sábado, 1 de agosto de 2009

Uma morte fora do protocolo


O estudante Renan de Andrade Esteves, de 21 anos, não fazia parte de nenhum grupo de risco, mas morreu com gripe suína. Agora, sua família tenta descobrir se sua morte foi causada por negligência, fatalidade ou desconhecimento

"Estou com os sintomas do A(H1N1)", disse Renan de Andrade Esteves em uma mensagem de celular enviada para a namorada. No dia, o rapaz de 21 anos brincava quando falava da gripe suína. Ele acreditava que as dores nas costas e a fadiga que sentia eram sintomas de um resfriado normal. A doença apareceu no dia 26 de junho e também foi diagnosticada pelos médicos do Hospital Sino-Brasileiro, em Osasco, como uma gripe comum. Dois dias depois, os sintomas pioraram. A família começou a suspeitar que a hipótese de gripe suína fosse real. Eles voltaram ao hospital, e com um diagnóstico de pneumonia, Renan voltou para casa. O rapaz foi acompanhado por dois cardiologistas. Ele só foi internado no terceiro retorno ao hospital. Renan morreu de sete dias depois. O Hospital não emitiu um atestado de óbito e a morte foi investigada. Um exame do Instituto Adolfo Lutz indicou que Renan estava contaminado com o vírus da gripe suína, o Influenza A(H1N1). Os pais não conseguem compreender a morte do filho. Eles oscilam entre as hipóteses de negligência, desconhecimento e fatalidade. Filho único, o jovem de classe média era caseiro e passava os dias estudando para o vestibular de medicina. "Ele gosta de esportes e nunca teve pneumonia, muito menos ficou internado em um hospital", diz a mãe, Ivete Gomes de Andrade, que ainda fala de Renan no tempo presente. "Brigamos tanto para que ele tomasse algum remédio e que fizessem exames para ver se era gripe suína, mas nada foi feito". Os médicos insistiam que Renan não tinha gripe suína, e sim, uma pneumonia comum. Apesar da doença respiratória, o jovem só foi examinado por um infectologista cinco dias depois de internado.
"O estado dele é muito grave. Não dá para conversar agora, eu preciso preencher o prontuário para levá-lo à UTI", disse Nédia Maria Hallage, chefe da Infectologia do Hospital, no momento da internação. O tratamento intensivo fez Renan voltar a respirar com facilidade. No mesmo dia, ele pediu para a mãe levar os óculos e uma revista de palavras cruzadas. Otimista que iria sair logo de lá, Renan aguardava com expectativa o resultado do vestibular de duas universidades mineiras. "Fui correndo para casa para pegar as coisas que ele pediu", afirma Ivete. A família fazia planos para uma grande festa coletiva de aniversários que iria acontecer em poucos dias. Os médicos diziam que o rapaz poderia ter alta antes do final de semana. Renan morreu na sexta-feira.
"Acabou tudo, a única coisa que sei é que o meu filho não entra mais pela porta sorrindo com a mochila nas costas", diz Ivete enquanto mostra os óculos que levou para o filho no hospital e as medalhas de judô que estão penduradas no armário. "Nem chegou a usar", conta. "Quando voltei ao hospital, ele estava pior, mal falava. Só tive tempo de dizer que o amava muito", afirma a mãe. "Renan era uma pessoa que esquentava o resto de seu almoço para levar para os mendigos que viviam perto do cursinho que ele frequentava, na Avenida Paulista. Nós somos empresários, ele não precisava estudar medicina, mas insistia que queria ser médico para ajudar as pessoas. Justo ele, morreu assim, sem assistência", diz o pai, Ramon Esteves Filho.
A direção do hospital Sino-Brasileiro nega que houve negligência no atendimento de Renan. "Na época, os critérios de suspeita do Ministério da Saúde ainda eram apenas de pacientes que viajaram para o exterior ou tiveram contato com pessoas que viajaram", diz Ricardo Lavieri, gerente-médico do Hospital Sino-Brasileiro de Osasco. “Nos primeiros dias de internação houve uma melhora e até foi dada previsão de alta. No dia 6, ele voltou a ficar mal. A imunidade caiu tanto que nada fazia efeito". Renan morreu no dia 10, cinco dias antes de o Ministério declarar que o vírus já estava circulando pelo país. Com essa alteração no padrão de transmissão, os critérios para a aplicação do Tamiflu (o fosfato de oseltamivir), o antiviral usado para minimizar os sintomas da gripe A(H1N1), mudaram. Os casos de internação por pneumonia começaram a ser tratados com Tamiflu. “Não sabíamos com que estávamos lidando”, diz Lavieri. O médico afirma que, por causa do protocolo internacional, o Instituto Adolfo Lutz negou fazer os exames do A(H1N1) em Renan, com a justificativa de que o rapaz não era de nenhum grupo de risco. O exame só foi feito quando Renan já estava morto. A família vai entrar com um processo contra o hospital para buscar os responsáveis pela morte de Renan. "O médico disse que a morte do meu filho foi uma fatalidade. Não me conformo com isso. Quero saber o que houve e onde ocorreu o erro", afirma Ivete. "Não quero dinheiro, quero saber o que houve. Vou doar tudo para ajudar crianças carentes, que era a última coisa que vi Renan falar que iria fazer", afirma Ramon. No apartamento da família, um pôster de rapaz está pendurado na sala. A foto foi tirada no último réveillon, em uma viagem da família ao Rio de Janeiro. Os pais contam que foram muitos os episódios em que o rapaz havia chegado a colocar a própria vida em risco para ajudar outra pessoa. Antes de ficar doente, o rapaz estava empolgado com a futura mudança para um apartamento maior e estava com muita esperança de passar no vestibular de uma universidade federal, depois de três anos de estudo. "Perdi outro filho no quinto mês de gravidez e agora perdi o Renan também", conta Ivete. "Nem sei como vou reagir quando sair o resultado do vestibular".



Revista Época

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