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segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Trabalho Infantil Artístico
Antonio Carlos Gomes da Costa *
O trabalho infantil é uma atividade cuja regulamentação vem conhecendo uma espiral evolutiva, que remonta aos movimentos sócio-sindicais que se seguiram à Revolução Industrial e não cessou de se ampliar e aprofundar até os dias de hoje. Sua normatização está presente no Direito Internacional (principalmente nas Convenções da OIT), na Constituição Brasileira, na CLT, no Estatuto da Criança e do Adolescente e numa série de normas complementares.
Na reta final do Século XX, no período pós-Constituição de 5 de outubro de 1988 e no período em que se seguiu à entrada em vigor do ECA (Lei 8.069/90), o grande marco institucional no combate à exploração da mão-de-obra da criança foi a adesão do Brasil ao IPEC/OIT (Programa Internacional de Erradicação do Trabalho Infantil, da Organização Internacional do Trabalho) apoiado inicialmente pela Alemanha.
Este programa reuniu um vasto arco de forças ético-políticas: OIT, Ministério do Trabalho, centrais sindicais, Federação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura, confederações empresariais, Ministério Público Federal do Trabalho, CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e especialistas em Direito do Trabalho, como o Dr. Oris de Oliveira, e especialistas em Direito da Criança e do Adolescente, entre os quais eu estava presente.
Essa iniciativa resultou em diversos avanços. O Brasil ratificou importantes convenções da OIT. A fiscalização do Ministério do Trabalho foi revigorada. A Sociedade Civil Organizada, principalmente a Fundação Abrinq, se mobilizou no combate a esse tipo de violação de direitos infanto-juvenis. Os Ministérios Públicos Federal do Trabalho e as Coordenadorias de Direito das Crianças e dos Adolescentes dos Ministérios Públicos Estaduais também se engajaram nessa luta. A imprensa, através da ANDI (Agência Nacional dos Direitos da Infância) mobilizou centenas de jornalistas Amigos da Criança em favor dessa causa. E a grande resposta do Poder Público foi a criação do PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), iniciativa que atravessou vários governos e perdura até os dias de hoje.
Uma situação, porém, de exploração da mão-de-obra da criança ainda não mereceu destaque especial na mídia, no movimento social, nas políticas públicas e na atuação dos operadores do direito. Refiro-me ao trabalho artístico da criança e do adolescente. Esta é, de fato, uma questão complicada e muito difícil de lidar. Tal modalidade de trabalho é parte constitutiva da cultura teatral, da cultura circense, da cultura radialista, da cultura cinematográfica, da teledramaturgia e dos programas de entretenimento realizados em auditórios e, frequentemente, disseminados em rede. Em razão disso, tais manifestações contam com inegável e imenso apoio e simpatia populares.
Para abordar essa questão, temos que admitir a existência de dois grandes tipos de trabalho artístico infantil: (i) trabalho artístico infantil como princípio educativo; e (ii) o trabalho artístico infantil realizado como atividade profissional. A ilustração do primeiro caso é a participação de crianças e adolescentes em atividades de trabalho artístico-cultural no âmbito da vida escolar e de programas sócio-culturais sem fins lucrativos. A exemplificação do segundo caso é a utilização desse tipo de trabalho em atividades de caráter empresarial.
A partir deste ponto, vamos nos concentrar na segunda modalidade. Uma posição de fundamentalismo legalista levaria à negação pura e simples dessa atividade nos termos da legislação em vigor. Um posicionamento dessa natureza certamente levaria a reações extremas dos meios de comunicação e da opinião pública contra os promotores e defensores dos direitos da população infanto-juvenil. Essa é uma questão, portanto, que requer equilíbrio e bom senso em sua abordagem.
Antes de posicionar-me, de forma definitiva sobre o tema, gostaria de lembrar os três grandes malefícios que a legislação brasileira e a normativa internacional buscam evitar:
·O primeiro, é que a atividade laboral não pode afetar de modo algum a saúde da criança, isto é, o seu normal desenvolvimento físico, psicológico e moral;
·O segundo, é que este tipo de trabalho não pode resultar em nenhuma forma de interferência negativa na vida escolar da criança. Ela deve ter tempo o suficiente para frequentar regularmente a escola e usufruir das condições de tempo e repouso, para realizar, de forma adequada, os chamados deveres escolares prescritos pelo estabelecimento de ensino que frenquenta;
·O terceiro, é que o trabalho artístico nunca haverá de servir de obstáculo para que a criança ou adolescente tenham o adequado acesso às atividades relacionadas ao uso criativo e construtivo do seu tempo livre. Refiro-me, aqui, àquelas atividades relacionadas ao esporte, à cultura e ao lazer.
Assegurar que essas condições sejam rigorosamente observadas e fielmente cumpridas é uma tarefa dos educadores familiares, dos educadores escolares, dos educadores sócio-comunitários, dos meios de comunicação e do meio artístico de forma geral, das agências de publicidade e similares e, em caso de violação desses direitos, dos Conselhos Tutelares, dos Conselhos de Direito em todos os níveis, do Ministério Público, da Justiça da Infância e da Juventude, da Defensoria Pública, dos Centros de Defesa de Direitos da Sociedade Civil e dos cidadãos comprometidos com a promoção e a defesa dos direitos desse segmento da população.
O trabalho artístico infanto-juvenil, a meu ver, não é uma atividade para ser abolida, mas para ser regulamentada e fiscalizada com base no mais amplo e profundo respeito à condição da criança e do adolescente “como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento”.
*Antonio Carlos Gomes da Costa é pedagogo e participou da comissão de redação do Estatuto da Criança e do Adolescente
Fonte: Portal PróMenino
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