domingo, 2 de agosto de 2009

O violinista que alegra a vida dos hospitais


A ideia de inserir música no cotidiano do HCor, de São Paulo, surgiu há dez anos, em uma conversa entre a psicóloga Silvia Cury e o paciente Ruslan Gawriljuk - que se recuperava de uma operação na válvula mitral. "Ela fazia entrevistas com os pacientes, para saber o que eles faziam para viver. Eu contei que tocava violino desde a infância: ela perguntou, então, se eu não gostaria de tocar no hospital assim que melhorasse", lembra Ruslan.
A partir da conversa, ele passou a fazer apresentações frequentes no hospital, sempre acompanhado de flautistas ou pianistas. "Começamos tocando uma vez por mês no salão do hospital: todo mundo vinha nos ouvir", recorda. "Depois, comecei a tocar no saguão, das 10h ao meio-dia, bem no horário em que as pessoas vão ser internadas".
Criado em uma família de músicos, Ruslan nasceu na Rússia e se transferiu para o Brasil aos dez anos. Foi bailarino profissional por toda a vida, mas decidiu mudar sua atividade depois da operação, que o afastou da dança. "Já toquei em UTIs, em centros hemodiálise, para crianças. A música faz com que os pacientes esqueçam por um momento os problemas pelos quais estão passando", diz o violinista.
Os pacientes não são os únicos beneficiários da música de Ruslan. Ele também toca nas ruas, onde vende seus CDs, com gravações de músicas clássicas e versões de trilhas sonoras de filmes, por 10 reais. "As pessoas compram para ouvir no carro e dizem que a minha música cura o stress", conta. "Eu sinto que a minha função é essa: levar a música para todas as camadas sociais".




Como a música pode ajudar na cura

Há canções ligadas à infância, à juventude, ao primeiro amor, a uma grande tristeza, ao casamento. Todas essas músicas compõem a memória musical de uma pessoa e podem despertar emoções cruciais para a melhora de certas condições de saúde. "Quando utilizamos músicas relacionadas à história de um portador de Alzheimer, por exemplo, essa pessoa consegue relembrar fatos com detalhes: isso não viria à tona, caso indagássemos aquele paciente", explica Cléo Correia, musicoterapeuta do ambulatório de Musicoterapia de Neurologia do Comportamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A esperança é confirmada por estudo das Faculdade Metropolitanas Unidas (FMU). O trabalho mostra que pacientes internados apresentaram melhora significativa de humor quando são submetidos a um repertório musical personalizado, criado a partir de seus próprios gostos musicais. "99% dos pacientes dizem que se sentem muito melhor", comenta Maristela Smith, professora, fundadora e coordenadora dos cursos de graduação e pós-graduação de musicoterapia e da Clínica-escola de Musicoterapia da FMU.
A música pode ser usada no auxílio da saúde de duas formas: preventiva ou terapêutica, segundo explica Smith. Na primeira situação, ela é aplicada em atividades recreativas com crianças, jovens, adultos e idosos saudáveis. No segundo caso, em que há níveis mais intensos de trabalho, pode ajudar a minimizar os sintomas de Parkinson e Alzheimer, ajudar portadores de deficiência mental, colaborar na recuperação de problemas motores, pacientes com câncer, além de casos de depressão e stress, entre outros. "Os sons estimulam a mente porque atingem, ao mesmo tempo, o hemisfério direito, ligado à criatividade, e o esquerdo, do raciocínio", diz Smith.
Mozart para crianças - Cléo Correia, da Unifesp, realizou um estudo com crianças que sofrem de epilepsia grave, conhecida como síndrome de Lennox-Gastaut. Nesses casos, ocorrem espasmos constantes, e a medicação dificilmente surte efeito duradouro. Os pesquisadores, então, recorreram a Mozart para auxiliar as crianças: "Intercalamos as músicas com silêncio, e percebemos que os espasmos diminuíam", relata a musicoterapeuta.
"A música tem um impacto direto e mensurável no estado mental, reposta biológica ao stress, sensação de dor, ação cardíaca, pressão sanguínea, níveis de hormônio, produção de morfinas, adrenalina e atividade elétrica cerebral", sintetiza Ralph Spintge, presidente da Sociedade Internacional de Música na Medicina, em Lüdenscheid, Alemanha.
Apesar da quantidade crescente de estudos que comprovam os benefícios da musicoterapia, os especialistas são categóricos ao dizer que não existe uma farmacopéia musical universal. "Precisamos encarar cada caso como único. É preciso conhecer a história musical da pessoa: se ela cooperar, certamente a música lhe fará bem", afirma Correia. Spintge concorda: "É óbvio que nunca haverá uma pílula musical contra todas as doenças. Por outro lado, se os programas musicais forem usados adequadamente, serão alcançados benefícios para todos os pacientes e cidadãos", diz.

(Por Natalia Cuminale)



Revista Veja

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