra convicção em relação à legalidade da medida. O entendimento do CNJ vale para todo o Brasil.
O município de Fátima do Sul (MS), que há cerca de três meses instituiu o toque de recolher a partir das 22h, reduziu abordagens de adolescentes de 67 para 49 nos primeiros 30 dias. A queda de ocorrências foi de sete para três. Em Fernandópolis, que no final de 2005 começou a restringir a circulação de jovens após às 23h, o número é mais acentuado: 378 atos infracionais naquele ano, contra 265 em 2008. “Furtos, por exemplo, caíram de 131 para 55. Flagrantes referentes a armas de fogo, de 15 casos para 2″, explica o juiz Pelarin. Mas nem todos municípios são assim. Em Patos de Minas, as ocorrências policiais cresceram 44% nos primeiros 25 dias de medida.
Para o soldado Jonas Otaviano Costa, da Polícia Militar de Arcos (MG),onde o toque de recolher também levou mais registros, os números não significam aumento no envolvimento de adolescentes com o crime. “Pode ser resultado de ações mais efetivas da PM e dos órgãos competentes”, enfatiza. Advogado e membro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Ariel de Castro questiona os resultados positivos com o toque de recolher. “Pode até haver diminuição das ocorrências, mas apenas num primeiro momento. Além disso, temo que enquanto a polícia está perseguindo crianças e adolescentes, os crimes cometidos por adultos cresçam”, diz. Segundo ele, a falta de estrutura policial levará a uma inevitável frouxidão das fiscalizações, como ocorreu com a Lei Seca.
Na mineira Arcos, que editou portaria de recolhimento de menores em 2005, a população já sente certo relaxamento. Mãe de Antônio Rodrigues de Castro Neto, 19, e de João Pedro Lima Castro, 15, a professora Maria de Lurdes Castro, 50, apoia o toque de recolher, mas salienta que nem sempre a regra é respeitada. Os filhos confirmam. Antônio Neto lembra que, no passado, ele e os amigos voltavam para casa ao ver os comissários. “Corríamos pois eles fiscalizavam mesmo. Agora tem muito jovem na rua”, diz. João Pedro concorda com o irmão: “Ninguém mais tem medo de ser abordado. Eles pegam mais quem está bebendo”, conta.
Menores de 14 anos nas ruas só até as 22h
Aline Moura
Sapé – O bicho-papão ressuscitou. O monstro que povoava o imaginário das crianças nordestinas e “ajudava” os pais a colocá-las para dormir cedo voltou. Ele está mais vivo do que nunca em Sapé, município no interior da Paraíba com 46.363 habitantes
A diferença de agora é que, para os mais jovens, o monstro é real e atende pelo nome de “Conselho Tutelar”. Quase um ano depois de a juíza Maria Aparecida Gadelha baixar uma portaria e proibir a permanência de menores de 14 anos nas ruas depois das 22h, a rotina dos jovens de Sapé deu uma guinada. A ronda feita nas ruas por uma viatura policial e mais cinco conselheiros tutelares da cidade transformou-se em terror dos mais novos e na alegria dos pais.
Os adolescentes que se arriscam em ficar nas ruas até mais tarde têm de “correr e se esconder” quando a kombi do Conselho Tutelar desponta nas esquinas, às vezes com apoio da Polícia Militar. Isso porque, se houver flagra, os conselheiros não fazem acordo com os ditos “rebeldes”. “Se eles estiverem nas ruas, a gente leva para a sede do conselho e comunica imediatamente aos pais. Temos de ser duros, porque havia crianças aqui sendo exploradas sexualmente e recebendo R$ 2 por um programa. Agora, mesmo sem termos estatísticas, percebemos que o consumo de drogas e o aliciamento diminuíram 70%”, contou o presidente do Conselho Tutelar, Inaldo Laurentino de Oliveira.
Os adolescentes que se arriscam em ficar nas ruas até mais tarde têm de “correr e se esconder” quando a kombi do Conselho Tutelar desponta nas esquinas, às vezes com apoio da Polícia Militar. Isso porque, se houver flagra, os conselheiros não fazem acordo com os ditos “rebeldes”. “Se eles estiverem nas ruas, a gente leva para a sede do conselho e comunica imediatamente aos pais. Temos de ser duros, porque havia crianças aqui sendo exploradas sexualmente e recebendo R$ 2 por um programa. Agora, mesmo sem termos estatísticas, percebemos que o consumo de drogas e o aliciamento diminuíram 70%”, contou o presidente do Conselho Tutelar, Inaldo Laurentino de Oliveira.
