quarta-feira, 29 de julho de 2009

Agricultor diz que desmatar Amazônia era 'regra' nos anos 70


O agricultor Graciliano Mota da Silva - mais conhecido em Rondon do Pará como "seu Rogaciano" - foi um dos pioneiros a chegar ao sudeste paraense, em 1971, no embalo dos programas de colonização da região promovidos pelo governo militar.
"Naquele tempo, a coisa era mesmo desmatar, a gente não tinha preocupação. Mas, hoje, já dá pra ver a falta que a mata faz", diz Rogaciano. "Venta muito mais, o que atrapalha a plantação. Também cai mais raio na terra, e mata o gado."
Nascido na Bahia há 85 anos, ele trabalhava em terra arrendada de índios no litoral sul de seu estado natal, antes de desbravar a Amazônia.
"Abri 20 tarefas de mata (um total de mais ou menos nove hectares, nessa antiga medida usada no Nordeste) para plantar cacau", diz o agricultor. "Deu muito bem, mas tinha que dar uma parte da produção para os índios e não estava trabalhando minha própria terra."
Na década de 50, o produtor baiano já ouvia falar da Amazônia como uma fronteira a ser descoberta. "Já naquela época, eu ouvia esse menino que foi presidente, Juscelino Kubitschek, dizendo que a gente tinha que ir para a Amazônia", conta.
Rogaciano diz que achou a terra no Pará "muito rasa (plana), cheia de mata, boa para agricultura" e decidiu que ficaria na região de vez, acompanhado da mulher, dona Elza.
Negociou com os índios na Bahia o que deveria receber pelas benfeitorias trabalhadas na terra e, com o dinheiro, comprou em 1971 um lote de quase 2,5 mil hectares "que tinha um título com data de 1913".
"Essa cidade de Rondon era uma vilazinha de meia dúzia de casinhas de madeira para comprar umas necessidades. Andava com os burricos cheios de carga 50 quilômetros pra ir até a vila e voltar", conta.
"Senhor dinheiro"
Hoje, é possível chegar de carro à casa de Rogaciano por uma estrada de terra muito boa para os padrões dos caminhos amazônicos. A eletricidade ainda não chegou: os postes param cerca de 20 quilômetros antes da terra dele. "Parece que até outubro (a eletricidade) chega", afirma o agricultor.
Ao longo dos anos, foi vendendo pedaços de terra, tirando madeira, fazendo carvão e desmatando para plantar para subsistência e criar vacas leiteiras como negócio. Hoje, sobram a Rogaciano cerca de 500 hectares, mais ou menos a metade transformada em pasto - e a outra metade de mata nativa.
O agricultor diz que não quer desmatar mais nada na propriedade dele. E afirma acreditar que seja possível a Amazônia se desenvolver sem a necessidade de derrubar mais florestas para abrir espaço para pecuária e agricultura.
"Mas, para isso, precisamos do senhor dinheiro. Para produzir sem desmatar, precisamos de financiamentos pra trabalhar a terra direito, para recuperar a terra que já estiver desgastada", reclama.
Rogaciano também lamenta ter que pagar ao governo pela terra que ocupa há mais de 35 anos. "Eu já comprei e paguei por esse terra uma vez. Tenho o papel de quando eu comprei e não tinha como saber, naquele tempo, se era um papel bom ou não", afirma.
Apesar disso, o agricultor diz que entende as razões do governo de cobrar pelo uso de uma terra, que originalmente, era pública. "Nisso, o governo tem razão. Pelo menos estão dizendo que vão dar um prazo de 20 anos para a gente pagar. Aí, vai dar tempo da minha família se organizar para isso", diz.
Rogaciano conta ter cadastrado sua propriedade no programa Terra Legal do governo para tentar obter um título definitivo para a terra. "Vai ser muito bom finalmente ter certeza de que a terrinha é minha mesmo", conclui.

Paulo Cabral
Enviado especial a Rondon do Pará



BBC Brasil

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