Formado em 2008, Nicolas Lehmann viu apenas dois colegas conseguirem empregos em sua área de formação
Bem-preparada, mas sem oportunidades, a juventude americana pode se tornar a maior vítima da crise econômica
Depois de morar por seis meses em um apartamento com colegas de faculdade, Eric Georgantes, de 23 anos, teve de voltar para a casa dos pais. O motivo, impensável antes da crise econômica, hoje é cada vez mais comum entre universitários americanos: apesar de estudarem em grandes universidades, nem ele nem seus três colegas conseguiram um emprego de meio-período para pagar o aluguel.
Bem-preparado mas inexperiente, Eric é um retrato da chamada “geração Facebook”: jovens universitários e recém-formados que tiveram o azar de entrar no mercado de trabalho em um dos piores períodos da história da economia americana – e agora pagam por isso.
“Estou no último ano de Ciência Política, mas meu último emprego foi o de cuidador de cachorros, há um ano”, diz Eric. “Procurei trabalho em lojas, restaurantes e até na universidade, mas não consegui nenhuma entrevista. Com 9,8% de desemprego no país, era de se esperar.”
Tradicionalmente, a taxa de desemprego nos Estados Unidos flutua entre 4% e 5%. Com o impacto da crise econômica, essa porcentagem dobrou. Os jovens foram os mais afetados. Em setembro de 2009, apenas 46% dos americanos com até 24 anos estavam empregados. É o menor índice desde que o governo americano começou a medir essa estatística, em 1948.
Os números mostram uma nova e preocupante realidade no país. Com a recessão, muitas das vagas de emprego em lojas e lanchonetes, antes destinadas a universitários, deixaram de existir. As que sobraram passaram a atrair pessoas mais velhas que perderam o emprego devido à crise – e têm mais experiência e tempo disponível do que os estudantes.
Para piorar a vida dos estudantes, universidades que mantinham seus preços congelados há muitos anos tiveram de aumentá-los para conter os efeitos da recessão. O resultado: nunca foi tão caro – e tão difícil – cursar uma faculdade nos Estados Unidos.
Segundo a Secretaria de Educação do país, o universitário americano tem, em média, uma dívida de US$ 27 mil (cerca de R$ 47 mil) ao se formar. A inadimplência vem crescendo ao longo dos anos. Em 2007, chegou a 6,7%. Os números de 2008 e 2009 ainda não foram divulgados, mas a expectativa do governo é de um aumento acentuado.
O motivo para o pessimismo é simples: ao contrário do que ocorria no passado, o diploma universitário deixou de ser garantia de emprego nos Estados Unidos. Antes da crise, a taxa de desempregados com ensino superior completo chegou a irrisórios 2,6%. Agora, ela é de 18% para jovens até 24 anos, e 11% entre os que têm 25 e 29 anos. Se forem descartados aqueles que estão subempregados, o número é ainda mais impressionante. Segundo a Associação Nacional de Faculdades e Empregadores (Nace, na sigla em inglês), apenas 1 em cada 5 formandos de 2008 conseguiu um emprego em período integral na sua área de formação.
Michael Byerly, de 22 anos, faz parte dos 80% que tentaram uma colocação profissional e não tiveram sucesso. Formado em Contabilidade no ano passado, ele só conseguiu empregos temporários – nenhum deles como contador. “Estou economizando e fazendo tudo o que eu posso para não atrasar as prestações do crédito estudantil”, diz. “Muitos colegas meus estão em depressão, e outros voltaram para a faculdade só para ter alguma coisa para fazer.”
Também formado em 2008, Nicolas Lehmann, de 23 anos, vive uma situação semelhante: “A maioria dos meus colegas de turma trabalha em mercados ou restaurantes. Só dois conseguiram um emprego na área.”
Profissões ligadas a finanças, como a de contador, foram as mais afetadas pela crise econômica. Muitos contadores experientes foram demitidos nos últimos anos e passaram a aceitar empregos que antes eram reservados aos recém-formados. “Vagas com salários baixos passaram a exigir de um a três anos de experiência, e há bem menos vagas do que havia antes da crise”, afirma Michael.
GERAÇÃO PERDIDA
Histórias como as de Eric, Michael e Nicolas proliferam em todo o país e chegam a atingir universidades inteiras. A Universidade da Pennsylvania é um dos exemplos mais dramáticos. Até 2007, mais de um terço de seus formandos era contratado todos os anos por empresas de Wall Street. Depois da crise, o número se aproxima de zero.
