domingo, 13 de setembro de 2009

Jorge Farah: "Não sei o que aconteceu. Eu surtei."


Farah Jorge Farah: "Vou chorar sempre"

Em entrevista exclusiva a ÉPOCA, o ex-cirurgião plástico que esquartejou a ex-amante em 2003 diz lamentar pela mãe da vítima e afirma confiar na Justiça
SOLANGE AZEVEDO


ÉPOCA - Quem era Farah Jorge Farah antes do crime ?
Farah Jorge Farah - Alegre, trabalhador, solidário, espalhava alegria onde estava, valorizando mais a ternura do que outras coisas materiais, supérfluas e passageiras. Baseado nos exemplos de meus pais, que muito me impregnaram. Com falhas e defeitos como qualquer ser humano.

ÉPOCA - Quem é hoje?
Farah - Um homem deprimido, triste, amargurado, em definhamento progressivo com o que tem vindo com a idade e as dores pelo ocorrido nos últimos anos, muitas vezes solitário, tentando um caminho para reerguer-se do chão. Assim me sinto muitas vezes, tendo restado poucos amigos do passado. Fico feliz quando alguém me dá um pouco de atenção. A maior esperança, se não nesta vida, é a volta de Joshua. Como, também, me disse um amigo do Beit Chabad, uma ala interessante do judaísmo, aguardam o Messias para breve, com a diferença de ser esta a primeira vinda por eles esperada. Ele esclarecerá e restaurará todas as coisas, assim esperamos, e enxugará dos olhos toda lágrima.

ÉPOCA - Por que o senhor matou Maria do Carmo Alves?
Farah - Dói muito tentar rememorar os fatos, e vai doer muito ainda. O ocorrido foi amplamente exposto no processo em curso. Lamento amarguradamente pela falta de lucidez naquele momento.

ÉPOCA - Como explicar o homicídio?
Farah - Uma pessoa estressada, em súbito envolvimento numa situação desesperadora, perde o controle, o rumo, e estraga toda a sua vida; não apenas a própria.

ÉPOCA - Por que nunca se refere ao caso como "homicídio" ou diz "eu matei"?
Farah - Na realidade, qualquer que seja o termo, há muita amargura.

ÉPOCA - O senhor se sente culpado?
Farah - Lamento amarguradamente pela falta de lucidez naquele momento tão estressante e desesperador. Terei de conviver com isso pelo resto da minha vida, obviamente com a ajuda do Todo-Poderoso, que conhece meu coração.

ÉPOCA - Sua condenação foi justa?
Farah - Não me sinto em condições de dizer. Choro e vou chorar sempre pelo ocorrido, pelas dores suscitadas, especialmente na mãe da Maria do Carmo, simples como o eram meus pais, e a quem eu não conhecia. Peço ao Todo-Poderoso que a ampare. Mas creio e confio que os magistrados decidirão com justa ponderação.

ÉPOCA - Seu conceito sobre vida e morte mudou depois do crime?
Farah - Sempre tive a vida como o dom mais precioso, sublime, que nos concedeu o Criador, não como se fosse algo mecânico. A morte, como Sócrates definiu, ou "é um sono sem sonhos" ou "será um partir para o encontro com os Juízes Supremos". Segundo descrevem os escritores da Bíblia, é um estado de sono sem sonhos, porém passageiro, terminando com a decretação do dia em que todos compareceremos perante o Tribunal do Supremo Juiz de todo o Universo. E esse dia não tardará muito a chegar, cremos. Os conceitos não mudaram; o que, efetivamente, mudou foi minha vida e, certamente, a dos familiares dela.

ÉPOCA - De que o senhor sente falta?
Farah - Meus pais, minha cidadania, o meu direito de ir e vir, de me expressar, de sorrir, de opinar - tudo é objeto de julgamento -, minha autoestima, dignidade, direito ao trabalho, entre outras tantas coisas importantes, notadamente no âmbito pessoal e social.

ÉPOCA - O senhor faz tratamento?
Farah - Tristeza, depressão e angústia me acompanham e, certamente, assim o será pela vida inteira. Devido a isso, procuro os profissionais da área, que me prescrevem antidepressivos. Faço uso de antirreumáticos e antibióticos com frequência e outros tratamentos fisioterápicos, assim como devo submeter-me a mais cirurgias. A próstata dá sinais nada simpáticos.

ÉPOCA - O senhor se sente livre?
Farah - Ser discriminado não é ser livre.

ÉPOCA - Como é viver condenado pela Justiça?
Farah - Dói e muito. A execração e o encarceramento anulam qualquer auto-estima . Não sou contra a punição, ela deve existir; também, não me sinto em condições de pleitear ou de defender este ou aquele ponto de vista. Mas o eminente jurista Walter Ceneviva entre tantos ilustres, escreveu a respeito das dificuldades em dosificar uma pena. É compreensível que alguém ache que uma pena deva ser pela vida toda. Mas, devemos todos refletir muito sobre as coisas e conhecer, no mínimo, os cinco primeiros artigos de nossa Constituição. Pensarmos mais amplamente em prevenção e recuperação. O promotor Hélio Bicudo sustenta posturas interessantes a esse respeito. Conforme nosso professor de Filosofia do Direito salientou, "as ideologias são inimigas do bem pensar". Viver condenado é ser discriminado "ad aeternum" (eternamente).

ÉPOCA - O senhor sonha com o crime ou com Maria do Carmo?
Farah - Nunca sonhei com o ocorrido. Se tive pesadelos, sonhei com meus medos.

ÉPOCA - Pensa que pode voltar para a prisão?
Farah - Prefiro não pensar, poupando-me, assim, de mais um sofrimento.

