sexta-feira, 24 de julho de 2009

“A devastação do crack”


Ouvi pela primeira vez a expressão “atravessar o espelho” na minha primeira saída. Ou seja, um paciente viciado em crack, sem chances de se reintegrar a sociedade. Mas sinceramente, nem fazia idéia do quanto esse termo traduz o vício. Dias depois, após concluir esta reportagem tensa, triste, difícil, acima de tudo. Comecei a entender um pouco a profundidade que aquele especialista em toxicologia falava. Conhecemos muito perto, eu diria pouco mais de um metro de distância, histórias de crianças, adolescentes, jovens e adultos. Eles roubam, se prostituem, ficam sem dormir durante dias. Misturam momentos de prazer, com paranóia. Mas sempre acompanhados de muita desconfiança e tensão. Presenciei pessoas vinte dias sem banho. Catando bitucas de cigarro pelo chão pra trocar pela raspa do chifre do diabo como disse uma entrevistada. Uma substância que, para alguns dependentes, é mais prazerosa que o sexo. Foi a reportagem mais impressionante que já fiz. Desabafos a parte. Quero contar um pouco, em ordem cronológica, como chegamos até eles.
Quando o assunto é droga, antes da equipe sair da redação, o clima automaticamente fica tenso. Insegurança, vontade de registrar cenas inéditas e uma pitada de medo são os adjetivos para expressar meu sentimento como repórter cinematográfico, naquela noite inesquecível de 16 de junho. Partimos para o centro de São Paulo, rumo a cracolândia. No caminho, eu, Caco e o técnico Adonias Freitas traçávamos planos para chegar o mais perto possível daquela realidade.
Primeiro paramos o carro da TV numa esquina, onde mais de cem pessoas fumavam, tanto nas calçadas, quanto no meio da rua, impedindo o trânsito de carros. Ficamos pasmados com a cena. Logo fomos vistos. Em poucos segundos estávamos cercados. O Caco ainda tentava abrir o vidro da viatura e falava “vamos conversar”. De repente ouvi as primeiras pedradas. Daí pra frente foi “show de horror”. Consegui registrar a fúria dos “nóias” de uma maneira assustadora. Passamos a noite inteira tentando nos aproximar. Sem sucesso. Às seis da manhã de quarta-feira o Caco ainda insistia. “Emílio, já fiz diversas matérias sobre crack. Sempre registrando de longe ou com rostos cobertos. Preciso entrevistá-los de perto. O Profissão Repórter aproxima muito o público dos personagens. Esse é o nosso desafio. Eu quero voltar aqui, outro dia, e conversar com eles de qualquer maneira”. Naquele momento, diante de tudo que passamos, durante toda noite, achei que seria no mínimo loucura, um ato de insanidade mas… Voltamos pra lá na manhã do dia 18. Nesse local o movimento dos viciados é interminável, mesmo a luz do dia. Agora com o técnico Ulisses Mendes. Mais planos e nenhuma certeza de entrevista. Caco com toda experiência de fazer reportagens investigativas achou prudente começar pelos comerciantes. Chegar aos poucos se aproximando do nosso objetivo. Abordamos primeiro um porteiro uns 50 metros deles. Atravessamos a rua para entrevistar um borracheiro. Ele trocava o pneu de um caminhão. “Como é trabalhar ao lado dessas pessoas?”. Nessa hora meu coração estava acelerado. Praticamente nem gravei o entrevistado. Estávamos a dez metros deles. Fiquei registrando o segundo plano da imagem.
Uma movimentação que misturava a euforia de quem acabava de fumar com a paranóia de quem ficava procurando restos de pedras pelo chão. De repente chegam os primeiros garotos já colocando o cobertor na frente da minha lente e dizendo, “aí truta não pode filmar aqui não”. Em um minuto ficamos cercados novamente. “Eu só quero falar com quem quiser bater um papo comigo”, insistia o Caco. E eles foram chegando aos poucos. Daí pra frente foram imagens e entrevistas inéditas pra mim. Conseguimos conhecer uma realidade que eu jamais pensei que conseguiria registrar tão perto.
Depois de passar duas horas sem parar de gravar um minuto se quer. Cheguei no carro e disse pro Caco “Eu nem senti meu ombro” Ele me respondeu com um sorriso de vitória. “A energia da equipe estava muito positiva. Eu sabia que iríamos conseguir”. O resultado dessa aventura, que pra mim, foi a mais delicada nesses três anos de Profissão Repórter vocês viram nesse programa incrível.

Emílio Mansur – repórter cinematográfico do programa Profissão Repórter


A luta contra o crack

No Profissão Repórter do dia 30 de junho, Caco Barcellos e sua equipe mostraram o duro retrato do consumo do crack no Brasil. Depois de 60 dias do início das gravações, eles voltam aos mesmos locais.
Caco Barcellos vai à Cracolândia e registra a ação da polícia e o protesto de comerciantes contra a presença dos dependentes no centro de São Paulo.
Os repórteres Thiago Jock e Mikael Fox voltam à clinica de tratamento. E a repórter Mariane Salerno conta uma história por trás das mais de 500 mensagens que chegaram ao site do Profissão Repórter depois da exibição do primeiro programa.


Primeiro Bloco

Segundo Bloco

Um comentário:

  1. Olá a todos @s.
    Parabéns por reportagem tão exclarecedora sobre o crack, estes dados me servirão de de base para a defesa aos usuários e combate as drogas, já que sou parte de um povo que luta contra esta maldita droga, tenho um trabalho junto as casas de recuperação de usuários e que não é facil lidar tanto com o viciado como com as familias, esta ultima que sofre espiritualmente, psicologicamente e financeiramente.

    O que nos sustenta nesta empreitada é ter a certeza que conseguimos bons resultados, diferente de outros tipos de tratamento, de toda forma meus respeitos aos pesquisadores e esforço para mostrar a sociedade que precisam se envolver mais com este assunto.

    Fiquem na graça e paz de Jesus,
    Hugo Paiva
    REDE HUMANITÁRIA DE ALIMENTOS NA ZONA LESTE
    Visite meu blog, lá tem varios endereços de casas de recuperação:http://blogdohugopaiva.blogspot.com/

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