quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Mentir pode se transformar de algo inofensivo em uma série de doenças


Atire a primeira pedra quem nunca mentiu. Seja para se livrar de um compromisso chato ou de uma pessoa indesejável, a mentira é algo natural e até aceitável em nossa sociedade. Entretanto, quando se torna frequente ao ponto de prejudicar a vida de quem as conta, ela pode ser o principal sintoma de males como os transtornos factício e narcisista, a simulação e a psicose. Doenças que não são diagnosticadas com facilidade e de difícil tratamento.
Não se sabe exatamente quais as causas dos distúrbios relacionados à mentira compulsiva. Acredita-se que ela possa ter motivos sociais, como a criação e o ambiente em que a pessoa vive, além de origens genéticas, já que muitos pacientes apresentam ocorrências na família. “Alguns pacientes vêm de famílias muito cheias de regras, em que não eram reconhecidos. Isso acaba gerando um adulto inseguro, o que facilita o desenvolvimento de vários tipos de compulsões”, avalia a psicóloga Érika Carísio.
Ela conta também que, outras vezes, a ocorrência de situações de constrangimento pode ser o ponto de partida para essas doenças. “Por não ser aceito devido a alguma questão social, como por ser muito pobre, ou por sua origem, esse paciente acaba inventando histórias para não assumir a sua condição. Outras vezes é a lembrança de algum constrangimento que já passou que desencadeia esse quadro” explica Érika.
Independentemente da síndrome, o tratamento — na maioria dos casos baseado na combinação de medicamentos e psicoterapia — é longo, podendo durar a vida toda, o que exige persistência. “Como muitas vezes os resultados demoram, o paciente acaba abandonando o tratamento, o que impossibilita o controle dos sintomas e prejudica a vida do portador”, conta o psiquiatra da Universidade de Brasília Raphael Boechat.

Pedido de atenção
O transtorno factício ocorre quando uma pessoa simula uma doença. Muitas vezes associado à carência, o objetivo não é obter algum tipo de ganho, e sim receber atenção, tanto da equipe médica quanto da família. De acordo com o psiquiatra, o transtorno atinge principalmente idosos. “Quando estamos doentes, recebemos um carinho que remete ao que recebíamos na infância. O portador do transtorno factício não age por maldade, ele encontra na simulação de uma doença uma maneira de chamar a atenção, o que pode ser um sintoma de outros problemas mais graves, como a depressão.”
Estima-se que de 20% a 25% dos casos atendidos em hospitais sejam de doenças imaginárias, o que contribui para uma sobrecarga no sistema público de saúde. “Muitas vezes, o paciente vai várias vezes ao médico sem que ele consiga detectar qualquer doença. Descobrir que essa pessoa tem transtorno factício pode ajudar inclusive a diminuir as filas nos ambulatórios dos hospitais”, argumenta o médico.
A mentira compulsiva também pode estar relacionada à psicose. Nessas situações, o paciente acredita nas histórias que conta, e vive esses delírios. “Em casos mais graves, os portadores de psicose chegam a acreditar que são pessoas importantes, como, por exemplo, o presidente da República”, conta o médico.
Existem ainda casos menos graves, em que os delírios são relacionados a coisas que, embora não sejam reais, são possíveis de acontecer. Nessas situações, o diagnóstico se torna ainda mais difícil, pois verdades e mentiras se confundem. “São coisas que poderiam ser verdade, por isso, muitas vezes, essas mentiras são sustentadas por anos, e até pela vida toda.”
FugaMesmo quando a mentira é contada intencionalmente, ela pode estar ligada a alguma doença. Em quadros de síndrome de simulação, os pacientes encontram na mentira uma forma de não encarar os próprios problemas. Preferem mentir a lidar com situações difíceis, ou usam a falsidade para obter ganhos. É o caso das pessoas que mentem para ser promovidos, para justificar atrasos ou até para cometer crimes.
Contar uma pequena mentira eventualmente não caracteriza síndrome de simulação. O caso passa a merecer atenção maior quando a mentira se torna tão frequente que se tem que inventar mais mentiras para ocultar as anteriores. “Chega-se a um ponto no qual a situação se torna tão insustentável que os pacientes são desacreditados pela família, perdem o emprego e os amigos”, explica o médico.
O hábito de mentir também pode revelar um desvio de personalidade. Para quem sofre de transtorno de personalidade narcisista, mentir faz parte da individualidade. Em geral ligado ao excesso de autoestima e ao egocentrismo, o objetivo é se exaltar, mostrar-se superior ao que se realmente é.
De todos os pacientes de males relacionados à compulsão por mentir, os que sofrem do transtorno narcisista são os que têm maior dificuldade de tratamento. “É da índole desses pacientes mentir. Eles dificilmente reconhecem que não estão falando a verdade, e raramente admitem que precisam de tratamento”, afirma o psiquiatra. Eles só vão aos consultórios quando são obrigados. “Em geral, quando esse paciente procura tratamento é por causa de ameaças de demissão no trabalho ou pressionado pela família, nunca de maneira espontânea”, conclui Boechat.



Do Correiobraziliense.com.br

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