Limites – Contrariada com a portaria judicial, a estudante Karolayne Andrade, 15 anos, acredita que o conselho passa dos limites, ao impor as regras para os maiores de 14. “Sei que eles devem ter algum motivo para agir assim, mas eu gosto muito de andar à noite e não posso. Quando a gente vê a kombi, tem que se esconder ou sair correndo para casa, parecendo um bicho. Então, a gente pensa duas vezes antes de sair”, reclamou a adolescente. “Isso é ridículo. Até para entrar numa lan house, a gente tem que ter autorização. Eu mesmo já fui levado numa kombi porque estava trabalhando à noite”, completou Ronaldo Pedro Júnior, 15 anos.
Segundo dez adolescentes ouvidos pela reportagem, chateia não poder mais participar de festas à noite, frequentar shows e entrar em lan houses. Mas os familiares agradecem. A portaria se tornou o braço direito dos pais, que se sentiam sem autoridade para impor limites aos filhos. Segundo a empregada doméstica Joseilma Gomes da Rocha, 34 anos, após o “toque de recolher”, ficou até mais fácil controlar o namoro indesejável dos filhos com maiores de 18 anos. Na presença de mais quatro mães com a mesma opinião, Joseilma admitiu fazer medo aos três filhos, enaltecendo as “punições” do conselho em caso de condutas erradas.
“Todas as mães estão adorando esse toque de recolher. Antes disso, uma das minhas filhas se envolveu com álcool e estava sendo seduzida pelo namorado de 21 anos. Ela só não fugiu de casa porque o Conselho Tutelar me alertou sobre os riscos desse namoro. Então, eu disse logo: olha, filha, ele pode ser preso, viu. Foi um santo remédio”, disse Joseilma.
Baixada em outubro de 2008, a portaria foi uma resposta da Vara da Infância e da Juventude aos altos índices de aliciamento de crianças e adolescentes no município e envolvimento com drogas. A decisão foi tomada após a conclusão de um inquérito pelo delegado Allan Murilo Terruel, no qual 17 pessoas, incluindo empresários e vereadores, foram indiciados por exploração sexual de menores. A investigação começou em 2006 e teve repercussão nacional.
Povo fala
O que você acha do toque de recolher para menores de 18 anos?
“Acho uma medida ótima, porque vai diminuir a violência. O que uma criança quer fazer na rua à noite? Só o que não presta. Essa meninada de hoje gosta muito de rua, precisa de um freio mesmo. Defendo o horário das 10h da noite para proibir os jovens de sair“Saulo Pereira da Silva, 50 anos, vigilante
“Eu acho nada a ver essa lei. Agora querem imitar o que fazem no exterior, colocar horário para gente sair? Temos livre arbítrio para decidir o que fazemos. Desse jeito, estão chamando a gente de ladrão, sei lá. Os pais é que devem decidir se o jovem pode ou não sair.“Amanda Regina Silva, 17 anos, estudante
“Seria legal esse toque de recolher. Eu não gosto mesmo de sair à noite, acho a cidade muito violenta, perigosa. Isso diminuiria a violência, com certeza. Para mim, não faria diferença nenhuma.“Victor Hugo Martins, 16 anos, estudante
“Isso é da época da repressão, do AI-5. Se o pai deixa o adolescente solto, quem vai dizer que é errado? E outra coisa: não é só jovem que pratica violência, não. Querem dizeragora que a gente é que é culpado por tudo, que a gente é que é desordeiro?“Mirlene Matos, 17 anos, estudante
“Concordo totalmente com essa medida. Eu tenho filho adolescente e posso falar. Eles estão começando a usar droga muito cedo, se envolvendo em criminalidade, fazendo sexo sem resposnabilidade. Acho que uma lei dessa pode contribuir.“Nelzi Freitas, 43 anos, auxiliar de escritório
“Eu ia amar uma lei dessa. Só uma lei assim para deter o meu filho de 15 anos. O negócio dele é ir para a rua namorar. Até os professores da escola já disseram que o problema dele são as mulheres. Com essa lei, eu ia dizer para ele não sair. E se ele saísse, teria a polícia para me ajudar a detê-lo.“Elza Albuquerque, 31 anos, rep. comercial
Diário de Pernambuco
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