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quinta-feira, 30 de julho de 2009
Meninas com menos de 14 trabalham como doméstica
Apesar de ser proibido por lei, levantamento mostra que existem 98.566 garotas exercendo o ofício
Apesar da proibição do trabalho para menores de 14 anos prevista na Constituição de 1988, quase 100 mil meninas de 10 a 14 estavam empregadas como domésticas em 2007. O número - exatamente 98.566 - consta de levantamento preparado pela economista Hildete Pereira de Araújo para a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, com dados desagregados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
O País tinha 6,3 milhões de trabalhadoras domésticas à época, das quais 1,6% estava na faixa dos 10 aos 14 anos. Essa proporção vem caindo nas últimas décadas: já foi de 5%, em 1995, e 9,3%, em 1985. Dos 15 aos 17 anos, faixa em que o trabalho é permitido com restrições, havia mais 260 mil domésticas em 2007 (4,1% do total, ante 11% em 1995 e 17% em 1985).
Para Hildete, fatores culturais influenciam, mas a baixa renda é determinante. "Culturalmente há uma aceitação, mas não dá para não pensar que a pobreza é uma explicação para se ter um número tão grande de crianças trabalhando. A pobreza não explica tudo, mas não pode ser minimizada. Crianças de famílias com renda mais alta estão só na escola." Ela também destaca questões como a escolaridade dos pais, a idade em que eles começaram a trabalhar e a estrutura das famílias.
Jandira da Silva Gonçalves, de 43 anos, começou a trabalhar aos 9. Ela conta que, à época, "não sabia nem ligar a enceradeira" e "não alcançava a pia direito". Já Simone Cristina de Almeida, de 56 anos, é doméstica desde os 13. A história delas é parecida. Por causa do trabalho precoce, não completaram o ensino fundamental. Foram parar na casa de estranhos para ajudar a mãe a criar os irmãos. "A moça veio me buscar em casa. Foi a primeira vez em que me afastei da minha mãe. Eu só voltava de 15 em 15 dias. Como eu chorava", lembra Jandira. "Era um trabalho quase escravo. Não tinha hora para pegar nem para largar, era pesado. Eu não podia comer a mesma comida. Sofri muito, sentia muita saudade de casa", conta Simone.
Hoje, Jandira trabalha no Jardim Botânico, zona sul do Rio, e recebe R$ 600. Como mora em Belford Roxo, acorda às 3h30 para chegar às 7h, toda segunda. Dorme no trabalho até sexta, longe dos três filhos. Simone ficou desempregada. "Sempre foi tudo muito difícil", conta ela.
Já Hildete tem a mesma empregada há 40 anos. Maria das Graças da Silva começou lá com 16. "Ela é a minha outra face. Eu não poderia ter tido a carreira que tive se não tivesse ela, mesmo tendo um marido feminista", conta ela, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) desde 1973 e viúva há um ano. "Conciliar carreira acadêmica com a criação de três filhos teria sido impossível. Mesmo com todo esse suporte, só defendi o meu doutorado em 1993." Maria das Graças, que não teve filho, foi madrinha de casamento do filho mais velho de Hildete.
Ela ganha R$ 1.100 mais o plano de saúde, de R$ 400. "A remuneração delas ainda é a pior das trabalhadoras, apesar do aumento do salário mínimo nos últimos anos", diz a economista.
[O Estado de São Paulo (SP) – 30/0/2009]
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