Preocupadas com a falta de empregos, algumas universidades decidiram incentivar seus alunos a buscar alternativas após a formatura. “Muitos estudantes estão deixando de lado suas primeiras opções de carreira para se dedicar a áreas que estão em crescimento, como a sustentabilidade”, afirma Kathy Sims, diretora de carreira da Universidade da Califórnia. “A procura por trabalhos voluntários também tem crescido, seja aqui nos Estados Unidos ou no exterior”, diz. Segundo ela, as empresas do país costumam valorizar essas experiências de curto prazo e podem contratar o estudante no futuro – desde que a situação econômica do país melhore. Apesar de a economia americana esboçar uma recuperação, especialistas acreditam que o desemprego entre recém-formados deve continuar alto nos próximos anos. O número de contratações em 2009 caiu 21% em relação ao ano anterior. Para 2010, a projeção é de uma nova queda: desta vez, de 7%. A geração Facebook, antes tida como promissora, ameaça se tornar uma geração perdida.
Mais do que a qualificação profissional ou características de personalidade dos jovens, a situação econômica do país no momento em que eles chegam à idade adulta é o principal fator para determinar seu sucesso – ou fracasso. Em seu livro Fora de série, o escritor Malcolm Gladwell conta a história de dois advogados, pai e filho, nos Estados Unidos. Apesar de terem a mesma formação, o pai não conseguiu sair da pobreza, enquanto o filho tornou-se multimilionário. O motivo? Enquanto o pai teve de enfrentar os piores anos da recessão após a crise de 1929, o filho pôde aproveitar as oportunidades durante o período de intenso crescimento econômico das décadas posteriores.
Embora a crise atual não seja tão grave quanto a de 1929, seus efeitos também podem afetar o destino de toda uma geração – ou ao menos parte dela. Segundo a Nace, as contratações de recém-formados só devem voltar a crescer significativamente em 2013. Seria tarde demais para os formandos da crise, que já teriam perdido a oportunidade de ganhar experiência nas carreiras de sua escolha e estariam empregados em cargos inferiores à sua capacidade.
Caso as projeções se confirmem, os maiores beneficiados seriam jovens que entrarão na faculdade nos próximos anos. Além de entrarem no mercado de trabalho depois que o pior da crise já tiver passado, eles se aproveitariam do envelhecimento da força de trabalho americana. Na década de 80, a média de idade de um trabalhador americano era de 35 anos, contra 41 em 2008. A tendência indica que, na próxima década, 20% da força de trabalho americana terá mais de 55 anos.
De acordo com o relatório da Nace, essa geração deverá, gradualmente, abrir espaço em cargos de chefia para as gerações posteriores. Se a geração Facebook perder essa oportunidade, os adolescentes de hoje podem se tornar um exemplo de sorte e sucesso – assim como os jovens que escaparam da crise de 1929.
Época
Depois de morar por seis meses em um apartamento com colegas de faculdade, Eric Georgantes, de 23 anos, teve de voltar para a casa dos pais. O motivo, impensável antes da crise econômica, hoje é cada vez mais comum entre universitários americanos: apesar de estudarem em grandes universidades, nem ele nem seus três colegas conseguiram um emprego de meio-período para pagar o aluguel.
Bem-preparado mas inexperiente, Eric é um retrato da chamada “geração Facebook”: jovens universitários e recém-formados que tiveram o azar de entrar no mercado de trabalho em um dos piores períodos da história da economia americana – e agora pagam por isso.
“Estou no último ano de Ciência Política, mas meu último emprego foi o de cuidador de cachorros, há um ano”, diz Eric. “Procurei trabalho em lojas, restaurantes e até na universidade, mas não consegui nenhuma entrevista. Com 9,8% de desemprego no país, era de se esperar.”
Tradicionalmente, a taxa de desemprego nos Estados Unidos flutua entre 4% e 5%. Com o impacto da crise econômica, essa porcentagem dobrou. Os jovens foram os mais afetados. Em setembro de 2009, apenas 46% dos americanos com até 24 anos estavam empregados. É o menor índice desde que o governo americano começou a medir essa estatística, em 1948.
Os números mostram uma nova e preocupante realidade no país. Com a recessão, muitas das vagas de emprego em lojas e lanchonetes, antes destinadas a universitários, deixaram de existir. As que sobraram passaram a atrair pessoas mais velhas que perderam o emprego devido à crise – e têm mais experiência e tempo disponível do que os estudantes.
Para piorar a vida dos estudantes, universidades que mantinham seus preços congelados há muitos anos tiveram de aumentá-los para conter os efeitos da recessão. O resultado: nunca foi tão caro – e tão difícil – cursar uma faculdade nos Estados Unidos.
Segundo a Secretaria de Educação do país, o universitário americano tem, em média, uma dívida de US$ 27 mil (cerca de R$ 47 mil) ao se formar. A inadimplência vem crescendo ao longo dos anos. Em 2007, chegou a 6,7%. Os números de 2008 e 2009 ainda não foram divulgados, mas a expectativa do governo é de um aumento acentuado.