ÉPOCA - O senhor se sente condenado pela sociedade?
Farah - Exceto pela oportunidade de estudar, as portas se fecham frequentemente; olhares, gracejos, o isolamento e o pré-julgamento por parte das pessoas são uma constante punição. A perda de muitos amigos - ou os que aparentavam sê-lo - e , principalmente, de trabalhar naquilo que sempre amei.

ÉPOCA - Como foi a sua vida na prisão?
Farah - Dificílima: cela estreita e úmida que eu dividia com um número variável de sete a dez pessoas; inicialmente dormia no chão, em cima de um colchonete, em companhia de ratos e baratas. Havia outros presos que, por falta de espaço, dormiam no banheiro; pisávamos em seus colchões à noite, para usar o sanitário. Por vezes, os banhos eram frios, outras vezes, ficávamos sem luz e água; o café da manhã e refeições eram chamados pelos presos de 'gororoba', na maior parte das vezes era rejeitada, e víamo-nos obrigados a prepará-la com o que familiares levavam - e ainda intitulam isto de "cela especial"... Só D´us ( não escrevemos, por respeito, completamente o Nome Sagrado - Ha Shem) sabe o que ocorre nas demais celas deste Brasil afora. O encarceramento deixa marcas doridas e amargas, quanto mais o tempo de prisão prossegue. Contam-se os segundos que vão passando, condenados a contemplar o tempo passar, porque ali somos privados do contato social - e somente não enlouquecemos porque Deus não quer.... A convivência imposta com os demais presos foi pesarosa, mas tive que me adaptar às regras da cadeia, muito diversas das regras aqui fora. Todavia, houve cordialidade e respeito, chamavam-me pelo diminutivo de meu nome por carinho e simpatia. Acordavam-me de madrugada, pedindo para fazer pão - tínhamos uma frigideira e um aquecedor elétrico. Gostavam das comidas que aprendi a fazer com minha mãe.

ÉPOCA - O senhor me disse que tentou se matar três vezes enquanto estava na cadeia e que foi socorrido por presos. Como foi?
Farah - Sim. Não posso descrever, estaria ensinando coisas ruins. Posso dizer que eles me vigiavam em turnos.

ÉPOCA - De que o senhor tem medo?
Farah - Acima de tudo, tenho medo de me afastar do Criador, de Sua companhia; procuro, dia a dia, remendar meus defeitos; com humildade aceito, a cada momento, quando apontam para mim minhas falhas.

ÉPOCA - O senhor se sente solitário?
Farah - Sim, e muito. Na solidão - de cuja origem deriva a palavra Saudade - encontramo-nos a sós conosco; enquanto voluntária, passageira, serve para nossa meditação. Mas não desejo isso para ninguém, é horrível. Por outro lado, o Criador tem conhecimento até dos fios de nossos cabelos que caem e nascem, nada ocorre sem Sua Permissão. Portanto, devo aceitá-la, mas reconheço que falo muito quando alguém me dá um pouco de atenção.

ÉPOCA - Faz planos para o futuro?
Farah - Meus planos são ser útil e produtivo, antes de mais nada. Estou acompanhando um curso de pós-graduação em Gerontologia, lato sensu. O emprego que me oferecerem, aceito na humildade. Desejo constituir família, dar netos aos meus pais quando encontrá-los. Não sei se viverei o suficiente. Mas, tudo isso fica difícil face à constante e quase irrestrita discriminação, haja visto que tive indeferido o meu ingresso até mesmo no cargo de escriturário do CRM, para o qual fui aprovado por concurso público.

ÉPOCA - Por que escolheu ser médico?
Farah - Era um idealismo desde a adolescência. Queria ajudar os mais pobres em suas doenças, estudar para minimizar a dor dos menos favorecidos, não sabia como, mas queria... A música "Dr Robert", dos Beatles me deu inspiração complementar; identifiquei-me com o médico por eles mencionado, era o ideal. A Igreja Adventista, que comecei a frequentar aos 18 anos, após a recuperação de meu pai, estimulou-me muito.

ÉPOCA - Em depoimento à polícia, uma recepcionista que trabalhou em seu antigo consultório disse que o senhor operou a dona Marisa, mulher do presidente Lula. É verdade?
Farah - Perdão, mas médicos não dizem se trataram ou não de determinada pessoa.

ÉPOCA - Quando foi o auge da sua carreira como médico?
Farah - Cada paciente que tratava dava-me a maravilhosa sensação do dever cumprido com humanidade; o retorno que davam, o confirmava.

ÉPOCA - Qual foi a melhor fase da vida do senhor?
Farah - Difícil dizer, mas me lembro de muitos amigos - ou que pareciam sê-lo -, de quando meu avô, irmãos e tios morávamos juntos. Amava cada emprego que assumia e cada coisa que aprendia dos livros. Amava a arte-profissão médica que, lamentavelmente, não posso exercer em função do triste episódio.

ÉPOCA - O senhor teve muitas namoradas?
Farah - Não sei dizer se foram muitas ou poucas. Algumas diziam namorar-me, sem que tivéssemos tido maior aproximação. Ternura e graciosidade são fundamentais numa mulher. Beleza física, não; este é conceito estético que aprendemos, muitas vezes dogmaticamente, mas que temos de reformular, assim como o conceito de felicidade e muitos outros...

ÉPOCA - Por que nunca se casou?
Farah - Apaixonei-me várias vezes, mas o tempo que queria dedicar,conflitava com trabalho e estudos. Muitas vezes, era com muita e mútua dor que decidíamos não prosseguir. Mas minha maior dor foi quando Alaíde foi embora (para Israel) ; vivíamos como em um conto de fadas, transbordando ternura. Cria que era o sonho concretizado. Uma ferida que não cicatrizou, em 2000.

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