domingo, 15 de novembro de 2009

Paraty, Vale do Café, Petrópolis e Quissamã estão no mapa de roteiros da Consciência Negra no estado do Rio

Procissão na festa de São Benedito em Paraty representa a coroação dos reis do Congo

PARATY E VASSOURAS - O dia de Zumbi dos Palmares, 20 de novembro, virou feriado em diversos municípios brasileiros de alguns anos para cá. Na próxima semana, mais de 400 cidades vão lembrar a morte do líder quilombola. A data ganhou um nome feito para refletir: Dia da Consciência Negra. Que tal, então, aderir à sugestão e aproveitar o fim de semana prolongado para vasculhar aspectos importantes da cultura afro? Pertinho de casa mesmo há muito o que se ver. De Paraty, no Sul Fluminense, a Quissamã, no Norte do estado, passando pelas montanhas do Vale do Café e de Petrópolis, a Cidade Imperial, não faltam razões para praticar um turismo consciente no feriadão.
O Estado do Rio não é nenhuma Bahia, mas também é fértil em programas que transitam neste universo de miscigenação afrobrasileira: a Festa de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, em Paraty; o jongo do Vale do Café; as relíquias históricas da Abolição da Escravatura no Museu Imperial, e os descendentes de escravos da Fazenda Machadinha, em Quissamã, são alguns desses roteiros.
Paraty talvez seja o destino mais relevante neste circuito. Além de ter uma ativa comunidade de descendentes de escravos, o Quilombo Campinho da Independência, a cerca de 20 quilômetros do Centro Histórico, a cidade realiza uma celebração católica de origem negra: a Festa de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, que termina no domingo, dia 15, ponto alto da comemoração depois da novena, iniciada na sexta-feira passada, com missas, procissões e ladainhas.
Para a manhã de sábado, às 9h, está marcada a procissão das bandeiras, com a presença do rei e da rainha. A festa revive a coroação dos reis do Congo, sempre escolhendo um jovem casal de negros da comunidade para desempenhar o papel. Só não deixe de entrar na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, do século XVIII, que foi construída e era frequentada por escravos. Repare no seu interior, de rico acabamento, em contraste com a fachada modesta.
Além da programação religiosa, há a profana, com diversas apresentações no palco montado na Praça da Matriz. No domingo, por exemplo, o Grupo de Capoeira Filhos de Maré se apresenta às 16h. Como se não bastasse a festança, logo em seguida, durante o feriado, acontece a décima primeira edição do Encontro de Cultura Negra.
Veio dos africanos, aliás, uma das receitas típicas da cidade: o manuê de bacia, um bolo feito com melado de cana que teria sido inspirado em receitas portuguesas adaptadas aos ingredientes locais. O doce é um sucesso nas barraquinhas do Centro Histórico que, nos fins de semana, são montadas para arrecadar fundos para as muitas festas religiosas da cidade, como a de São Benedito. O roteiro negro em Paraty pode se estender para a Igreja de Santa Rita, construída e frequentada por pardos libertos, e trechos do Caminho do Ouro. Enquanto se passeia neles, é bom lembrar que as pedras, enormes, foram colocadas ali, com grande engenhosidade, pelos escravos.
Nas fazendas no Vale do Café, os resquícios da escravidão
Subindo as montanhas da Serra da Mantiqueira, chegamos ao Vale do Café. Nos últimos anos, o turismo na região ganhou novo fôlego, com a exploração das fazendas históricas e festivais como o do Vale do Café, cujo ponto alto é o Cortejo de Tradições, um encontro de grupos folclóricos que acontece na Praça Barão de Campo Belo. Entre os participantes, a maioria é de agremiações de origem afrobrasileira, como o Jongo do Quilombo São José, Caxambu Renascer, Jongo de Barra do Piraí, Jongo da Cachoeira do Arrozal, Jongo de Pinheiral e Capoeira Arte Rasteira.

Jongo de Pinheiral, Vassouras / Foto: Bruno Agostini

Durante todo o ano, é possível explorar os resquícios da escravatura nas fazendas da região. Uma das mais imponentes e visitadas de todas é a Fazenda Santa Clara, em Valença, que chegou a ter mais de dois mil escravos. A sede tem 365 janelas, 52 quatros e 12 salões. Muitas, como a Ponte Alta (www.pontealta.com. Br), mantêm intactas as suas senzalas. Nesta bem preservada propriedade em Barra do Piraí, transformada em pousada, funciona o Museu do Escravo. O acervo tem instrumentos de suplício, como correntes e bolas de ferro para serem amarradas aos cativos, troncos para açoite, e peças da época, como telhas moldadas nas coxas pelos escravos - a expressão "nas coxas" viria daí.
A visita geralmente é conjugada a um sarau, com atores caracterizados de barão e baronesa, que contam a história da região na companhia de uma atriz interpretando uma mucama. Em datas específicas, como o próximo dia 20, há apresentações especiais. Neste dia, o programa começa às 10h e termina às 16h30m. Por R$ 65, além da visita às instalações com o sarau, haverá almoço e apresentação de um grupo de jongo.

Petrópolis lembra a libertação dos escravos
Ainda no alto da serra, Petrópolis também tem um importante acervo sobre a escravidão. A começar pelo objeto que acabou com ela: a pena de ouro com a qual a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, no dia 13 de maio de 1888. A peça faz parte da exposição permanente do Museu Imperial (www.museuimperial.gov.br), que também apresenta o espetáculo Som e Luz (R$ 20), que dura 45 minutos e pode ser visto às quintas-feiras, às sextas e aos sábados. Um filme projetado numa lâmina d'água relembra o Segundo Reinado, passando por momentos importantes da história do Brasil, como a Abolição.
Próximo dali, está o Palácio de Cristal, presente do Conde d'Eu à sua mulher, a Princesa Isabel. Na construção de vidro com armações metálicas, ela organizou a Festa da Liberdade, para comemorar o fim da escravatura, distribuindo algumas cartas de alforria.
Em Quissamã estão as propriedades rurais e históricas do Ciclo do Açúcar
Descendo a serra em direção ao norte do estado, Quissamã também tem propriedades rurais históricas. Mas não de café: essas são do ciclo de cana de açúcar. A Fazenda Machadinha é a mais importante de todas. Há cerca de dois anos, foi aberta aos visitantes, depois de um cuidadoso trabalho de restauração que custou R$ 2 milhões. Nas antigas senzalas, ainda moram descendentes de escravos, formando uma importante comunidade quilombola, que conseguiu manter muitas de suas tradições. Como o fado negro, dança típica dos escravos, que foi preservada em Quissamã, principalmente por causa dessa comunidade.
Dançado ao som de viola e pandeiro, tem o ritmo marcado com palmas e sapateados. Os versos são entoados por repentistas. Outro elemento interessante é a receita conhecida como mulato velho, uma espécie de feijoada de peixe salgado com abóbora.
Este ano, foi lançado um roteiro turístico nas cidades da Região dos Lagos, como Búzios e Cabo Frio. Por R$ 120, o visitante passa o dia nas fazendas de Quissamã. No programa, estão a apresentação de danças tradicionais e almoço com pratos típicos - entre eles, o mulato velho.




O Globo

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