segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O olhar do preso


ANSEIO
"Essa foto mostra a vontade e o limite de viver lá fora", diz Márcia Alencar

Em projeto inédito, Departamento Penitenciário vai utilizar fotos feitas por presos de cinco Estados para avaliar e melhorar o sistema carcerário
Foram 50 câmeras descartáveis, com filmes de 28 poses cada, para cinco penitenciárias em diferentes Estados do Brasil. Em cada uma, dez presos, escolhidos por seus colegas, fotografaram livremente o que quiseram dentro de seu ambiente. As imagens produzidas carregam a mensagem dos presidiários para o Departamento Penitenciário (Depen), do Ministério da Justiça (MJ), que vai apresentar uma seleção delas na 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg), de 27 a 30 de agosto, em Brasília.
“Fizemos um esforço para estabelecer um diálogo democrático, envolvendo a voz do preso e da presa, e para que eles pudessem demonstrar de forma criativa suas opiniões sobre a vida carcerária”, afirma Márcia Alencar Araújo Matos, coordenadora-geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas Alternativas do MJ. A 1ª Conseg vai propor mudanças na legislação penal e reformas na rede prisional. A mostra fotográfica foi um dos canais de opinião dos presos.
As cinco unidades prisionais participantes foram escolhidas para tentar contemplar a maior diversidade de ambientes. O Presídio Central de Porto Alegre, RS, e o Presídio Aníbal Bruno, em Recife, PE, são duas das maiores prisões brasileiras. O Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto, em Belo Horizonte, MG, foi o único feminino participante. A Penitenciária Federal de Catanduvas, PR, tem medidas de segurança reforçadas por comportar presos mais perigosos. E a Fábrica Esperança, em Belém, PA, emprega presos em regime aberto ou prisão domiciliar para treinamento e qualificação.
“A mostra não tem intenção de ser um denuncismo sobre as condições deles, porque essas já são alardeadas por aí”, diz Márcia. Além das opiniões e sugestões contidas nas fotos, o Depen enfatizou a importância do processo artístico na vida dos detentos. “Queremos ver o cotidiano do preso a partir de seu olhar, e mostrar que as pessoas privadas de sua liberdade não deixam de ter sua sensibilidade, sua expressão artística”, explica ela.
Junto com a mostra fotográfica, Márcia propôs a realização de mais quatro projetos especiais com a temática carcerária. Um documentário com opiniões e sugestões de presos e presas será apresentado na Conseg, junto com a peça “Bizarros”, uma “produção cênica extremamente impactante”, feita por presidiários e ex-presidiários. Haverá a premiação de um festival de música integrado somente pelos presos, e em uma feira serão comercializados diversos produtos artesanais produzidos por eles – com o lucro revertido ao detento.
As visões de quem teve a liberdade restringida somam-se a um esforço do Depen para fomentar outras formas de punição que não o encarceramento. “Queremos fomentar penas restritivas de direito para aqueles que cometeram crimes mais leves, por exemplo decorrentes de dependência química, ou crimes de ofensa à imagem e à honra... essas pessoas não precisam da mesma reprimenda que tem alguém que comete um delito grave. Elas podem ter os direitos restringidos, prestar serviço comunitário, continuando com a vida normal”, diz Márcia. Com essa discussão, o Depen procura aumentar os investimentos públicos com penas alternativas.
A seleção das fotos não foi pautada apenas por sua estética; levou-se em conta o conceito que a foto trabalhava. “Quisemos mostrar os contrastes e as contradições, situações extremamente precárias e outras extremamente sofisticadas. As fotos são para mostrar tanto as circunstâncias positivas quanto as negativas que envolvem os presos”, explicou Márcia. Mais de mil fotos foram analisadas pelo Depen para chegar às 30 que serão expostas durante a Conseg no fim do mês.

Ricardo F. Santos

Revista Época

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