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sábado, 1 de agosto de 2009
Mulheres buscam a Justiça contra maus-tratos
RIO - Maria passou 13 anos numa relação submissa, tendo suas qualidades desvalorizadas pelo marido e sendo afastada da família e dos amigos. João passou a primeira metade dos 30 anos de casamento numa convivência harmoniosa. Ao tentar salvar o relacionamento, Maria ouviu do companheiro que ele jamais mudaria. Quando problemas de saúde e o fanatismo religioso da mulher mudaram a rotina do casal, João se descontrolou. Ao dar seu grito de liberdade, Maria enfrentou a ira do marido e foi parar numa delegacia pela primeira vez. João foi denunciado à polícia quando, em duas brigas, deixou a mulher com hematomas. Apesar de João e Maria serem nomes fictícios, usados para preservar a intimidade dos personagens, essas histórias são reais.
Um levantamento do movimento Rio Como Vamos (RCV), com base em dados coletados em 2008, mostra que em média 44 histórias como essas, envolvendo agressões e ameaças, foram contadas diariamente nas delegacias da cidade, totalizando 16 mil notificações em 12 meses. Um número que cresce desde a promulgação da Lei Maria da Penha - que em agosto faz três anos - e já deu origem, nos três Juizados de Violência Doméstica Contra a Mulher da Capital, a quase 40 mil processos criminais. Para o RCV, cuja missão é monitorar a qualidade de vida na cidade, os números preocupam, pois a violência dentro da família contribui para o clima de insegurança nas ruas. Os agressores, muitas vezes, são de famílias marcadas por uma rotina violenta.
- A Lei Maria da Penha protege a sociedade como um todo, porque a violência se aprende, antes de tudo, na família violenta. A lei aponta para políticas públicas de prevenção da violência e de garantia da segurança de todos - avalia a presidente executiva do Rio Como Vamos, Rosiska Darcy de Oliveira, garantindo que o movimento está atento à questão.
Zona Oeste concentra o maior número de registros
Baseado nos dados do Dossiê Mulher, do Instituto de Segurança Pública, o estudo do RCV mostra que as agressões resultantes de violência doméstica que chegaram às delegacias passaram de 6,4 mil em 2007 para 9,4 mil em 2008 (um aumento de 45%). Já as ameaças passaram de 4,5 mil para 6,6 mil (47% a mais). A Zona Oeste foi a área com maior quantidade de registros. Em 2008, foram 1.853 casos de lesão corporal (166% a mais que em 2007) e 1.544 de ameaça (78% a mais), somente nas regiões administrativas de Campo Grande e Guaratiba.
Estatísticas do Disque-Denúncia confirmam a tendência. Campo Grande teve o maior número de denúncias em 2008, 50 de um total de 777 na cidade. Criado em junho de 2007, o Juizado de Violência Doméstica de Campo Grande já teve 13.085 processos instaurados.
Lei prevê a prisão em flagrante do agressor
Na contramão dessa tendência, as RAs da Barra da Tijuca, Lagoa e Rocinha, Copacabana, Ilha do Governador e Paquetá, Maré e Ramos tiveram redução nos números de registros de agressões entre 2007 e 2008. Já os de ameaças subiram na maioria dessas regiões. Na Barra, por exemplo, o decréscimo das notificações de lesão corporal proveniente de violência doméstica foi de 60%, caindo de 621 para 246 casos - mas as de ameaças subiram 14% (de 129 para 148). Já na Lagoa e na Rocinha, as agressões caíram 57% no período e as ameaças tiveram redução de 6%.
Diretora da Divisão de Polícia de Atendimento à Mulher, a delegada Marta Rocha destaca que o aumento geral dos números de registros de agressão e ameaça se deve não ao crescimento da violência doméstica em si, mas à maior notificação dos casos, como resultado da Lei Maria da Penha. Agora, além da possibilidade da prisão em flagrante do agressor, a Justiça pode determinar, em até 48 horas do registro na delegacia, medidas de proteção, como o afastamento do homem da residência. E a mulher é inserida numa rede de amparo. No entanto, apesar do avanço trazido pela lei, para a delegada, a violência doméstica ainda precisa ser debatida pela sociedade.
A juíza Adriana Ramos, titular do I Juizado de Violência Doméstica Familiar Contra a Mulher, considera a Lei Maria da Penha um avanço na proteção dos direitos humanos da mulher, mas insiste que os governos e a sociedade precisam dar mais importância ao tema. Desde que foi criado, em junho de 2007, o I Juizado já teve abertos 21.083 processos, dos quais cerca de 14 mil ainda tramitam. Diariamente, são realizadas de 20 a 30 audiências. E cada processo leva de seis meses a um ano para ser concluído. Se o réu estiver preso, o prazo cai para até três meses.
- Não tenho pressa para concluir o processo, pois, enquanto ele tramita, a mulher está sob medida protetiva e a família participa de trabalho social, inclusive o homem. A Lei Maria da Penha não tem um viés somente punitivo, abre caminho para a recuperação do agressor. Se o processo é logo encerrado, a sentença pode não resolver nada - diz a juíza, que mantém um grupo de reflexão para homens, cuja participação pode fazer parte da sentença.
Concebido como modelo, o I Juizado conta com o apoio do Centro de Referência Especializado de Assistência Social Simone de Beauvoir, da prefeitura do Rio. Para a juíza, essa estrutura tem atendido à demanda, mas faltam ainda políticas públicas voltadas para uma questão específica dentro do problema da violência doméstica: em muitos casos, os agressores são dependentes químicos ou apresentam sintomas como depressão, precisando ser assistidos por programas de saúde mental, que ainda não existem voltados para esse público em especial. Em nota, a Secretaria municipal de Saúde informou que desenvolve um trabalho voltado para vítimas de violência doméstica e que a prefeitura conta com 17 Centros de Atenção Psicossocial, dois deles especializados no atendimento a usuários de álcool e outras drogas.
Fonte: O Globo
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