O motivo para o pessimismo é simples: ao contrário do que ocorria no passado, o diploma universitário deixou de ser garantia de emprego nos Estados Unidos. Antes da crise, a taxa de desempregados com ensino superior completo chegou a irrisórios 2,6%. Agora, ela é de 18% para jovens até 24 anos, e 11% entre os que têm 25 e 29 anos. Se forem descartados aqueles que estão subempregados, o número é ainda mais impressionante. Segundo a Associação Nacional de Faculdades e Empregadores (Nace, na sigla em inglês), apenas 1 em cada 5 formandos de 2008 conseguiu um emprego em período integral na sua área de formação.
Michael Byerly, de 22 anos, faz parte dos 80% que tentaram uma colocação profissional e não tiveram sucesso. Formado em Contabilidade no ano passado, ele só conseguiu empregos temporários – nenhum deles como contador. “Estou economizando e fazendo tudo o que eu posso para não atrasar as prestações do crédito estudantil”, diz. “Muitos colegas meus estão em depressão, e outros voltaram para a faculdade só para ter alguma coisa para fazer.”
Também formado em 2008, Nicolas Lehmann, de 23 anos, vive uma situação semelhante: “A maioria dos meus colegas de turma trabalha em mercados ou restaurantes. Só dois conseguiram um emprego na área.”
Profissões ligadas a finanças, como a de contador, foram as mais afetadas pela crise econômica. Muitos contadores experientes foram demitidos nos últimos anos e passaram a aceitar empregos que antes eram reservados aos recém-formados. “Vagas com salários baixos passaram a exigir de um a três anos de experiência, e há bem menos vagas do que havia antes da crise”, afirma Michael.
GERAÇÃO PERDIDA
Histórias como as de Eric, Michael e Nicolas proliferam em todo o país e chegam a atingir universidades inteiras. A Universidade da Pennsylvania é um dos exemplos mais dramáticos. Até 2007, mais de um terço de seus formandos era contratado todos os anos por empresas de Wall Street. Depois da crise, o número se aproxima de zero.
Preocupadas com a falta de empregos, algumas universidades decidiram incentivar seus alunos a buscar alternativas após a formatura. “Muitos estudantes estão deixando de lado suas primeiras opções de carreira para se dedicar a áreas que estão em crescimento, como a sustentabilidade”, afirma Kathy Sims, diretora de carreira da Universidade da Califórnia. “A procura por trabalhos voluntários também tem crescido, seja aqui nos Estados Unidos ou no exterior”, diz. Segundo ela, as empresas do país costumam valorizar essas experiências de curto prazo e podem contratar o estudante no futuro – desde que a situação econômica do país melhore. Apesar de a economia americana esboçar uma recuperação, especialistas acreditam que o desemprego entre recém-formados deve continuar alto nos próximos anos. O número de contratações em 2009 caiu 21% em relação ao ano anterior. Para 2010, a projeção é de uma nova queda: desta vez, de 7%. A geração Facebook, antes tida como promissora, ameaça se tornar uma geração perdida.
Mais do que a qualificação profissional ou características de personalidade dos jovens, a situação econômica do país no momento em que eles chegam à idade adulta é o principal fator para determinar seu sucesso – ou fracasso. Em seu livro Fora de série, o escritor Malcolm Gladwell conta a história de dois advogados, pai e filho, nos Estados Unidos. Apesar de terem a mesma formação, o pai não conseguiu sair da pobreza, enquanto o filho tornou-se multimilionário. O motivo? Enquanto o pai teve de enfrentar os piores anos da recessão após a crise de 1929, o filho pôde aproveitar as oportunidades durante o período de intenso crescimento econômico das décadas posteriores.
Embora a crise atual não seja tão grave quanto a de 1929, seus efeitos também podem afetar o destino de toda uma geração – ou ao menos parte dela. Segundo a Nace, as contratações de recém-formados só devem voltar a crescer significativamente em 2013. Seria tarde demais para os formandos da crise, que já teriam perdido a oportunidade de ganhar experiência nas carreiras de sua escolha e estariam empregados em cargos inferiores à sua capacidade.
Caso as projeções se confirmem, os maiores beneficiados seriam jovens que entrarão na faculdade nos próximos anos. Além de entrarem no mercado de trabalho depois que o pior da crise já tiver passado, eles se aproveitariam do envelhecimento da força de trabalho americana. Na década de 80, a média de idade de um trabalhador americano era de 35 anos, contra 41 em 2008. A tendência indica que, na próxima década, 20% da força de trabalho americana terá mais de 55 anos.
De acordo com o relatório da Nace, essa geração deverá, gradualmente, abrir espaço em cargos de chefia para as gerações posteriores. Se a geração Facebook perder essa oportunidade, os adolescentes de hoje podem se tornar um exemplo de sorte e sucesso – assim como os jovens que escaparam da crise de 1929.
Época
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